UMA BREVE ANÁLISE SOBRE ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA

 


INTRODUÇÃO

A palavra significa estudo do homem. Tem certa variedade de uso, alguns dos quais importantes para a teologia e filosofia.
1. Ciência da antropologia. Esta ciência estudo o homem como um organismo biológico e como um ser cultural, pelo que há duas divisões principais na antropologia: (a) Antropologia física, que aborda o que o homem era e é como um animal; (b) antropologia cultural, que trata sobre o que o homem tem descoberto e inventado, aprendido e transmitido, como um ser social.
A antropologia física é um ramo da ciência natural, que tem várias subdisciplinas:
a. Estudo das origens, ou antropogênia, que inclui todas as considerações do processo evolutivo, utilizando‑se das ciências geológicas e biológicas.
b. Somatologia, o estudo dos caracteres físicos das raças e sub-raças.
c. Antropogeografia, que faz a distribuição geográfica das raças.
d. Psicologia racial; que faz o estudo das diferenças entre as raças, no terreno psicológico.
e. Fisiologia racial e bioquímica.
f. Anatomia comparada à morfologia.

A maioria das subdisciplinas não interessa a filosofia ou a teologia, embora a questão das origens traga a tona o problema da evolução, bem como o problema das origens, em geral. Ademais, temos o problema geral da identidade do homem. Muitos antropólogos vêem-no apenas como um animal, mas a teologia muito tem a dizer sobre isso, não vendo o homem apenas em seu corpo físico. Os pais alexandrinos criam que o homem real, a alma, tem uma história anterior ao corpo físico. Se isso for verdade, então a antropologia só estuda o veiculo físico do homem e sua vida terrena, mas não sua a verdadeira origem.
A antropologia cultural tem as seguintes subdivisões:
a. Lingüística, estudo comparativo dos idiomas.
b. Tecnologia, estudo comparativo das invenções materiais, antigas a modernas.
c. Arqueologia da pré‑história, o estudo dos remanescentes de artefatos humanos, primeiras indústrias, etc.
d. Antropologia social, estudo comparativo dos costumes, tradições, organizações sociais, moral, governo, família, comunidade e economia.
O que interessa à filosofia e à teologia, dentro da antropologia cultural, centraliza‑se em torno da ética. A maioria dos antropólogos defendem o chamado relativismo cultural, isto é, a idéia que cada cultura desenvolve seus próprios conceitos éticos, dependendo das forças que atuam ali. Em aplicações extremas, qualquer padrão discernível de certo e errado se perdem, quando se aceita que uma cultura é tão boa quanto outra, ou que aquilo que é bom para uma cultura, não é necessariamente bom para outra. Assim fazendo, terminamos com muitos padrões de conduta moral, sendo aprovados ate mesmo os sacrifícios humanos enquanto que o adultério e a promiscuidade são socialmente sancionados.
2. Antropologia Filosófica. Essa estuda o conhecimento filosófico do homem. A filosofia estuda o homem, procurando perscrutar mais fundo do que aquilo que a dito pela ciência pura. Sistemas filosóficos como a fenomenologia, o existencialismo e o personalismo, geralmente são considerados como representantes dessa forma de antropologia. Isso, porem, é muito restritivo, porque qualquer filosofia que tente dizer algo sobre um homem, ou sobre a humanidade, além daquilo que a ciência estipula sobre seu corpo físico, é uma forma dessa antropologia filosófica. Portanto, a metafísica, a epistemologia, a ética, tudo tem algo a dizer sobre essa área. A própria antropologia parece ter sido termo cunhado por Aristóteles, em sua obra Ética. Ele o usou para descrever o homem dotado de mente nobre, não dado a maledicência a nem a jactância. Aquele que assim fazia era um antropólogo, isto é, falava sobre o homem, ou seja, sobre si mesmo.
3. Antropologia teológica e doutrina do homem, mormente no que tange a Deus, a sua origem, a sua natureza presente, atividade, deveres a destino. A teologia ensina‑nos que o homem foi criado para relacionar‑se com Deus, para participar de seus propósitos, a finalmente, para compartilhar da natureza divina (II Pedro 1:4), tal como originalmente foi criado à imagem de Deus. O homem desfigurou essa imagem, e a redenção tem por finalidade restaurá‑la, mas também maximiza‑la, por meio da criação do homem espiritual, uma realização das dimensões espirituais. Na antropologia teológica, o homem é um ser transcendental, ou pelo menos, esta destinado a sê‑lo.

A DOUTRINA DO HOMEM
Gênesis 5.2 descreve especificamente que Deus escolheu um nome que se aplicaria à raça humana como um todo.
Quero deixar claro que não estou argumentando aqui que devemos sempre imitar os modelos de discurso bíblico, ou que seja errado usar às vezes termos neutros quando nos referirmos a raça humana, mas sim que o fato de Deus ter ele mesmo escolhido o nome, segundo o relato de Gênesis 5.2, indica que o uso de "Homem" quando se representa toda a raça é uma escolha boa e bastante apropriada, algo que não devemos evitar. A questão teológica nos mostra o fato de que há liderança ou chefia masculina na família desde o principio da criação. O fato de Deus não ter decidido chamar a raça humana de "mulher”, mas de "homem", provavelmente traz alguma relevância quanto à compreensão do plano original de Deus quanto aos homens e quanto às mulheres. É claro que essa questão do nome que usamos quando nos referimos a raça não é o único elemento dessa discussão, mas é um deles, e o nosso uso da linguagem nessa questão tem de fato alguma importância na discussão dos papeis masculinos a femininos atualmente.

POR QUE O HOMEM FOI CRIADO?

Deus não precisava criar o homem, mas nos criou para a sua própria glória.
Deus não precisa de nós nem do restante da criação para nada; porem nós e o restante da criação o glorificamos com alegria.
Deus não nos criou porque precisasse da comunhão de outras pessoas. Deus não precisava de nós por motivo nenhum.
No entanto, Deus nos criou para a sua própria glória. Na analise da independência divina, observamos que Deus se refere aos seus filhos e filhas das extremidades da terra como aqueles "que criei para minha gloria"(Is. 43.7; Ef. 1.11‑12). Portanto, devemos fazer "tudo para a gloria de Deus" (1Co. 10.31).
Esse fato garante a relevância da nossa vida. Percebendo que Deus não precisava nos criar, e que não precisa de nós para nada, poderíamos concluir que nossa vida não tem a menor importância. Mas as Escrituras nos dizem que fomos criados para glorificar a Deus, indicando que somos importantes para o próprio Deus. Essa e a definição final da verdadeira importância ou relevância da nossa vida: se somos de fato importantes para Deus por toda a eternidade, então que maior medida de importância ou relevância poderíamos querer?
Qual o nosso propósito na vida? Nosso propósito deve ser cumprir a meta para que Deus nos criou: glorificá‑lo. Quando falamos com respeito ao próprio Deus, eis ai um bom resumo do nosso propósito. Mas quando pensamos nos nossos próprios interesses, fazemos a feliz descoberta de que devemos nos alegrar em Deus a encontrar prazer no nosso relacionamento com ele. Jesus disse: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundancia" (João 10.10). Davi diz a Deus: "Na tua presença ha plenitude de alegria, na tua destra, delicias perpetuamente" (Sl. 16.11). Ele anseia habitar na casa do Senhor para sempre, "para contemplar a beleza do SENHOR" (Sl. 27.4), e Asafe brada: Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleça, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre (Sl. 73.25‑26).
Acha‑se plenitude de alegria no conhecer a Deus e no deleitar‑se com a excelência do seu caráter. Estar na sua presença, desfrutar da sua comunhão, a benção maior do que qualquer coisa que se possa imaginar.
Quão amáveis são os teus tabernáculo, SENHOR dos Exércitos!
A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do SENHOR;
o meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo!
Pois um dia nos teus átrios vale mais que mil (Sl. 84.1‑2, 10).
Portanto, a atitude normal do cristão é alegrar‑se no Senhor a nas lições da vida que ele nos da (Rm. 5.2‑3; Fp. 4.4; 1Ts. 5.16‑18; Tg. 1.2; lPe. 1.6, 8).
Dizem‑nos as Escrituras que, quando glorificamos e desfrutamos de Deus, ele se alegra conosco. Lemos: "Como o noivo se alegra da noiva, assim de ti se alegrará o teu Deus" (Is. 62.5), e Sofonias profetiza que o Senhor "se deleitara em ti com alegria; regozijar‑se‑á em ti com júbilo. Os que estão entristecidos por se acharem afastados das festas solenes, eu os congregarei" (Sf. 3.17‑18).
Essa compreensão da doutrina da criação do homem traz resultados bastante práticos. Quando percebemos que Deus nos criou para glorificá‑lo, e quando passamos a agir a fim de cumprir esse fim, então começamos a experimentar uma intensidade de alegria no Senhor que antes não conhecíamos. E quando acrescemos a isso a compreensão de que o próprio Deus se deleita com a nossa comunhão com ele, nossa alegria se torna "inexprimível e plena de glória celeste" (1Pe. 1.8).
Alguém pode objetar que é errado que Deus tenha criado o homem em busca de glória para si. Certamente é errado que os seres humanos busquem glória para si, como vemos no dramático exemplo da morte de Herodes. Depois de orgulhosamente aceitar o clamor da multidão, "É voz de um deus, e não de homem!" (At 12.22), "no mesmo instante, um anjo do Senhor o feriu, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, expirou" (At 12.23). Herodes morreu por ter se apropriado da glória de Deus, glória que Deus merecia, não ele.
Será que ha alguém que mereça glória mais do que ele? Certamente não! Ele é o Criador, ele fez todas as coisas, e ele merece toda a glória. Ele é digno de receber glória.
Paulo exclama: Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amem! (Rm 11.36). Quando passamos a apreciar a natureza de Deus como o Criador infinitamente perfeito que merece todo louvor, nosso coração então não descansa enquanto não damos glória de todo o nosso coração, alma, entendimento e força (Mc 12.30).

O HOMEM A IMAGEM DE DEUS

De todas as criaturas que Deus fez, de uma delas, o homem, diz‑se ter sido feita "a imagem de Deus"." Que isso significa? Podemos usar a seguinte definição: o fato de ser o homem imagem de Deus significa que ele é semelhante a Deus e o representa.
Quando Deus diz: "Façamos o homem a nossa imagem, conforme a nossa semelhança" (Gn. 1.26), isso significa que ele pretende fazer uma criatura semelhante a si. As palavras hebraicas que exprimem "imagem" (selem) a "semelhança" se referem a algo similar, mas não idêntico. A palavra imagem também pode ser usada para exprimir algo que represente outra coisa.
Os teólogos gastaram muito tempo tentando especificar uma característica do homem, ou bem poucas delas, em que se vê primordialmente a imagem de Deus. Alguns já cogitaram que a imagem de Deus consiste na capacidade intelectual do homem, outros no seu poder de tomar decisões morais e fazer escolhas voluntárias. Outros conceberam que a imagem de Deus era uma referência a pureza moral original do homem, ou ao fato de termos sido criados homem e mulher (Gn. 1.27), ou ao domínio humano sobre a terra.
Dentro dessa discussão, melhor seria concentrar a atenção primeiramente nos significados das palavras "imagem" e "semelhança". Como já vimos, esses termos tinham significados bastantes claros para os primeiros leitores. Quando nos damos conta de que as palavras hebraicas que exprimem "imagem" e "semelhança" simplesmente informavam aos primeiros leitores que o homem era semelhante de Deus, e em muitos aspectos representa Deus, vemos controvérsia acerca do significado de "imagem de Deus" e a busca de um significado excessivamente estreito a especifico. Para os primeiros leitores, Gênesis 1.26, "Façamos o homem a nossa imagem, conforme a nossa semelhança", significava simplesmente: Façamos o homem como nós, para que nos represente.


A CRIAÇÃO DO HOMEM

O fato de ser o homem a imagem de Deus significa que o homem é como Deus nos seguintes aspectos: capacidade intelectual, pureza moral, natureza espiritual,domínio sobre a terra, criatividade, capacidade de tomar decisões éticas e imortalidade.
De fato, na leitura do restante da Bíblia, percebemos que a compreensão plena da semelhança do homem a Deus, exigiria plena compreensão de quem é Deus no seu ser e nos seus atos, e uma plena compreensão de quem é o homem e o que fez. Quanto mais sabemos sobre Deus e o homem, mais semelhanças reconhe cemos, e mais plenamente compreendemos o que as Escrituras querem dizer ao afirmar que o homem existe a semelhança de Deus. A expressão se refere a todo aspecto em que o homem é como Deus.
Essa compreensão do que significa ter sido o homem criado à imagem de Deus e reforçada pela similaridade entre Gênesis 1.26, onde Deus declara a sua intenção de criar o homem a sua imagem e semelhança.
Também somos superiores aos anjos, que não se casam nem geram filhos nem vivem na companhia dos filhos e filhas remidos de Deus.
No próprio casamento, espelhamos a natureza de Deus no fato de os homens e as mulheres gozarem de igualdade de importância mas diversidade de papeis, desde que Deus nos criou. O homem é como Deus no seu relacionamento com o restante da criação. Especificamente, o homem recebeu o direito de reger a criação, e quando Cristo voltar receberá autoridade para julgar os anjos (1Co 6.3; Gn. 1.26, 28; Sl. 8.6‑8).


A QUEDA DO HOMEM

O homem caiu no engano, suas palavras já não glorificam continuamente a Deus; seus relacionamentos muitas vezes são controlados pelo egoísmo, já não pelo amor.
Embora o homem ainda seja a imagem de Deus, em cada aspecto da vida alguns elementos dessa imagem foram distorcidos ou perdidos. Em suma, "Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias" (Ec. 7.29). Permanecemos, então, a imagem de Deus ainda, somas como Deus e ainda representamos a Deus, mas a imagem de Deus em nós esta distorcida; não somos mais plenos em Deus, como éramos antes do surgimento do pecado.
Portanto é importante compreender o pleno significado da imagem de Deus, não pela observação de como as seres humanos vivem hoje, mas pelas indicações bíblicas da natureza de Adão e Eva quando Deus os criou e quando tudo o que Deus criára era "muito bom" (Gn. 1.31). A verdadeira natureza do homem à imagem de Deus também se revelou na vida terrena de Cristo. A plena medida da excelência da nossa humanidade só se verá novamente na terra quando Cristo voltar e tivermos recebido todos os benefícios da salvação que ele conquistou para nos.
A redenção em Cristo é a recuperação gradual da imagem de Deus. É animador abrir o Novo Testamento e ver que nossa redenção em Cristo significa que podemos, mesmo nesta vida, gradualmente crescer cada vez mais. Por exemplo, Paulo diz que coma cristãos temos uma nova natureza, que "se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou" (Cl. 3.10). À medida que vamos crescendo no verdadeiro conhecimento de Deus, da sua Palavra e do seu mundo, começamos a pensar cada vez mais os pensamentos que o próprio Deus tem. Dessa forma somas refeitos "para o pleno conhecimento" e nos tornamos mais semelhantes a Deus no nosso pensar. "somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem.
Ao longo desta vida, à medida que crescemos em maturidade cristã, aumenta a nossa semelhança a Deus. Mais especificamente, nos vamos tornando cada vez mais semelhantes a Cristo na nossa vida e no nosso caráter. De fato, Deus nos redimiu para que sejamos "conforme a imagem de seu Filho" (Rm. 8.29), tendo assim exatamente o mesmo caráter moral de Cristo.
Na volta de Cristo, a completa restauração da imagem de Deus. A admirável promessa do Novo Testamento que, assim coma somos hoje como Adão sujeitos a morte e ao pecado), também seremos coma Cristo no futuro moralmente puros, jamais sujeitos a morte de novo. "Assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial" (1 Co. 15.49)."A plena medida da nossa criação a imagem de Deus não se vê na vida de Adão, que pecou, nem na nossa própria vida hoje, pois somos imperfeitos. Mas o Novo Testamento enfatiza que o objetivo de Deus ao criar o homem à sua imagem se realizou completamente na pessoa de Jesus Cristo, o qual é a imagem de Deus" (2Co 4.4); "Este é a imagem do Deus invisível" (Cl. 1.15). Em Jesus vemos a Semelhança humana de Deus como ela foi originalmente concebida, e deve para nos ser motivo de alegria o fato de ter Deus nos predestinado a ser conforme a imagem de seu Filho" (Rm 8.29; 1Co. 15.49): "Quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele" (1Jo 3.2).


TRICOTOMIA E DICOTOMIA

De quantas partes compõem-se o homem? Todos concordam que temos um corpo físico. A maioria das pessoas (tanto cristãos quanto não cristãos) sentem que também tem uma parte imaterial - uma "alma" que sobreviverá a morte do corpo.
Mas aqui termina a concordância. Algumas pessoas crêem que, além do "corpo" e da "alma", temos uma terceira parte, "espírito" que se relaciona mais diretamente com Deus. A concepção de que o homem é reconstituído em três partes (corpo, alma e espírito) chama-se tricotomia. Embora essa seja uma idéia comum no ensino bíblico e evangélico popular, hoje poucos estudiosos a defendem. Segundo muitos tricotomistas, a alma do homem aborda o seu intelecto, as suas emoções e a sua vontade. Eles sustentam que todas as pessoas têm alma, e que os diferentes elementos da alma podem servir a Deus ou ceder ao pecado. Argumentam que o espírito do homem é uma faculdade humana superior, que surge quando a pessoa torna-se cristã (Romanos 8-10: "sei, porém, que Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito de vida, por causa da justiça"). O espírito de uma pessoa seria aquela parte dela que mais diretamente adora e ora à Deus (João 4.24, Filipenses 3.3).
Outros dizem que o Espírito não é uma parte distinta do homem, mas simplesmente outra palavra que exprime a alma, e que ambos os termos são usados indistintamente nas Escrituras para falar da parte material do homem, a parte que sobrevive após a morte do corpo. A idéia de que o homem é composto de duas partes (corpo e alma/espírito) chama-se dicotomia. Aqueles que sustentam essa idéia muitas vezes admitem que as Escrituras usam a palavra espiritual mais freqüentemente com referência a nossa relação com Deus, mas que esse uso não é uniforme, e que a palavra é também usada em todos os sentidos em que se pode usar espírito.


ARGUMENTOS EM FAVOR DA TRICOTOMIA

Os que adotam a oposição tricotomista, buscam apoio em várias passagens das Escrituras. Tessalonicenses 5.23 - Hebreus 4.12 - 1 Coríntios 2.14-3.4-1 - 1 Coríntios 14.14.
O argumento da experiência pessoal. Muitos tricotomistas dizem que têm uma percepção espiritual, uma consciência espiritual da presença de Deus, que os afeta de modo que eles sabem ser diferentes do pensamento comum e também das emoções. Perguntam eles: "se eu não tenho um espírito distinto dos meus pensamentos e das minhas emoções, então o que exatamente é isso que sinto ser diferente dos meus pensamentos e das minhas emoções, ao que só posso descrever como adoração a Deus em espírito, como percepção da sua presença no meu espírito? Porventura não há algo em minha maior do que meramente meu intelecto, minhas emoções e minha vontade, e não deve isso chama-se espírito?
É nosso espírito que nos faz diferentes dos animais. Alguns tricotomistas argumentam que homens e animais tem alma, mas sustentam que a presença do espírito é que nos faz diferentes dos animais.
O espírito é aquilo que recebe vida na regeneração. Os tricotomistas também afirmam que, quando nos tornamos cristãos, nosso espírito recebe vida. Romanos 8:10.


A ORIGEM DA ALMA

Duas teses são comuns na história da igreja.
O criacionismo e a concepção de que Deus cria uma nova alma para cada pessoa e envia ao corpo da pessoa em algum momento entre a concepção e o nascimento.
O traducionismo, por outro lado, sustenta que a alma e o corpo da criança são herdados dos pais no momento da concepção.
O pré-existencialismo, preconiza que a alma das pessoas existem no céu muito antes dos corpos serem concebidos no ventre das mães, e que Deus depois tras a alma a terra, unindo-a ao corpo do bebê enquanto ele se desenvolve no útero.

A favor do traducionismo pode-se argumentar que Deus criou o homem à sua própria imagem (Gênesis 1.27), e que essa semelhança marca a incrível capacidade de criar outros seres humanos como nós. Portanto, assim como todos os animais e plantas geram descendentes segundo a sua espécie (Gênesis 1.24), também Adão e Eva foram capazes de gerar filhos semelhantes a si, com uma natureza espiritual além do corpo físico. Isso implicaria que os espíritos ou almas dos filhos de Adão e Eva derivar-se-iam do próprio primeiro casal. Além disso, as Escrituras às vezes falam que os descendentes de algum modo se encontram presentes no corpo de alguém de geração anterior; o autor de Hebreus, por exemplo, diz que quando Melquisedeque encontrou Abraão, Levi ainda estava no corpo do seu antepassado (Hebreus 7.10). Por fim, o tradicionismo poderia explicar como os pecados dos pais passam aos filhos sem que Deus se torne diretamente responsável pela criação de uma alma pecaminosa, dotada de uma inclinação que os levem a pecar.

Entretanto, os argumentos bíblicos a favor do criacionismo parecem abordar a questão mais diretamente e oferecem uma sustentação bastante forte a favor dessa tese. Salmo 127 diz: “herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre, seu galardão”. Isso significa que não só alma, mas também toda pessoa da criança, incluindo seu corpo, é dádiva de Deus. Desse ângulo, parece estranho conceber que a mãe e o pai sejam somente eles responsáveis por todos os aspectos da existência do filho. Davi disse ao Senhor: "tu me teceste no seio de minha mãe" (Salmo 139.13) e Isaías afirma que Deus dá fôlego as pessoas da terra e espírito aos que andam nela" (Isaías 42.5). Zacarias fala de Deus como aquele que formou o espírito do homem dentro dele (Zacarias 12.1). O autor de Hebreus fala de Deus como pai espiritual (Hebreus 12.9). Com base nessas passagens, é difícil escapar da conclusão de que Deus é quem cria nosso espírito e alma.
Concluindo, parece difícil desprezar o testemunho bíblico a favor de que Deus cria ativamente cada alma humana, assim como ele se mostra ativo em todos os eventos da sua criação. Mas simplesmente não temos como saber, com base nas Escrituras, até que ponto ele permite o uso de causas intermediárias ou secundárias (ou seja, a herança dos pais). Portanto, não nos parece proveitoso gastar mais tempo especulando sobre essa questão.


ABORTO: OS DOIS PONTOS CRUCIAIS


A legislação sobre o assunto

O artigo 128 do Código Penal brasileiro (que é de 1940) permite o aborto quando há risco de vida para a mãe e quando a gravidez resulta de estupro. Porém, apenas sete hospitais no país faziam o aborto legal. Esse ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a obrigatoriedade de o SUS (Sistema Único de Saúde) realizar o aborto nos termos da lei. O projeto, porém, permite ao médico (não ao hospital) recusar-se a fazer o aborto, por razão de consciência – um reconhecimento de que o assunto é polêmico e que envolve mais que procedimentos médicos mecânicos. Por exemplo, o ministro da Saúde, Carlos Albuquerque, disse ser contrário à lei e comparou aborto a um assassinato. Além disto, médicos podem ter uma resistência natural, pela própria formação deles (obrigação de lutar pela vida). "O juiz que autoriza o aborto é co-autor do crime. Isso fere o direito à vida", disse o desembargador José Geraldo Fonseca, do Tribunal de Justiça de São Paulo, em entrevista ao jornal Estado de São Paulo (22/09/97). Segundo ele, o artigo 128 do Código Penal não autoriza o aborto nesses casos, mas apenas não prevê pena para quem o pratica. No momento, existem projetos de ampliar a lei, garantindo o aborto também no caso de malformação do feto, com pouca possibilidade de vida após o parto.


O ENSINO BÍBLICO

O assunto é particularmente agudo para os cristãos comprometidos com a Palavra de Deus. É verdade que não há um preceito legal na Bíblia proibindo diretamente o aborto, como "Não abortarás". Mas a razão é clara. Era tão inconcebível que uma mulher israelita desejasse um aborto que não havia necessidade de proibi-lo explicitamente na lei de Moisés. Crianças eram consideradas como um presente ou herança de Deus (Gn. 33.5; Sl. 113.9; 127.3). Era Deus quem abria a madre e permitia a gravidez (Gn. 29.33; 30.22; 1 Sm. 1.19-20). Não ter filhos era considerado uma maldição, já que o nome de família do marido não poderia ser perpetuado (Dt. 25.6; Rt. 4.5). O aborto era algo tão contrário à mentalidade israelita que bastava um mandamento genérico, "Não matarás" (Ex. 20.13). Mas os tempos mudaram. A sociedade ocidental moderna vê filhos como empecilho à concretização do sonho de realização pessoal do casal, da mulher em especial, de ter uma boa posição financeira, de aproveitar a vida, de ter lazer, e de trabalhar. A Igreja, entretanto, deve guiar-se pela Palavra de Deus, e não pela ética da sociedade onde está inserida.


A HUMANIDADE DO FETO

Há dois pontos cruciais em torno dos quais gira as questões éticas e morais relacionadas com o aborto provocado. O primeiro é quanto à humanidade do feto. Esse ponto tem a ver com a resposta à pergunta: quando é que, no processo de concepção, gestação e nascimento, o embrião se torna um ser humano, uma pessoa, adquirindo assim o direito à vida? Muitos que são a favor do aborto argumentam que o embrião (e depois o feto), só se torna um ser humano após determinado período de gestação, antes do qual abortar não seria assassinato. Por exemplo, o aborto é permitido na Inglaterra até 7 meses de gestação. Outros são mais radicais. Em 1973 a Suprema Corte dos Estados Unidos passou uma lei permitindo o aborto, argumentando que uma criança não nascida não é uma pessoa no sentido pleno do termo, e portanto, não tem direito constitucional à vida, liberdade e propriedades. Entretanto, muitos biólogos, geneticistas e médicos concordam que a vida biológica inicia-se desde a concepção. As Escrituras confirmam este conceito ensinando que Deus considera sagrada vida de crianças não nascidas. Veja, por exemplo, Ex. 4.11; 21.21-25; Jó 10.8-12; Sl. 139.13-16; Jr. 1.5; Mt. 1.18; e Lc. 1.39-44. Apesar de algumas dessas passagens terem pontos de difícil interpretação, não é difícil de ver que a Bíblia ensina que o corpo, a vida e as faculdades morais do homem se originam simultaneamente na concepção.Os Pais da Igreja, que vieram logo após os apóstolos, reconheceram esta verdade, como aparece claramente nos escritos de Tertuliano, Jerônimo, Agostinho, Clemente de Alexandria e outros. No Império Romano pagão, o aborto era praticado livremente, mas os cristãos se posicionaram contra a prática. Em 314 o concílio de Ancira (moderna Ankara) decretou que deveriam ser excluídos da ceia do Senhor durante 10 anos todos os que procurassem provocar o aborto ou fizesse drogas para provocá-lo. Anteriormente, o sínodo de Elvira (305-306) havia excluído até a morte os que praticassem tais coisas. Assim, a evidência biológica e bíblica é que crianças não nascidas são seres humanos, são pessoas, e que matá-las é assassinato.


A SANTIDADE DA VIDA

O segundo ponto tem a ver com a santidade da vida. Ainda que as crianças fossem reconhecidas como seres humanos, como pessoas, antes de nascer, ainda assim suas vidas estariam ameaçadas pelo aborto. Vivemos em uma sociedade que perdeu o conceito da santidade da vida. O conceito bíblico de que o homem é uma criatura especial, feito à imagem de Deus, diferente de todas as demais formas de vida, e que possui uma alma imortal, tem sido substituído pelo conceito humanista do evolucionismo, que vê o homem simplesmente como uma espécie a mais, o Homo sapiens, sem nada que realmente o faça distinto das demais espécies. A vida humana perdeu seu valor. O direito à continuar existindo não é mais determinado pelo alto valor que se dava ao homem por ser feito à imagem de Deus, mas por fatores financeiros, sociológicos e de conveniência pessoal, geralmente utilitaristas e egoístas. Em São Paulo, por exemplo, um médico declarou "Faço aborto com o mesmo respeito com que faço uma cesárea. É um procedimento tão ético como uma cauterização". E perguntado se faria aborto em sua filha, respondeu: "Faria, se ela considerasse a gravidez inoportuna por algum motivo. Eu mesmo já fiz sete abortos de namoradas minhas que não podiam sustentar a gravidez" (A Folha de São Paulo, 29 de agosto de 1997).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esses pontos devem ser encarados por todos os cristãos. Evidentemente, existem situações complexas e difíceis, como no caso da gravidez de risco e do estupro. Meu ponto é que as soluções sempre devem ser a favor da vida. C. Everett Koop, ex-cirurgião geral dos Estados Unidos, escreveu: "Nos meus 36 anos de cirurgia pediátrica, nunca vi um caso em que o aborto fosse a única saída para que a mãe sobrevivesse". Sua prática nestes casos raros era provocar o nascimento prematuro da criança e dar todas as condições para sua sobrevivência. Ao mesmo tempo, é preciso que a Igreja se compadeça e auxilie os cristãos que se vêem diante deste terrível dilema. Condenação não irá substituir orientação, apoio e acompanhamento. A dor, a revolta e o sofrimento de quem foi estuprada não se resolverá matando o ser humano concebido em seu ventre. Por outro lado, a Igreja não pode simplesmente abandonar à sua sorte as estupradas grávidas que resolvem ter a criança. É preciso apoio, acompanhamento e orientação.
Devemos ter em nós grande dignidade como portadores da imagem de Deus. Seria bom se refletíssemos mais freqüentemente na nossa semelhança com Deus. É provável que fiquemos surpresos ao descobrir que quando o Criador do universo quis fazer algo "a sua imagem", algo mais semelhante a si do que todo o resto da criação, ele, nos criou. Essa descoberta nos da um profundo senso de dignidade e importância, pois passamos a refletir sobre a excelência de todo o restante da criação divina: o universo estrelado, a terra abundante, o mundo das plantas e dos animais e os reinos dos anjos são admiráveis, magníficos mesmo. Mas nós somos mais semelhantes ao nosso Criador do que qualquer dessas coisas. Somos a culminância da obra criadora infinitamente sabia e hábil de Deus.
Se algum dia negarmos nossa posição singular na criação como únicos portadores da imagem de Deus, logo passaremos a depreciar o valor da vida humana, tenderemos a enxergar os seres humanos meramente como uma forma animal superior e começaremos a tratar os outros assim. Também perderemos muito do nosso senso de significado na vida.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia – R.N. Champlin, Ph.D. J.M. Bentes – Editora Candeia.
- Teologia Sistemática – Wayne Grudem – Editora Vida nova.
http://www.chamada.com.br/.


UMA BREVE ANÁLISE SOBRE O SÍNODO DE DORT

 

Os cristãos, em todas as partes do mundo, estão celebrando este ano [1995] o 350º. aniversário da convocação do Sínodo de Dort. Para a maioria das pessoas o nome nem é mesmo familiar, talvez por ter alguma relação com o rio Maas e a provinciana cidade holandesa de Dort. Na mente daqueles que já o ouviram, muito freqüentemente o que restou é algo do ódio há tanto relacionado com o Sínodo, em razão das calúnias de seus inimigos. Não obstante, quando a Reforma era ainda jovem e os homens amavam ardentemente as doutrinas da graça, o nome de Dort era famoso em todo o mundo protestante. William Cunningham vai longe em dizer: “O Sínodo de Dort, representando quase todas as igrejas reformadas, e contendo uma grande proporção dos teólogos do mais alto nível, erudição e caráter, tem direito a maior medida de respeito e deferência do que qualquer outro concílio registrado na história da Igreja” [Os Reformadores e a Teologia da Reforma, p. 367]. Isto é de fato um grande elogio! Mas há muitos grandes nomes na história que em algum tempo significaram muito, mas que agora não têm nenhum significado prático. Então, alguém poderia perguntar por que deveríamos estar preocupados com uma assembléia eclesiástica esquecida pela maioria dos homens há tanto tempo, e que, à primeira vista, parece não ter qualquer significado contemporâneo?
Em primeiro lugar o Sínodo de Dort é de peculiar interesse histórico para a Grã-Bretanha, pois – embora fosse principalmente um ajuntamento holandês – o rei James I foi, na verdade, responsável em parte por sua existência! Nos anos anteriores a 1618-19 ele somou sua forte influência a dos homens na Holanda que clamavam pela convocação de um Sínodo nacional, para pôr fim às controvérsias teológicas que estavam perturbando a paz, e mesmo pondo em risco a sobrevivência dos Paises Baixos. Ainda mais, James escolheu vigorosamente os representantes calvinistas contra os oponentes arminianos. E, quando um tal Vortius, homem justamente suspeito como de opinião sociniana [unitarino], foi indicado para susbstituir Arminius na Universidade de Leiden, após sua morte, James notificou ao Estado Geral da Holanda que retiraria seu embaixador se Vortius não fosse demitido imediatamente. O Eleitor do Palatinado era genro de James e acrescentou sua própria influência à do rei inglês no clamor por um Sínodo. Quando chegou o momento, James indicou cinco representantes para o Sínodo, todos do partido episcopal, que, juntamente com outros teólogos estrangeiros, teriam prerrogativas de participação nas deliberações do Sínodo além do direito de voto. Eram eles George Carleton, então bispo de Llandaff e posteriormente de Chichester; Joseph Hall, posterior e sucessivamente bispo de Exeter e Norwich; John Davenant, depois bispo de Salisbury; Samuel Ward, o celebrado erudito e mestre de Sidney Sussex College, Cambridge; e Walter Balcahqual, um escocês, capelão do rei e depois deão de Rochester. Hall adoeceu após alguns dias e ficou impossibilitado de dar continuidade às suas responsabilidades, mas foi substituído por Thomas Goad, capelão do arcebispo da Cantuária. É importante lembrar que estes homens não eram representantes do partido puritano da Igreja da Inglaterra. O fato de que o bispo Carleton estar preparado para participar como membro ordinário [embora respeita] de um Sínodo convocado nos moldes da reforma e presidido por um mero presbítero, diz muito sobre a posição do governo episcopal que prevalecia na Inglaterra, um aspecto que seria em breve alterado radicalmente pela influência de homens como William Laud com suas enfatuadas noções não-protestantes do direito divino do episcopado. Também é significativo que todos estes ingleses, um prelado e dois futuros prelados assinaram os Cânones do Sínodo de Dort. Era de se esperar tal profissão de calvinismo dos herdeiros de Cartwright e Perkins; todos sabem que eles faziam coro com seus companheiros do continente. Mas aqueles clérigos, insuspeitos de puritanismo, são prova suficiente de que o calvinismo continuava a ser a teologia predominante na Igreja da Inglaterra durante o reinado de James I. Foi apenas sob o domínio de seu filho Charles I que começou a triste decadência no fervor, e que mais tarde trouxe conseqüências trágicas.
O Sínodo de Dort é também de grande importância por razões religiosas. “A controvérsia arminiana”, escreveu Philip Schaff, “é a mais importante que ocorreu dentro da Igreja Reformada”. Pode-se acrescentar que o sínodo que pôs fim à controvérsia, definiu claramente assuntos que sempre perturbaram a Igreja e continuam a perturbá-la ainda hoje. Para entender-se o que ocorreu nos Paises Baixos, nas duas primeiras décadas do século dezessete, é necessário retroceder até o próprio Arminius e à origem da luta associada ao seu nome. James Arminius [latinizado de Jacob Hermanson] nasceu em 1560 e estudou em Leiden e Genebra na gestão de Teodoro Beza, sucessor de Calvino. Em 1588 tornou-se um dos ministros de Amsterdam, onde realmente começou o problema por causa da sua pregação relacionada particularmente com a exposição de Romanos 7. Os homens suspeitaram que ele estava saindo da confissão reformada, e houve considerável agitação na cidade por causa disso. Em 1630 foi indicado como professor de teologia em Leiden, em substituição ao célebre Franciscus Gomarus, um dos grandes teólogos da época, e assim ficou claro que Arminius tinha sérias objeções contra a doutrina da Igreja. Entretanto, agora, como antes em Amsterdam, mesmo tendo jurado não contradizer em seus ensinamentos a Confissão e aderir completamente a ela em suas lições públicas, dava, todavia, instrução em particular a certos estudantes selecionados, falando mais livremente de suas insatisfações e dúvidas. Seu sucesso em fazer prevalecer sobre os jovens seu próprio ponto de vista cedo tornou-se evidente quando estes se apresentaram ao exame dos Presbitérios para admissão no ministério.
Arminius morreu em 1609 em meio à controvérsia, mas seu manto logo foi tomado por Johannes Uytenbogaert, o pregador da corte, e Simon Episcopus, seu sucessor na universidade. Sob a liderança deles os arminianos, em 1610, prepararam uma representação (Remonstrance) [desde então passaram a ser chamados de os remonstrantes] na qual em princípio rejeitavam certas posições defendidas pelos calvinistas. Esta representação era formulada de tal maneira que oferecia mais uma caricatura do que uma representação correta da doutrina reformada; e prosseguiam asseverando em cinco posições [os cinco artigos do arminianismo] seus próprios pontos de vista; i.é, eleição condicional à presciência da fé; expiação universal [que Cristo “morreu por todos e por cada um, de forma que ele concedeu reconciliação e perdão de pecados a todos através da morte na cruz”]; a necessidade de regeneração para que o homem seja salvo [mas, como apareceu mais tarde, entendido de tal maneira que subestimava seriamente a depravação da natureza humana]; a resistibilidade da graça [“mas quanto ao modo desta graça, ela não é irresistível”]; e a incerteza da perseverança dos crentes. Os calvinistas responderam com a contra-remonstrance [desde então o nome contra-remonstrantes] com sete artigos reafirmando o ensinamento das confissões reformadas com respeito à doutrina da graça. A conferência teve lugar em Hague em 1611, mas não chegou a nenhuma acordo.
Os anos seguintes testemunharam a exacerbação da controvérsia, que agora se espalhava velozmente pelo país e era marcada pela demanda crescente, da parte dos calvinistas, da convocação de um sínodo geral para pôr fim à disputa. Embora a Constituição da Igreja determinasse um Sínodo, no mínimo a cada três anos, nenhum havia sido permitido desde 1586. John Van Olden Barneveldt, Grande Pensionário da Holanda e o grande homem do momento, apoiava os arminianos e era de posicionamento erastiano quanto à relação entre Igreja e o Estado. Em seu ponto de vista e dos remonstrantes, que derivavam suas forças de autoridades políticas, o magistrado civil exercia autoridade em assuntos eclesiásticos. O príncipe Mauricio, filho de William, o Taciturno, e stadtholder hereditário, permaneceu neutro até 1616, quando começou abertamente a tomar o partido dos calvinistas e, nos idos do verão de 1617, estava participando publicamente do culto com a congregação reformada da capital. No mesmo ano, executou um bem sucedido golpe de estado contra Barneveldt e determinou, finalmente, a convocação de um sínodo da igreja holandesa. Este entretanto foi um sínodo único na história do protestantismo pois, pela pressão de James I, teólogos estrangeiros foram convidados a participar. Convites foram enviados para todas as igrejas reformadas da Europa, e realmente vieram delegados da Inglaterra, do Palatinado, Hesse, Zurich, Berne, Basel, Schaffhausen, Genebra, Bremen e Emden. A França não se fez representar. Os representantes designados, Pierre du Moulin e André Rivet, dois dos teólogos mais célebres da época, foram proibidos de deixar o país pelo rei da França. Mas assim mesmo, a Igreja reformada francesa aprovou os Cânones de Dort e fê-los obrigatórios aos seus ministros em dois sínodos gerais separados em 1620 e também em 1623. Nem a Escócia foi incluída – muito estranho, desde que a igreja de John Knox pertencia ao grupo reformado internacional. Mas, deve-se lembrar que o mesmo rei que indicou os episcopais ingleses que participaram do Sínodo de Dort, estava, nestes mesmos anos, engajado em submeter a igreja do norte, do seu reino, a um jugo hierárquico completamente desprezível e indesejável; por isso a igreja escocesa não ficou livre para participar.
Foi uma extraordinária assembléia. Um antigo escritor disse dela o seguinte: “os membros deste sínodo formavam uma constelação dos melhores e mais eruditos teólogos que já se congregaram num concílio desde a dispersão dos apóstolos; salvo se excetuarmos a convocação imperial de Nicéia no quarto século” [Biographia Evangélica II, p. 456]. O concílio incluía 56 ministros e presbíteros regentes das igrejas holandesas, 5 professores de teologia e 26 teólogos estrangeiros, além de 18 comissários políticos [não-membros do sínodo] que iriam supervisionar o processo e dar informações ao Estado Geral. Para se avaliar o peso da assembléia, basta citarem-se alguns nomes. Gomarus estava lá, sucessivamente professor em Leiden, Saumur e agora em Groningen; Lubbertus, de Franeker; Bogerman, o grande ministro de Leeuwaarden que estudou em diversas universidades continentais e então em Oxford e Cambridge [sob Reynolds e Perkins]; Diodati, o italiano que ensinava em Genebra; o jovem Voetius, que não havia ainda iniciado a estupenda carreira acadêmica que o faria, talvez, o mais influente teólogo da Europa; e Scultetus, Polyander, Lydius, Alting, Hommius, Triglandius, Meyer. Podia-se prosseguir referindo-se mais e mais nomes. Interessante é que o grande puritano William Ames, que por causa de seus princípios fora constrangido a fugir da Inglaterra, foi designado por Bogerman, presidente do sínodo, como seu secretário particular, para grande descontentamento dos delegados ingleses. Ames exerceria considerável influência nos bastidores.
O Sínodo começou em 13 de novembro, com culto solene em holandês na Grande Igreja e em francês naquela que fora antes a igreja dos agostinianos. Após o que, ocorreram as sessões, 154 ao todo, no Kloveniersdoelen , uma espécie de armazém arsenal que era aquecido durante todo o inverno por uma grande lareira. Mas, como proteção extra contra o frio e a umidade de que muitos se queixavam, cada delegado recebeu um stoofje , um pequeno braseiro para ser colocado sob os pés. O principal assunto em pauta era, é claro, a controvérsia arminiana, e treze dos remonstrantes foram convocados diante do Sínodo para prestarem contas de suas opiniões. Após alguma demora chegaram finalmente em 6 de dezembro, e até 14 de janeiro o Sínodo engajou-se na vã tentativa de extrair deles uma declaração clara de seus ensinamentos. Os arminianos – Episcopus à frente deles como presidente de uma espécie de contra-sínodo – utilizaram de toda engenhosidade para evitarem qualquer declaração deste tipo, exigiram que fosse seguida sua própria pauta de assuntos em lugar da do Sínodo, praticaram evasivas, táticas de retardamento e obstruções, caluniaram o Estado Geral implicando até mesmo o próprio príncipe Mauricio, e rejeitaram a autoridade do Sínodo em julgá-los; isto a despeito do fato de ser legalmente um Sínodo da Igreja em que ocupavam cargos, à qual confessavam pertencer, e a cuja disciplina estavam obrigados a se submeter em virtude de suas ordenanças e votos!
Após um mês de esforços infrutíferos para se prosseguir com o assunto em pauta, tempo durante o qual Bogerman, o presidente, se conduziu com tal paciência e calma contida, que alguns dos seus colegas a achavam excessiva, em face à tamanha obstinação; não houve alternativa senão despedir Episcopus e seus companheiros. Os historiadores acusam Bogerman por sua conduta no dia fatídico de 14 de janeiro, quando por um momento pareceu ter perdido o auto-controle, mas sua exasperação é compreensível. Referindo-se às distorções deliberadas, e até mesmo falsidades com que os arminianos trataram o Sínodo, ele vociferou: “Vocês estão sendo mandados embora. Vão! Começaram com mentiras e terminaram com mentiras”. E uma vez mais gritou: “Ide! Ide!”. Após este fato o trabalho prosseguiu, fazendo uso, agora, dos escritos e não dos próprios remonstrantes, e o Sínodo formulou em cinco capítulos e noventa e três artigos, os famosos Cânones de Dort, que foram assinados por todos os delegados em 23 de abril e promulgados solenemente na Grande Igreja em 6 de maio de 1619, diante de numerosa congregação. Três dias mais tarde, após seis meses de trabalho exaustivo, os teólogos estrangeiros partiram e os teólogos holandeses permaneceram para 22 sessões adicionais devotadas, em sua maioria, à preparação de uma nova liturgia e ordem eclesiásticas.
Falou-se muito sobre o “perseguidor sínodo de Dort” e houve muita distorção propositada quanto a ele. Por isso, é que na Inglaterra uma versão dos Cânones permaneceu amplamente em voga até 1804, versão esta que tinha o peculiar pedigree de ter sido produzida por um tal de Daniel Tilenus, que era na verdade um remonstrante. Esta versão que corria como uma “sinopse conveniente” era na verdade uma corrupção deliberada dos Cânones. Afirma, por exemplo, que Deus elegeu para salvação “um pequeno número de homens” e predestinou o resto para condenação “sem qualquer consideração quanto à infidelidade e impiedade deles”. Isto era simplesmente uma reprodução da caricatura arminiana original da posição calvinista na Remonstrance de 1610. Os Cânones não fazem na verdade tal afirmação quanto à pequenez do número dos eleitos, exceto para rejeitar a acusação arminiana, para efeito de conclusão, e insiste em estabelecer a conexão entre o decreto da reprovação e o fato do pecado e desobediência do homem: quanto aos preteridos, “Deus (...) decretou deixá-los na miséria comum na qual eles mesmos se precipitaram intencionalmente (...) não apenas por causa de sua descrença, mas também por todos seus outros pecados” [I.7,15].
Quanto à perseguição, deveria ser lembrado que a Igreja Holandesa estava sujeita a duas ordens confessionais: a Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg. Os arminianos, dessa forma, enquanto que sujeitos aos votos destas declarações da fé reformada, estavam advogando a subversão delas. E foram eles, nota bene , nos anos anteriores ao Sínodo provaram ser intolerantes com os homens, com respeito ao apoio às doutrinas da Igreja. Em muitas ocasiões ministros depostos pela Igreja por heresia eram mantidos no cargo pelos magistrados; e os ministros fiéis apoiados pela Igreja eram depostos por eles. Na verdade, os calvinistas eram privados do uso de edifícios, postos à parte, como seu próprio local de culto, e forçados a se reunirem onde quer que pudessem, e nem assim eram deixados em paz. Destarte a acusação de perseguição pôde escassamente ser feita, com justiça, pelos remonstrantes pois eles mesmos, quando podiam, se favoreciam dela. O resultado de Dort não foi a supressão de todas as religiões com exceção da reformada. Diferentemente de outros países da Europa, a Holanda já era o lar de pessoas oprimidas. Em 1609, os Pais Peregrinos tomaram o rumo de Leiden, e luteranos, anabatistas e mesmo católicos romanos eram tolerados, embora que confinados a locais privativos a seu próprio culto. É verdade que, após o Sínodo ter-se reunido, muitos pregadores que não se adequaram foram depostos. É verdade também que mesmo no Sínodo os arminianos eram tratados não como iguais – se bem que tivessem a pretensão de serem uma espécie de contra-sínodo – mas como aqueles que foram convocados para prestarem contas de si mesmos e para serem julgados. Mas isso nada tem a ver com a questão da tolerância como tal; é antes a questão de se a Igreja tem ou não o direito de obrigar sua própria confissão de fé e insistir em sua prerrogativa de privar de seus cargos os que se desviram daquela confissão e ensinavam o erro e não a verdade. A ação do Sínodo era disciplinar, voltada para membros e oficiais da Igreja que se tinham envolvido em heresias e tentaram mudar a confissão da Igreja, para ajustá-la às suas próprias opiniões. Apenas aqueles que são por si mesmos cautelosos quanto a adesão de estatutos confessionais, ou que já viveram sob perjúrio, havendo prometido uma coisa apenas para crer em outra, questionaram o direito do Sínodo de uma igreja de agir resolutamente em tais casos.
É impossível aqui aprofundarmo-nos nas questões teológicas inerentes à controvérsia arminiana. Para isso os leitores devem recorrer ao volume recentemente publicado pela Reformed Fellowship , de Grand Rapids, e editado pelo Dr. P. Y. de Jong, sob o título Crisis in the Reformed Churches (Crise nas Igrejas Reformadas), e também à magistral discussão de William Cunningham no volume II de sua Historical Theology (Teologia Histórica). A comtrovérsia dizia respeito às diferentes conceituações do homem e de Deus. Os arminianos representavam o reavivamento das doutrinas semi-pelagianas que havia tanto tempo flagelado a Igreja cristã. Embora o próprio Arminius não fosse um não-evangélico, entretanto a história subseqüente do movimento demonstra claramente que, quando a queda e suas conseqüências totais para o ser humano como um todo não é levada suficientemente a sério, e quando a salvação não é compreendida como total e completamente pela graça divina, então o resultado é inevitavelmente o racionalismo e coisa pior. Os teólogos de Dort não estavam, em primeiro lugar, preocupados com questões escolásticas não relacionadas com a vida. Para eles a controvérsia não era acadêmica em nenhum sentido. Era prática em último caso à vista deles, como na era de Atanásio, mil e duzentos anos antes em sua luta contra o arianismo, o problema principal era mesmo a salvação. Se os arminianos tivessem prevalecido e suas doutrinas introduzidas na Igreja, o resultado final seria destrutivo para a doutrina cristã da salvação. A partir dos Cânones – o caráter incondicional e gracioso da eleição; a expiação de Cristo limitada em seu desígnio e amplitude; a depravação total do homem; a graça irresistível; e a perseverança dos santos – foram todos, em resposta aos cinco artigos da remonstrance, com a intenção de estabelecer clara e inequivocamente o absoluto e gracioso caráter da salvação que “não depende de quem quer, ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rm 9.16).
Qual é então a importância atual de Dort? É tão somente esta: o erro arminiano, embora travestido sob um nome do século dezesseis, é tão antigo quanto o homem e ressurge sempre e sempre, freqüentemente sob novas formas, até mesmo com vestes evangélicas [como mesmo no caso de Arminius]. Encontra-se agora entre aqueles que, embora professem doutrina bíblica, ainda insistem na capacidade do homem de escolher a Deus por si mesmos. É também corrente, em forma muito mais radical, entre um grande número de teólogos não-ortodoxos e liberais que concentram seu raciocínio na antropologia e substituem a busca da Reforma por um Deus gracioso, pela busca de um próximo gracioso. Encontra-se onde quer que os homens não se sujeitem com humildade, obediência e fé ao Deus das Escrituras e não atribuem a Ele, não apenas a iniciativa, mas também todos os meios para o cumprimento da salvação em toda parte. A verdade fundamental que Dort levantou bem alto é a verdade na qual a Reforma na linha de Agostinho e mesmo a Palavra de Deus permanecem firmemente: Soli Deo gloria !


Fonte: Jornal Os Puritanos (Ano III – No. 2 – Março/Abril – 1995), pp. 27-30.


MENSAGEM DA CRUZ: A PREGAÇÃO QUE GANHOU 3.000 ALMAS PARA CRISTO.


Uma palavra de edificação e benção para sua vida e da sua família.

UMA BREVE ANÁLISE SOBRE A PEDAGOGIA DE JESUS

 

Por Pr. Marcos Tuler

Uma das principais características do método de ensino de Jesus é a sua flexibilidade. Ele sempre adaptava sua metodologia às situações específicas.
O que determinava o seu método era o conteúdo de seu ensino, as características e os conhecimentos de seus discípulos, e a sua própria personalidade.
O Mestre raramente fazia discursos ou pregações que hoje chamamos de “comunicação unilateral”. Ele ensinava a partir de uma situação específica; uma conversa, uma pergunta, uma necessidade ou ainda, a partir da resistência de seus ouvintes.
A grande maioria das parábolas de Jesus foi contada como resposta a uma pergunta. Mesmo durante a instrução verbal, Jesus direcionava seu ensino às experiências de seus discípulos.

Ensino centrado nos alunos

Jesus considerava as dúvidas, necessidades, expectativas e até os conhecimentos de seus discípulos. A formulação e a apresentação do conteúdo de seu ensino correspondiam totalmente ao modo de pensar de seus ouvintes orientais.
A linguagem de Jesus era prática e ilustrada e não abstrata e sistemática. Sua prédica e ensino eram compreensíveis, acessíveis às pessoas simples e medianas de seu tempo. 

Ensino através de métodos e recursos variados

Jesus não ensina através da simples memorização. Mas, usava variados métodos, tais como: repetições, parábolas, simbologias, hipérboles, trocadilhos, comparações, metáforas, provérbios, enigmas, paradoxos, ironias etc.
Para auxiliar na compreensão de sua mensagem, o Mestre complementava sua instrução verbal com diversos meios de expressão, como por exemplo, material visual e dramatização. Jesus pegava qualquer coisa ou objeto e os usava como exemplo: sementes, pássaros, campos, uma figueira, uma moeda, um peixe etc. As ilustrações mais notáveis de seu ensinamento foram os seus milagres. Eles não foram somente sinais de sua autoridade, mas também um poderoso meio de ensino.
Para contrastar com a metodologia dos rabinos, Jesus não usava o método da memorização, porém tornava o seu ensino inesquecível por meio de palavras penetrantes e exemplos extraordinários.

Ensino baseado na reflexão

O ensino de Jesus despertava a curiosidade, o interesse e, acima de tudo, a reflexão de seus ouvintes. Muitas vezes, ele respondia às perguntas com um novo questionamento ou com uma parábola, o que levava sua audiência à formulação de suas próprias conclusões. As parábolas são exemplos disso. A intenção de Jesus não era confundir seus ouvintes, mas desafiá-los a descobrirem o significado das palavras que ele proferia. 
Jesus foi o maior pedagogo de todos os tempos: desafiava seus alunos a aprender a partir do próprio esforço.

A pedagogia moderna diz que o professor deve propor situações de ensino baseadas nas descobertas espontâneas dos alunos. A aprendizagem se realiza através da conduta ativa do aluno, que aprende mediante o que ele faz e não o que faz o professor. 
A maior parte dos ensinos de Jesus contrariava a hipocrisia dos fariseus, sacerdotes, levitas e judeus religiosos. Ele não falava de tudo abertamente, mas os que se interessavam pelas coisas do Reino de Deus, podiam entender com perfeição o que dizia através das parábolas. 

Ensino baseado em relacionamentos

Se o principal objetivo do professor é “transferir saberes” não há necessidade de se estabelecer relacionamentos. Mas, se sua meta principal é transformar o aluno a fim de que seja semelhante a Cristo, uma convivência positiva e afetuosa será essencial.
Jesus “nomeou doze para que estivessem com ele” (Mc 3.14). 

Ensino baseado no interesse do aluno

Suas histórias conquistavam o coração de seus ouvintes porque vinham diretamente de encontro às suas próprias frustrações e desapontamentos. Falou de um servo impiedoso (Mt 18:23), de salários iguais por trabalhos desiguais (Mt 20:1ss), do assassinato dos lavradores (Mt 21:33ss), dos convidados indignos do casamento (Mt 22:1ss), das virgens despreparadas (Mt 25:1ss), dos investidores sábios e tolos (Mt 25:14ss), construtores sábios e tolos (Lc 6:46ss), um bom samaritano (Lc 10:30ss), um tolo homem rico (Lc 12:16ss), uma ovelha perdida, uma dracma e um filho (Lc 15:3ss) etc. 
O Mestre empregava grande ênfase em seus ensinos. Se tua mão ou pé te fizer pecar, “corta-os” (Mc 9:43, 45). Se teu olho te fizer pecar, “lança-o fora” (Mc 9:47). A única forma de ser discípulo de Jesus era “aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida” (Lc 14:26). 
Ele fazia perguntas, enfocava o seu ensino na perspectiva dos seus alunos, e usava parábolas com as massas, mas esperava até estar sozinho com seus os discípulos para explicá-las (Mt 13:10-18; Mc 5:33-34). Aqueles que verdadeiramente tivessem fome de justiça obedeceriam, aprenderiam e cresceriam. Aqueles que fossem meramente curiosos ficariam abandonados à margem do caminho.

Ensino através do próprio exemplo

A vida de Jesus era compatível com aquilo que ensinava. Ele inspirava seus discípulos a imitá-lo. Orem como eu oro. Amem como eu vos amo. Sirvam como eu sirvo. Carreguem sua cruz como carrego a minha. Cuidem das ovelhas assim como eu o faço. Terminem a sua carreira assim como terminei a minha. Os melhores mestres são exemplos vivos do conteúdo de seu ensino.

Ensino personalizado

Em nenhuma ocasião nas Escrituras vemos Jesus se sentar para ensinar, dizendo: “Hoje nossa lição será Levítico, pergaminho 3”. Seus ensinamentos fluíam das necessidades das pessoas a quem ensinava, de situações e problemas que apresentavam, das verdadeiras crises da vida.
Isso não quer dizer que será desnecessário um currículo organizado. Os organizadores de currículos proporcionam um enorme auxílio aos mestres em nossas igrejas. Os materiais, quando bem projetados, abrangem uma grande variedade de questões relevantes ao crescimento no Senhor. Mas, a ênfase de nossas aulas deve estar concentrada nas pessoas que delas estão participando, e não nas linhas da lição. A Palavra de Deus é a Verdade. Mas ela se tornará a “verdade-que-me-interessa” à medida que se relacionar à minha vida.
Jesus compreendeu o equilíbrio entre as Escrituras e a as necessidades da vida. Muitos mestres em nossas igrejas, tanto voluntários como ministros, não entendem esse equilíbrio. O objetivo dominante em muitas classes é “Dar toda a lição” e, em seu nome, as perguntas são ignoradas, os comentários reduzidos, e as experiências pessoais restringidas. O mestre que diz: “caro aluno, gostaria de gastar mais tempo considerando sua pergunta, porém tenho mais quatro versículos para ler”, poderá concluir sua lição, mas não terá ensinado seu aluno. Planeje sua aula de forma que haja espaço para interrupções e perguntas. Estimule as discussões e a liberdade durante a aula. Ensine pessoas, não lições.

 

Os fariseus conheciam o conteúdo. Haviam decorado os cinco livros de Moisés. Dominavam uma miríade de detalhes sobre a forma mais correta de orar, de dar esmolas e de jejuar. Sua religião era uma demonstração superficial e técnica de exibições exteriores de atos rotineiros e regras decoradas, um enfadonho livro de regulamentos que os transformava em “críticos santarrões”.
Jesus descrevia a ética do reino como um “rio de vida, com a claridade de seu manancial; uma moralidade de coração”. O caráter tem como enfoque o coração: pensamentos, emoções e conduta. O enfoque no pensamento pergunta: “Como você compreende isso?”. O enfoque emocional pergunta: “Como você considera ou valoriza isso?”, e o enfoque na conduta pergunta: “O que você fará com isso?”. Estas perguntas formam a trilogia do ensino sobre a construção do caráter.
Para que os alunos possam desenvolver seu caráter precisam ter liberdade de pensamento e decidir por si mesmos. Jesus levava isso em consideração. Seus discípulos livremente decidiram segui-lo, enquanto o rico e jovem administrador decidiu o contrário. Judas decidiu trair Jesus, Tomé decidiu duvidar, e Pedro decidiu negar o Senhor. Os discípulos decidiram fugir quando Jesus foi preso. Os fariseus odiavam essa liberdade, pois estavam mais preocupados em controlar as pessoas. 

prof.marcostuler@faecad.com.br
marcos.tuler@yahoo.com.br
(21) 9991-9952





UMA INTRODUÇÃO A TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

 


Teologia Contemporânea é o estudo de Deus contextualizado com o nosso tempo e a evolução dos dogmas e dos pensamentos formados a respeito das doutrinas bíblicas frente aos desafios de nossos dias. A Teologia segue a História e, pelo menos historicamente, subdivide-se tal qual os períodos conhecidos. Para conhecermos melhor, devemos vasculhar na história da Teologia os fundamentos da Teologia Contemporânea, ou seja, percorrer os caminhos, os rastros ou pistas que formam o escopo da teologia do período em questão.

Um Pouco de História Antes de Kant

Teologizamos desde o Éden, mas para delimitarmos um ponto de partida é louvável que comecemos com a Teologia Patrística, isto é, a teologia desenvolvida pelos pais da igreja, os discípulos dos apóstolos e seus escritos indo até Agostinho.
Durante esse período a teologia era incipiente, com alguns erros crassos, por outro lado, dogmas que foram desenvolvidos nessa época dão sustentação, até hoje, às doutrinas mais fundamentais do Cristianismo. Nascida da necessidade de combater as heresias orientais no que diz respeito, principalmente à doutrina da Pessoa de Cristo, Sua Divindade e Sua Obra, foi responsável pela elaboração dos credos que defendiam a fé cristã, bem como pela exclusão dos hereges. Foi o berço da teologia cristã e um dos períodos áureos do saber teológico.
Mais tarde veio o papado e deu-se início ao período conhecido como Idade Média ou Idade das Trevas, como preferem alguns, porque pouco ou quase nada se descobriu na área do conhecimento científico. A Igreja tornou-se a detentora do poder religioso e temporal, logo todo saber estava sob seu controle e dizia o que era certo ou errado, como detentora do conhecimento.
Podemos dizer que Tomás de Aquino foi o mais importante teólogo da Idade Média. Usando a lógica aristotélica, procurou sintetizar os princípios da fé e da razão e provar pela razão a existência de Deus, valendo-se de argumentos racionais. Aquino entendia que o homem poderia encontrar Deus pela razão e assim desenvolveu uma teologia natural ao casar a teologia com a filosofia. Na realidade, Tomás de Aquino foi um monstro do saber e até hoje sua doutrina é utilizada pela cúria romana.
Nos tempos de Tomás, os intelectuais eram clérigos, quer dizer, tinham formação nas Universidades Católicas (um dos legados da Idade Média), logo a Europa tinha uma formação católica e nada parecia ameaçar a hegemonia da igreja do papado, pelo contrário, estava consolidada a civilização cristã, com reis e príncipes sujeitos ao bispo de Roma. Mas, não por muito tempo. A sociedade estava mudando e a igreja desse tempo não acompanhou as mudanças, ou como diz Jonh Landers: “não descobriu recursos para manter-se diante das novas realidades”. O sistema feudal havia surgido durante as invasões bárbaras, é nesse período que houve um esvaziamento nas cidades, o comércio quase desapareceu e as pessoas viviam em condições de subsistência agrícola.
A sociedade feudal era composta por três classes: nobres (cavaleiros que protegiam os lavradores e as terras), clérigos (a igreja) e camponeses (lavradores).
Com a volta da paz, as cidades voltaram a crescer e com elas os comerciantes, os artesãos. Os novos moradores da cidade não eram nem nobres, nem camponeses. Nasce então a classe média. Os comerciantes tornaram-se ricos, mas não tinham título de nobreza. Precisavam ter reconhecida sua superioridade, mas a igreja não abria as portas das universidades, senão para os clérigos, daí então, a resposta aos problemas foi: “humanitas”. Os humanistas pretendiam desenvolver toda a capacidade do indivíduo e por isso esse novo estilo de educação veio a chamar-se humanismo. Onde poderiam encontrar um currículo mais humanizante? Entenderam que Roma, que havia declinado, teve seu momento de ouro, e se retornassem aos escritos dessa era áurea poderiam reviver os dias gloriosos do Império Romano, em outras palavras alcançariam o conhecimento dos antigos apesar de pagãos.
Buscando conhecer os escritos de Virgílio, Sêneca, Cícero, Ovídio e outros, denominaram o seu próprio tempo de Renascença, em contraste com o período de mil anos de trevas de onde acabavam de emergir. Contudo, em sua busca pelos clássicos, não encontraram um modelo para a moral e a religião, mas modelos para a arte e literatura. É interessante observar que os humanistas não rejeitaram o cristianismo e a religião, e isso fez com que eles também buscassem indagações sobre a Bíblia nos originais. Descobriram pelos estudos que os padres de seu tempo não conheciam o grego e o hebraico e “mal rezavam a missa em latim”, e mais importante, descobriram que havia uma lacuna, uma distância muito grande entre o Cristianismo apresentado no Novo Testamento e a prática religiosa de sua época.


A Reforma

Com as invasões dos bárbaros e a queda de Constantinopla (1453), marcou-se o início do período da história chamado de História Moderna. Tempo das grandes navegações e conquistas de portugueses e espanhóis, tempo dos descobrimentos, tempo do renascimento artístico, literário e avanço em todas as ciências como matemática, física, entre outras.
Com o declínio de Roma, os reis que estavam sob seu cetro começavam a rejeitar a autoridade do papa como representante de Deus na terra e contestavam seu domínio temporal sobre suas terras. Dentre as muitas arbitrariedades, a venda de indulgências foi a gota d’água que faltava para eclodir a reforma.
Mas, foi do estudo das Escrituras que surgiu a Reforma Protestante. A teologia dos reformadores era também um retorno aos escritos antigos, as Escrituras. O período de Tomás de Aquino ficou conhecido como Escolasticismo ou Tomismo (sec. XIII e XIV), quando defendiam uma teologia natural onde o homem poderia encontrar Deus pela razão. A Reforma Protestante rompeu com a filosofia escolástica e voltou à Palavra. O lema dos reformadores foi: Sola Scriptura, Solus Crhistus, Sola Fide, Sola Gratia e Soli Deo Gloria! Após a reforma o período de 1618 a 1648 ficou conhecido como Guerra dos Trinta Anos. Somente entre os alemães, calcula-se que morreu um terço da população. Começa-se então a questionar o valor da religião. Depois de “mil anos de trevas”, a tentativa de restauração desencadeia um genocídio jamais visto numa sociedade dita cristã. Inicia-se uma busca para solucionar o problema da guerra, contudo, a essa altura o mundo já havia mudado o suficiente para estabelecer uma idéia antropocêntrica, capaz de mudar a história e dar novo rumo à humanidade, sem Deus.

Feuerbach

Curiosamente, dois movimentos anti-religiosos mais importantes dos séc. XIX tomaram Hegel como seu ponto de partida. São as filosofias de Feuerbach e de Marx. Ludwing Feuerbach (1804-72) estudou teologia em Heidelberg, e depois foi para Berlim a fim de estudar filosofia e aprender de Hegel.

Ao passo que Hegel dissera que toda a realidade era uma manifestação do Espírito Absoluto, Feuerbach calmamente contou aos seus leitores que este espírito nada mais era senão a natureza. “A natureza, portanto, é o fundamento do homem”. Feuerbach também podia concordar com Schleiermacher que o âmago de toda a religião é um senso de dependência absoluta, mas aquilo de que o homem depende e de que se sente dependente, nada mais é senão a natureza.

O ser divino nada mais é senão o ser humano, ou melhor, a natureza humana purificada, libertada dos limites do homem individual. Todos os atributos da natureza divina são, portanto, da natureza humana. A teologia nada mais é senão a antropologia - o conhecimento de Deus nada mais é senão um conhecimento do homem.

Feuerbach não era tanto um ateu quanto um ateísta, estava protestando contra a idéia de um Deus lá fora, sobre e acima do universo, tomando Hegel como seu ponto de partida, chegou à conclusão de que o hegelianismo deve ser transcendido. Ficou com a natureza, que passou a endeusar. Fala de um Deus que é diferente da natureza.

Marx e o Materialismo Dialético

Karl Max (1818-83) nasceu na Renânia de pais judeus que mais tarde se tornaram luteranos. Hegel tinha morrido cinco anos antes de Marx ir para Berlim, mas conforme Marx disse mais tarde, seu legado intelectual “influenciava pesadamente os vivos”. Marx associou-se com um grupo de hegelianos divergentes que se chamavam espíritos livres.

Marx tinha dívidas conscientes e inconscientes para com o pensamento de Hegel. Mas ao passo que Hegel considerava toda a realidade como sendo a operação do Espírito Absoluto, Marx seguia a Feuerbach o crédito de ter “fundado o materialismo genuíno e a ciência positiva”. Ao fazer do relacionamento social entre o homem e seu próximo o princípio básico desta teoria. Mas ao invés de reinterpretar a religião, Marx passou a denunciá-la como sendo a inimiga de todo o progresso. O homem faz a religião, a religião não faz o homem. O Estado e a sociedade produzem a religião. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o sentimento de um mundo sem coração, a alma de condições desalmadas. É o ópio do povo.

O vácuo deixado pela religião devia ser preenchido pelo materialismo. Ficou para Engels, Lenin e outros elaborarem a plena doutrina ortodoxa do Materialismo Dialético. É assim a justificativa da evolução da sociedade do feudalismo para o capitalismo, do capitalismo para o socialismo, e o socialismo para o comunismo. Em cada caso, a mudança realizou-se através de lutas das classes.

Nietzsche

Friedrich Nietzsche, filho e neto de uma família de pastores luteranos, o mesmo tem sido descrito como profeta mais do que um pensador sistemático. 
Se, porém, Nietzsche era um profeta, era um porta-voz autonomeado em prol da humanidade. E o objeto do seu ataque era Deus.

O ponto de partida de Nietzsche é a não existência de Deus. O homem, portanto é deixado por conta própria. Visto que Deus não existe, o homem deve elaborar seu próprio modo de vida. Se, pois, Deus já não existe, o homem tem de enfrentar tudo sozinho.

A receita de Nietzsche achava-se nas doutrinas complementares da vontade de ter poder, da reavaliação de todos os valores, e do super-homem. O super-homem nada tem a ver com a doutrina nazista da superioridade racial. O super-homem é o homem que reconhece a situação humana que cria seus próprios valores. Ele mesmo não desconhece a angústia, mas triunfa sobre a fraqueza, e a despreza nos outros. 

Não é difícil perceber por que Nietzsche foi adotado como filósofo do Socialismo Nacional. Para Nietzsche, deve haver uma limpeza total, O homem deve começar do zero, e decidir pela sua própria vontade aquilo que é certo e errado. 

Darwin e a Evolução

O fator individual mais poderoso de longe, que minou a crença popular na existência de Deus nos tempos modernos foi a teoria da evolução, de Charles Darwin. Havia duas partes principais na sua teoria, a evolução, a sugestão de que a vida conforme a conhecemos desenvolveu-se paulatinamente no decurso de milhões de anos a partir de ancestrais comuns e possivelmente de um único ser protótipo, a outra, e da seleção natural, ou seja, a sobrevivência dos mais aptos. A fim de existirem, as plantas e os animais precisam alimentar-se uns dos outros. Aqueles que desenvolvem novas capacidades e se adaptam ao seu meio-ambiente com mais rapidez são aqueles que sobrevivem.

Reconhece-se que a teoria tinha de pressupor que isto acontecia às vezes de modo muito repentino, e que não ficava claro como as aves descendiam dos répteis, os mamíferos dos quadrúpedes anteriores, os quadrúpedes dos peixes, ou os vertebrados dos invertebrados. Mesmo assim, o evolucionismo veio a ser um tipo de lei que explicava o comportamento do universo. (O que buscavam os racionais do período pré-iluminismo). Além disso, embora as passagens finais de Darwin façam algumas referências respeitosas ao Criador, o impacto principal do seu pensamento estava claro. A evolução remove a necessidade de crença em Deus.

Foi em grande medida através de Herbert Spencer (1820-1903) que a evolução chegou ao homem na rua. Spencer via a luta pela existência em todas as esferas da vida. A evolução convenceu-o que não se devia interferir com a natureza, e que, portanto, ele deveria opor-se à educação estatal, às leis em prol dos pobres e à reforma habitacional tanto os capitalistas quanto os socialistas fizeram bom uso da evolução. Negociantes tais como Andrew Carnegie e J.D. Rockfeller diziam a si mesmos que, embora o indivíduo talvez sofresse no decurso dos fatos dos grandes negócios, tudo isto fazia parte integrante da lei da concorrência.

Os eclesiásticos estavam divididos entre si acerca da evolução. Havia aqueles como Deão Church e o Arcebispo Frederick Temple que acreditavam que a evolução não era incompatível com a crença no Criador. Outros, porém, tais como C.H. Spurgeon, eram francamente cépticos. Eram necessárias mais provas. Darwin ainda teria que escavar os elos que faltavam. Um efeito duradouro e lastimável do sucesso da Origin foi que os biológicos ficaram viciados em especulações incapazes de verificações.

A ALTA CRÍTICA

Do latim “altus”, significa elevado; e do grego “kriticós”, significa julgar. A Alta Critica é o nome dado ao método literário pelo qual se determina a autoria, a data, as circunstâncias, etc., em que foram compostos os livros sagrados. Por ele, também se verifica as fontes literárias e a confiabilidade histórica das Escrituras. A Alta Crítica é um método científico no qual não se leva em conta a inspiração plenária das Escrituras. Vale-se, apenas, dos meios de autenticação, como as descobertas arqueológicas, a análise histórico-cultural, os estudos geológicos. O problema é que, na Bíblia, há inúmeros episódios que não podem ser comprovados cientificamente, e é aqui que os teólogos modernistas encontram margem para pôr em descrédito as verdades sagradas.

Na verdade, o método da Alta Crítica, em si, é importante e necessário para se fazer a exegese bíblica. Mesmo os teólogos comprometidos com a inspiração plenária da Palavra de Deus o utilizam. Infelizmente, os teólogos modernistas usam-no para outra finalidade nada nobre: duvidar da inerrância das Escrituras. Vê-se que o problema não está no método, mas em sua utilização. 

A Alta Crítica e o Liberalismo Teológico
O Liberalismo Teológico não é uma religião ou uma organização ideológica possuidora de templos, funcionários ou sociedades. Trata-se de uma tendência de ajustar o Cristianismo aos conceitos criados a partir da Alta Crítica da Bíblia, da ciência e das divagações filosóficas. Tal tendência apresenta-se sob diversos outros títulos: Modernismo, Racionalismo, Nova Teologia, etc.

Os Fundamentos históricos dessa tendência remontam o ano de 1753, quando Jean Astruc (1684-1766), francês, professor de Medicina em Paris, publicou, anonimamente, em Bruxelas, o livro Conjecturas Sobre as Memórias Originais que Parecem Ter Sido Usadas por Moisés na Composição do Gênesis. Astruc, que foi médico do rei Luz XV, da França, duvidou da origem mosaica do Pentateuco e de sua historicidade. Até então, a autoria de Moisés era inquestionável, e a atitude de Astruc ensejou outros questionamentos por parte de teólogos desprovidos do compromisso com a inspiração plenária da Palavra de Deus. Entende-se, todavia, que Moisés é o autor do Pentateuco, e há evidências internas e externas que comprovam isso.

Conseqüências do Mau Uso da Alta Crítica pelos Teólogos Modernistas
Em resumo, mediante a Alta Crítica, os teólogos modernistas cometem os seguintes erros: 
- Questionam o inquestionável, atribuindo contradições ao texto sagrado. 
- Para eles, Jesus deixa de ser Deus e Homem perfeito, para ser apenas um profeta, destituído de todos os seus atributos. 
- Enfatizam o relativismo, contribuindo para o rebaixamento dos padrões morais, para o surgimento de atitudes irreverentes em relação à Divindade, além de gerarem dúvidas acerca da inspiração plenária das Escrituras.

LIBERALISMO TEOLÓGICO MODERNO

Do latim, “liberare” significa tornar livre. Movimento que, tendo início no final do século XIX na Europa e nos Estados Unidos, tinha como objetivo extirpar da Bíblia todo elemento sobrenatural, submetendo as Escrituras a uma crítica científica e humanista. No liberalismo teológico, via de regra, não há lugar para os milagres, profecias e a divindade de Cristo Jesus. O principal instrumento do liberalismo teológico não é a revelação: é a especulação. Em suma: trata-se de uma abordagem meramente filosófica da Palavra de Deus. E, como as coisas espirituais só podem ser discernidas espiritualmente, explica-se pois o abismo que se forma entre a revelação e a especulação. 

Nomes Principais do Liberalismo Teológico
Friedrich Schleiermacher (1768-1834) - Teólogo e filósofo alemão, embora anti-racionalista, ensinou que não há religiões falsas e verdadeiras. Todas elas, com maior ou menor grau de eficiência, têm por objetivo ligar o homem finito com o Deus infinito, sendo o Cristianismo a melhor delas. Ao harmonizar as concepções protestantes com as convicções da burguesia culta e liberal, Scheleiermacher foi considerado radical pelos ortodoxos, e visionário pelos racionalistas. Na verdade, o seu pensamento filosófico-teológico, embora considerado liberal, está mais perto do transcendentalismo de Karl Barth. 

Johann David Michalis (1717-1791) - Teólogo protestante alemão, foi o primeiro a abandonar o conceito da inspiração literal das Escrituras Sagradas. 

Adolf von Harnack (1851-1930) - Teólogo protestante alemão, defende sua obra principal História dos Dogmas, a evolução dos dogmas do Cristianismo pela helenização progressiva da fé cristã primitiva. Para ele, o cristão tem todo o direito de criticar livremente os dogmas, que são a tradução intelectual do evangelho. Em outra obra, A Essência do Cristianismo, reduziu a religião cristã a uma espécie de confiança em Deus, sem dogma algum e sem cristologia. 

Albrecht Rtschl (1822-1889) - Teólogo alemão ensinou que a Teologia não pode seguir Georg Hegel, filósofo alemão tributário da filosofia grega, do racionalismo cartesiano e do idealismo alemão. Ritschl ressaltou o conteúdo ético da teologia cristã e afirmou que esta deve basear-se principalmente na apreciação da vida interior de Cristo. 

David Friedrich Strauss (1808-1874) - Foi o teólogo alemão que maior influência exerceu no século XIX sobre os não eclesiásticos. Tornou-se professor da Universidade de Tubigen com apenas 24 anos. No ano de 1841 lançou, em dois volumes, Fé Cristã - Seu Desenvolvimento Histórico e Seu Conflito com a Ciência Moderna, negando completamente a Bíblia, a Igreja e a Dogmática. Em 1864, publicou uma segunda Vida de Jesus, quando procurou então distinguir o Jesus histórico do Cristo ideal segundo a maneira típica dos liberais do século XIX. Em sua A Antiga e a Nova Fé, publicada em 1872, procurou mostrar a impossibilidade do Cristianismo no mundo moderno, propondo então a sua substituição por um materialismo de cunho evolucionista. Suas obras exerceram grande influência sobre os intelectuais da época. Para Strauss, Jesus é mero homem. Insiste em que é necessário escolher entre uma observação imparcial e o Cristo da fé. Ensinou que é preciso julgar o que os Evangelhos dizem de Jesus pela lei lógica, histórica e filosófica, que governa todos os eventos em todos os tempos. Não achou e não procurou um âmago histórico, mas interessou-se apenas em mostrar a presença e a origem do mito nos evangelhos. Segundo seu conceito, não somos mais cristãos, mas simplesmente religiosos. Nas obras de Strauss não há lugar para o sobrenatural. Os milagres são mitos, contados para confirmar o papel necessário de Jesus, daí as referências ao Antigo Testamento. Em resumo, Jesus não é uma figura histórica, e da vida dele nada sabemos, sendo tudo mito e lenda. Philip Schaff comenta que Strauss professa admitir a verdade abstrata da cristologia ortodoxa, “a união do divino e humano, mas perverte-a, emprestando-lhe um sentido puramente intelectual, ou panteísta. Ele nega atributos e honras divinas à gloriosa Cabeça da raça, mas aplica os mesmos atributos a uma humanidade acéfala”. 

Sorem Kierkegaard (1813-1855) - Teólogo e filósofo dinamarquês. Filho de um homem rico torturado por dúvidas religiosas e sentimentos de culpa, Kierkegaard adquiriu complexos de natureza psicopatológica e possíveis deficiências somáticas. Estudou Teologia na Universidade de Copenhague, licenciando-se em 1841. Atacou a filosofia de Hegel e afastou-se mais e mais da Igreja Luterana, por julgá-la muito pouco cristã. Para o teólogo dinarmaquês, entre as atitudes (fases) estética, ética e religiosa da vida, não há mediação, como na dialética de Hegel, e não há entre elas transição, no sentido de evolução. Para chegar da fase estética à fase ética ou desta à religiosa é preciso dar um salto (ser iluminado, converter-se instantaneamente) que transforme inteiramente a vida da pessoa. Para Kierkegaard, só o Cristianismo é capaz de vencer heroicamente o mundo, sendo o panteísmo cultural de Hegel impotente contra a consciência do pecado e contra o medo e temor. Criticou o hegelianismo em sua acomodação ao mundo profano, por não ser capaz de eliminar a angústia e admitir a existência de contradições irresolúveis entre o Cristianismo e o mundo, cabendo ao homem escolher existencialmente entre esta e aquela alternativa: ser cristão ou ser não-cristão. 
São profundos os conceitos de Kierkegaard sobre os estágios da vida, a diferença entre ser e existir, o subjetivo e o objetivo, o desespero, os critérios positivos para a verdadeira existência, etc. Eis alguns deles: No estágio estético, o homem leva uma existência imediata e não refletida, faltando a diferenciação entre ele e o seu mundo; no estágio ético, o homem assume a responsabilidade pelo seu próprio ser, procura alcançar-se a si - o que não pode fazer, no estágio religioso, reconhece a impossibilidade de viver conforme gostaria e descobre que o pecado é não ser o que Deus deseja que seja, e que se alcança este estado proposto por Deus através de algo que vem de fora - o próprio Deus; O tempo (e espaço) trata do que o homem é, da sua existência; e a eternidade significa que, embora o homem viva no tempo e no espaço, ele não está totalmente determinado por estes elementos; a existência fala de liberdade, possibilidade, do ideal, da obrigação; o momento de decisão é quando a eternidade intercepta o tempo; O objetivo cultural é aquilo que é, enquanto o homem fica entre o que é e o que ele pode e deve ser. A ciência limita-se ao estudo do que é, o que ela chama “a verdade”; mas os fatos, claramente aceitos jamais encerram a verdade; A essência do ser humano aparece quando traz a eternidade para dentro do tempo. Cada homem há de sofrer porque vive numa realidade muito física: liberdade versus tempo; O único que realmente resolveu o paradoxo do tempo e da eternidade foi Jesus Cristo. Ele mesmo foi um paradoxo: Deus e homem; limitado e ilimitado; ignorante e conhecedor de tudo. 



Maranata. Ora Vem Senhor Jesus.
Deus abençoe a todos.
No Amor de Cristo!