UM “CRENTE” DISCIPLINADO NÃO PODE PARTICIPAR DA CEIA DO SENHOR.

 


Artigo: Pb. e Prof. Vicente Leão

INTRODUÇÃO

 

     A ceia do Senhor e a disciplina são elementos vitais a igreja, ambos cooperam para o aperfeiçoamento da nossa comunhão com Deus, manifestando a sua graça salvadora revelada em Jesus Cristo. Muito tem se falado a respeito desses dois ritos. Porém. É a Palavra de Deus (Bíblia) quem define não apenas seus conceitos, como propósito. Vivemos em um mundo secularizado, onde muitos princípios e valores tem sido relativizados, a igreja por sua vez, não pode permitir que isso aconteça com a sã doutrina.

     No artigo 29 da confissão belga, uma das principais e mais antigas declarações de fé protestante, encontramos as marcas que caracterizam a verdadeira igreja de Jesus Cristo. São elas: a pureza na pregação do Evangelho, a devida administração das ordenanças (batismo e ceia do Senho) e o exercício da disciplina afim de castigar pecados. Esta tese foi elaborada com base nos seguintes textos bíblicos: Apocalipse 2.9; Romanos 9.6; Gálatas 1.8,9; I Timóteo 3.15; Atos 19. 3-5; I Co 11.20-29; Mateus 18.15-17, dentre outros.

     Segundo o artigo da confissão e os textos bíblicos que respaldam esta posição, podemos concluir que há uma responsabilidade tanto pessoal, como coletiva em relação aos aspectos que legitimam uma igreja como verdadeira. Pessoal no tocante a consciência que precisamos ter, mediante a fiel pregação bíblica que nos leva a entender quais as condições para participarmos das ordenanças e a importância da disciplina para nos restaurar quando caídos. E coletiva, pois foi dada a igreja, corpo de Cristo, a missão de mediar esses processos celebrando, aplicando, regulando e reconduzindo o indivíduo a comunhão.  

      No comentário deste artigo da confissão publicado no livro “As 3 formas de unidade”, encontramos a seguinte discrição daqueles que pertencem a verdadeira igreja de Jesus Cristo:

“Os que pertencem a igreja devem ser reconhecidos pelas marcas dos cristãos: Eles creem em Jesus Cristo como único salvador; fogem do pecado e buscam por justiça; amam o verdadeiro Deus e o seu próximo sem desviar para a direita nem para esquerda; e crucificam a carne com suas obras. No entanto, ainda permanecem neles uma grande fraqueza, a qual combatem, pelo Espirito, todos os dias da sua vida. Apelam continuamente para o sangue, sofrimento, morte e obediência de Jesus Cristo, no qual têm a remissão de seus pecados, por meio da fé nele.”  

      Um “crente” disciplinado não pode participar da ceia do Senhor por duas importantes razões que pretendo desenvolver neste artigo:    

1.    Ele pecou e precisa ser tratado pela disciplina afim de ser restaurado.  

2.    É a igreja que deve reconduzi-lo a comunhão, através da participação na Ceia do Senhor.

 

1.  Ele pecou e precisa ser tratado pela disciplina afim de ser restaurado.

    O propósito bíblico da disciplina, em linhas gerais, é restaurar o caído, fazendo com que ele reconheça a gravidade do seu pecado, o chamando ao arrependimento. Se o indivíduo pecou, ele desviou-se da verdade do Evangelho. Ainda que não permaneça caído, isso não o isenta da condição de “desviado”. Não foi a igreja quem o colocou nesta situação, mas o seu pecado. A disciplina eclesiástica não é uma ferramenta de castigo, mas um meio de manifestarmos amor pelo caído e pela igreja do Senhor. Quando não fazemos uso dela, declaramos que o nosso modo de amar é melhor do que o do próprio Deus. Até porque “Deus disciplina quem ama e castiga a todo aquele que recebe como filho” (Hb 12.6). Na continuação do texto ele ainda diz “Se suportais a correção, Deus vos trata como a filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, logo sois bastardos, e não filhos.” (Hb 12.7,8). É como o caído lhe da com a disciplina que o identifica como filho ou bastardo. Deus nos disciplina para o nosso bem, para que participemos da sua santidade (Hb 12.10). Jonathan Leeman, em seu livro sobre o assunto na série 9 marcas de uma igreja saudável vai dizer o seguinte:

Disciplina é uma das partes do processo de discipulado, aquela em que corrigimos o pecado e apontamos ao discípulo o melhor caminho. Ser discípulo é, entre outras coisas, ser disciplinado. A disciplina eclesiástica é o ato de excluir um indivíduo da membresia da igreja e da participação da mesa do Senhor. Não se trata de proibir que ele frequente os cultos públicos da igreja; trata-se da declaração manifesta da igreja de que não pode mais apoiar a validade da profissão de fé dessa pessoa chamando-a de cristã. Trata-se da recusa de oferecer a ceia do Senhor a ela.

     O arrependimento é um fator reconciliador quando falamos de disciplina. Em Mateus 18. 15-17, ao tratar sobre este assunto Jesus tem duas preocupações, a primeira é que o pecador se arrependa, a segunda é que o numero de pessoas envolvidas seja o mínimo necessário para produzir arrependimento. Nas entrelinhas, podemos perceber a convicção profunda de que a igreja deve ser diferente do mundo. Crentes não devem viver como pagãos e publicanos, ou então não são crentes e por isso não devem cercar a mesa do Senhor.

     Ao tratarmos o individuo caído com a devida aplicação da disciplina eclesiástica, demonstramos zelo também com a igreja do Senhor. Nos últimos anos, muitas pessoas tem abandonado suas congregações por razão de abusos decorrentes a falta de disciplina. Alguns consideram um “método ultrapassado” por conta da sua má utilização em algumas ocasiões. Porém. A solução nesse caso é nos voltarmos ao padrão bíblico, afim de que ele nos direcione segundo a soberana vontade de Deus para o seu povo.

2.  É a igreja que deve reconduzi-lo a comunhão, através da participação na Ceia do Senhor.

     Historicamente a ceia do Senhor nasce como uma celebração a comunhão da igreja, tanto que no terceiro século era possível levar os elementos para a realização da eucaristia em casa pelas famílias. Mas com o tempo ela vai ganhando uma importância cada vez maior a ponto de se tornar, de uma festa fraternal em ordenança eclesiástica. Um outro significado atribuído a ela é o de representação do sacrifício de Cristo. A ceia do Senhor substituiu a pascoa judaica e tem sido celebrada assim até os nossos dias. 

     O Pr. Franklin Ferreira em sua Teologia Sistemática faz o seguinte comentário sobre este assunto: “Na celebração da ceia do Senhor, a igreja testemunha o grande ato histórico da redenção sobre o qual essa ordenança se fundamenta (1 Co 11.24-26)” Em sua Teologia Bíblica do Novo Testamento, Ladd faz lembrar que: “O comer e o beber envolvem mais do que a memória de um evento passado; pois também representam a participação do corpo e do sangue de Cristo, e, portanto, a participação em seu corpo.”

      Ao falar sobre este assunto, em especial com relação a admissão (participação) na Ceia do Senhor. Os puritanos expressam uma posição que leva em consideração a necessidade de uma preparação para este momento. Pois para eles se tratava de uma celebração da unidade do crente com Cristo. (Teologia Puritana pag 1061)

       Na resposta à pergunta de número 177 do catecismo maior de Westminster temos uma síntese do pensamento puritano com relação as condições e consequências da participação na ceia do Senhor:

O dever dos crentes, depois de receberem o sacramento da Ceia do Senhor, é o de seriamente considerar como se portaram nele, e com que proveito; se foram vivificados e confortados; devem bendizer a Deus por isto, pedir a continuação do mesmo, vigiar contra a reincidência, cumprir seus votos e animar-se a atender sempre a esta ordenança; se não acharem, porém, nenhum benefício, deverão refletir novamente, e com mais cuidado, na sua preparação para este sacramento e no comportamento que tiverem na ocasião, podendo, em uma e outra coisa, aprovar-se diante de Deus e de suas próprias consciências, esperando com o tempo o fruto de sua participação; se perceberem, porém, que nessas coisas foram remissos, deverão humilhar-se, e para o futuro participar desta ordenança com mais cuidado e diligência.

     As ordenanças são recebidas na congregação do povo de Deus com humildade e reverência, enquanto celebramos com ações de graças a lembrança da sagrada morte de Cristo, nosso Salvador, e confessamos a nossa fé e religião cristã.

    A ceia do Senhor tem como principal objetivo nutri e sustentar aqueles que já foram regenerados e incorporados a família de Deus que é a sua igreja. Ela não gera fé. Portanto, não é uma “ordenança de conversão”. Pelo contrário. Foi dada por nosso Senhor àqueles que buscam ser fortalecidos em sua fé e confessam terem sido despertados no coração pelo Espírito Santo.

    Em sua declaração de fé, as Assembleias de Deus, principal denominação pentecostal histórica do nosso país afirma: “Entendemos que a ceia do Senhor é uma solenidade de benção e comunhão para os crentes em Jesus, batizados nas águas e em plena comunhão com a igreja. Essa ordenança exige um autoexame, uma reflexão sobre a nossa conduta, se ela está de acordo com os princípios da palavra de Deus, para não sermos “culpados do corpo e do sangue do Senhor” (I Co 11.27), ou seja, responsáveis pela morte de Cristo.”   

 

CONCLUSÃO

    No desenvolvimento do nosso artigo vimos a definição, segundo a confissão belga e os textos bíblicos que respaldam a sua tese, das marcas que caracterizam a verdadeira igreja de Jesus Cristo, mas não somente isso, vimos que essas marcas são testificadas pelo testemunho dos verdadeiros crentes que foram transformados pelo poder do Evangelho em seu entendimento e buscam viver uma vida que glorifica a Deus.

     O caído no entanto, é alguém que está em disciplina por não ter perseverado o suficiente na luta contra o pecado, ele se desviou do caminho e precisa, antes de ser reconduzido à mesa do Senhor, ser reconduzido a Cristo como único e suficiente salvador, por isso a disciplina é fundamental para sua restauração espiritual. É ela que, por meio da Palavra e da atuação do Espírito Santo, vai constrange-lo ao arrependimento, produzindo quebrantamento e contrição, evidencias não somente internas como externas de uma regeneração genuína.

      A igreja tem um importante papel como representante legítima do reino de Deus aqui na terra, através da autoridade dada pelo próprio Jesus Cristo. Não podemos ser negligentes com nossas responsabilidades. O crente não deve ser impedido de participar da ceia, mas o desviado não tem parte na mesa do Senhor a não ser para sua própria condenação.

 

Deus vos abençoe!

Vicente Leão

 

BIBLIOGRAFIA:

·      As 3 formas de unidade das igrejas reformadas – Ed. CLIRE , 2017.

·      Disciplina, série 9 marcas de uma igreja saudável – Autor Jonathan Leeman – Ed. Vida Nova, 2016.

·      O testemunho da igreja no mundo – Ed. CLIRE, 2022

·      Teologia sistemática – Autor Franklin Ferreira e Alan Myatt – Ed. Vida Nova 2014.

·      Teologia puritana – Autor Joel R. Beeke e Mark Jones – Ed. Vida Nova 2014

·      Catecismo maior de Westminster comentado – Autor: Johannes Geerhardus Vos – Autor: CLIRE, 2011.

·      Declaração de fé das Assembleias de Deus – Ed. CPAD, 2017