O QUE JESUS DISSE O QUE JESUS NÃO DISSE? UMA CRÍTICA CRISTÃ AO LIVRO
Interpretando mal o Cristianismo: os copistas realmente alteraram o conteúdo da Bíblia? E por quê?
Um exame crítico do livro de Bart Ehrman: O que Jesus disse? O que Jesus não disse?: quem mudou a Bíblia e por quê.
Por H. L. Nigro
Traduzido e adaptado por Leandro Teixeira.
Em O que Jesus disse? O que Jesus não disse?, Bart Ehrman parece, superficialmente, apresentar uma tese convincente para a falta de fidelidade do Novo Testamento baseado nas mudanças dos manuscritos antigos durante o processo de cópia dos copistas, particularmente no segundo e terceiro séculos. Infelizmente, ele não é sempre o estudioso objetivo que ele mesmo afirma ser. Este trabalho, enquanto provê um documentário interessante sobre a disciplina do criticismo textual, somente conta metade da história.
Embora Ehrman saiba que a maioria esmagadora destes erros de cópia são aqueles (tais como os erros de ortografia) que são, em suas próprias palavras, “completamente insignificante[s], imateria[is], de pouca importância” (p. 217)[1], ele repetidamente passa rapidamente por cima deste ponto crítico e focaliza , em vez disto, as muito mais escassas adições e alterações intencionais, as quais a maioria já foi removida das nossas modernas traduções, ou mesmo que preservadas, têm pequeno ou nenhum impacto na doutrina cristã.
Adicionalmente, Ehrman freqüentemente deturpa o corpo da moderna erudição como que concordando com ele em matérias controversas quando, na verdade, alguns dos mais importantes estudiosos do Novo Testamento – incluindo o próprio mentor de Ehrman, Bruce Metzger – discordam dele. Apesar disto, ao final de seu livro, Ehrman admite que “pesquisadores competentes … altamente inteligentes chegam a conclusões opostas” (p. 218); até então, ele usa o termo inclusivo “pesquisadores” ou “muitos pesquisadores” para apoiar suas conclusões, ainda que raramente seja verdade.
É particularmente perturbador quando Ehrman especula sobre o assunto da autenticidade baseado em sua própria opinião ou reação pessoal quanto ao texto ao invés de [basear-se em] qualquer evidência histórica (por exemplo, ele visualiza diferenças secundárias de um evangelho para outro como tentativas deliberadas de alterar a mensagem e apresenta uma diferente visão da história) e, então, posteriormente em seu livro, deixa de chamar estas declarações “de especulações” para declarações “de fato”.
Pegue, por exemplo, sua argumentação de que Mateus e Lucas deliberadamente “apagaram” referências às emoções de Jesus (tais como compaixão ou ira, dependendo da variação lida que alguém escolha) na cura do leproso em Marcos 1.41. Por causa de que Ehrman prefere a leitura de que Jesus estava mais irado do que compassivo, ele argumenta que as descrições mais esparsas de Mateus e Lucas foram tentativas deliberadas de ocultar o que ele consideraria um fato embaraçoso. A argumentação de Ehrman ignora claramente o problema que, se os escritores do evangelho tinham inclinação para remover fatos embaraçosos, eles teriam ocultado os fatos muito mais embaraçosos deles, tais como a rejeição de Jesus por parte de Pedro, a incredulidade de Tomé, e o fato da tumba vazia ter sido descoberta por mulheres. Se eles deixaram estes fatos embaraçosos, porque eles deixariam fora do seu caminho algo tão inócuo quanto aqueles? Mais importante ainda, a argumentação de que isto é uma omissão deliberada (desta forma colocando dúvida nos motivos dos escritores) é uma interpretação pessoal que se sobrepõe ao texto – e completamente sem base nos fatos.
Rejeição subjetiva
Ironicamente, Ehrman usa seu treinamento em criticismo textual como a base para rejeitar a fé cristã. E, ainda, mesmo na própria admissão tácita de Ehrman, nenhum exemplo dado no livro toca o núcleo do ensino cristão.
Certamente, algumas adições dos copistas apóiam as afirmações do Novo Testamento sobre a divindade de Cristo, por exemplo; mas há um excesso de referências, incluindo as próprias palavras de Jesus, que não estão sob suspeita. E nenhuma destas discrepâncias coloca em xeque o coração da mensagem cristã, incluindo os detalhes relativos à morte expiatória, julgamento e ressurreição de Cristo, as quais formam o coração da fé cristã. Não somente isto, mas a confirmação dos pontos-chave dos relatos evangélicos podem ser encontrada em antigas crenças pré-Paulinas, as quais aparecem antes dos evangelhos ou epístolas serem escritas (a crença encontrada em 1 Coríntios 15, por exemplo, é comumente crida que ela apareceu dentro de uns poucos anos depois da morte de Cristo[2]), e nos escritos da Igreja antiga, tanto quanto em documentos seculares do primeiro e segundo séculos.
Curiosamente, Ehrman quase admite que o que importa não são os fatos da matéria, mas suas acusações pessoais (as quais são tão importantes que ele as faz na primeira e na última página do livro); que se a Bíblia foi realmente inspirada por Deus, então Deus teria preservado suas palavras originais perfeitamente através da história. Nenhum copista teria feito um simples erro ou uma simples mudança em qualquer ponto do tempo:
Pois a única razão (pensava eu) de Deus inspirar a Bíblia seria para seu povo ter as suas palavras reais; mas se ele realmente queria que as pessoas tivessem suas palavras reais, certamente poderia ter preservado miraculosamente essas palavras, assim como primeiramente as inspirara milagrosamente. Dadas as circunstâncias de que não preservou as palavras, a conclusão me pareceu inevitável: ele não se deu ao trabalho de inspirá-las. (p. 221)
Isto explica porque, na mente de Ehrman, as menores e mais secundárias discrepâncias tiraram a sua fé do caminho. Não que a evidência realmente aponte para os documentos do Novo Testamento como não confiáveis em transmitir verdade histórica, mas antes porque Deus não atingiu os padrões pessoais do próprio Ehrman.
Através da lente da ofensa
Esta, no seu núcleo, é a lente através da qual Ehrman visualiza sua pesquisa. Isto é claro, não somente em suas justificativas, mas em sua teologia. Muitas das afirmações de Ehrman de que as mudanças no texto são significativas à teologia cristã, realmente refletem o que parece ser uma compreensão superficial do texto.
Em outros lugares, seus problemas quase parecem manufaturados. Pegue o exemplo do aparente “erro” de Jesus quando Ele diz, em Marcos 4, que a semente da mostarda é “a menor de todas as sementes da terra”. Respondendo ao corpo do trabalho de harmonização destas passagens, Ehrman escreve, “[...]talvez eu não precise arrumar uma explicação extravagante de como o grão de mostarda pode ser a menor das sementes quando sei perfeitamente que não é” (p. 20). Antes que conclua que Jesus proferiu uma asneira embaraçosa, não seria mais racional assumir que Jesus não estava fazendo uma declaração científica, mas antes estava a ferramenta comum do exagero para fazer um ponto importante – a comparação do tamanho da semente com a majestade da planta completamente desenvolvida? Para Ehrman ver isto como um erro antes do que como uma óbvia figura de linguagem sugere uma forte tendência através da qual ele interpreta o texto.
Esta tendência resplandece tanto através do restante do parágrafo quanto na lista de Ehrman, uma coleção de “contradições”, após cada uma das quais ele afirma que, antes de aceitar a harmonização, “talvez haja realmente uma diferença”. A resposta óbvia é “e talvez não haja”. Os exemplos que Ehrman dá são bem conhecidos dos estudiosos do Novo Testamento, e a maioria – se não todos – são facilmente harmonizados. Então nós ficamos com a solução fácil? Ou nós rejeitamos a solução mais intuitiva e focamos ao invés disto a menos intuitiva – que Jesus, que é comumente citado, mesmo por aqueles que não aceitam sua divindade, como o mais sábio homem que já viveu e que habitou em uma cultura de fazendeiros e agricultores, cometeu um erro grosseiro sobre o tamanho de uma semente comum?[3]
Por último, o que isto resume é a falta de respeito de Ehrman pela mensagem do Novo Testamento. Isto também é claro em suas incorreções nas citações bíblicas. Ocasionalmente, as referências bíblicas são rasteiramente incorretas. Em outros casos, se alguém ler a passagem a qual Ehrman está se referindo, ela nem sempre diz o que Ehrman afirma. Se Isto é um resultado de sua própria lambança ou resposta ao texto emocionalmente carregada, novamente ressalta uma questão acerca de sua objetividade.
De qualquer modo, sobre o quê o Cristianismo está baseado?
Com todas as coisas consideradas, há uma tremenda ironia aqui. Eu duvido que qualquer estudioso questionaria a discussão de Ehrman sobre os manuscritos em si. As alterações dos copistas são bem conhecidas, e que poucas “principais” modificações foram feitas ao texto são também bem conhecidas – mesmo para, ”hã, hum”, outros estudiosos do Novo Testamento – mas a despeito do propósito declarado do livro como uma introdução ao criticismo textual para leigos, é a conclusão que Ehrman formula que é a verdadeira mensagem do livro. Essas conclusões são altamente subjetivas, e é nas suas conclusões que muitos dos maiores estudiosos do Novo Testamento do mundo distinguem-se das visões dele.
A maior ironia é que Ehrman rejeitou sua fé no cristianismo bíblico no que ele vê como problemas irreconciliáveis com o texto; e, contudo, a fé cristã nunca foi baseada na perfeita preservação das traduções do Novo Testamento. É baseada no testemunho ocular do Cristo ressurreto, o qual é um dos eventos mais bem atestados na história antiga, com ou sem alterações dos copistas, e mesmo fora da Bíblia. Poderiam desaparecer todos os documentos do Novo Testamento, porém a historicidade do Cristo ressurreto, crucificado por nossos pecados e adorado pelos antigos cristãos como Deus, permaneceria intacta (veja The Historical Jesus, por Gary Habermas).
Uma ironia final é que, enquanto Ehrman pesquisou estes textos e rejeitou sua fé, muitos dos grandes intelectuais do nosso tempo têm olhado para as mesmas evidências e têm realmente fortalecido suas fés ou se tornam crentes pela primeira vez. Eu mesmo tomo algo muito diferente das evidências de Ehrman do que ele aponta, e eu realmente deleito-me com o livro e planejo adicioná-lo à minha biblioteca apologética apoiando a fé cristã – em grande parte, eu suspeito, para seu desapontamento.
Notas
[1] Na sua seção sobre os textos do Novo Testamento, Ehrman sumariza o trabalho por Daniel Whitby como concluindo que “o texto do Novo Testamento é seguro, dado que raramente alguma variante citada por Mill [um oponente focado em variantes textuais] diz respeito a um artigo de fé ou a uma questão de conduta” (p. 96). Ehrman deixa esta avaliação incontestada, e poucas linhas mais tarde, acrescenta, “A defesa de Whitby bem que poderia ter atingido o alvo”, exceto para a publicidade adicional que ele trouxe para as variações, perfazendo suas críticas. Ironicamente, o poder do argumento, neste ponto do livro, parece descansar com Whitby. Deste modo, na página 100, quando Ehrman coloca que o número de variações podia ser de 400000 ou mais, o leitor é deixado pensativo com a relevância desta declaração. Se as variações não são substanciais , como Ehrman admite, qual é o problema? Se há 30000 variações textuais ou 400000, o volume adicional não as tornam mais graves, apenas mais numerosas. Compondo o problema, quando Ehrman continua sua documentação dos avanços na prática da crítica textual, ele resume o trabalho de Johann Wettstein como segue: “Nesse caso, versões variantes podem afetar pontos menores das Escrituras, mas a mensagem básica segue intacta, não importa que variante alguém perceba” (p. 123). Novamente, Ehrman deixa sua contribuição incontestada. Neste ponto, o leitor pode se admirar se Ehrman estava realmente argumentando pela confiabilidade dos textos. No fim das contas, Ehrman expõe que sua rejeição da autoridade deles não é baseada no que ele pode ver, mas no que não pode – e a importância que ele coloca em assuntos, segundo admite, teologicamente secundários e de pouca importância. Mas para o leitor perspicaz, a mensagem não escrita do livro é que, enquanto Ehrman ultimamente rejeita a autoridade dos textos do Novo Testamento baseados em assuntos secundários, ele claramente aceita a confiança deles em assuntos críticos e fundamentais do Cristianismo.
[2] Talvez as crenças dos mais antigos cristãos, 1 Co 15:3-8, seja o seguinte: “Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E que foi visto por Cefas, e depois pelos doze. Depois foi visto, uma vez, por mais de quinhentos irmãos, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormem também. Depois foi visto por Tiago, depois por todos os apóstolos. E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo”. Gary Habermas, um dos mais notáveis especialistas sobre as evidências do primeiro e segundo século que corroboram para os manuscritos do Novo Testamento, nota que numerosos teólogos datam esta crença de três a oito anos após a crucificação de Cristo. Para uma lista de teólogos, bem como uma variedade de outras crenças pré-Paulinas, veja The Historical Jesus, por Gar Habermas, p. 144-146,154.
[3] Exemplos adicionais podem ser encontrados na página 143, na discussão de Ehrman das variações de leitura de Marcos 1.41, nas quais Jesus é alternativamente dito estar irado com o leproso e compassivo com ele. A despeito da grande tempestade de areia que Ehrman tenta criar sobre esta passagem, eu não consigo perceber sua relevância. A não ser as ofensas de Ehrman de que Deus não preservou o texto e permitiu leituras variantes em primeiro lugar, isto não é a questão. Se Jesus estava irado ou compassivo, ambas as emoções são justificáveis. O mesmo se aplica para a detalhada discussão de Ehrman sobre se Jesus estava afligido ou tranqüilo no jardim Getsêmani em Lucas 22. Novamente, qualquer uma das emoções é justificável. Além do mais, não é possível que Jesus tivesse sentido ambas as emoções? Não obstante, é baseado nisto e numa coleção de outros assuntos sem importância que Ehrman ultimamente rejeitou sua fé.