MARTIN HEIDEGGER E O GNOSTICISMO MODERNO






 “Em filosofia, tornar-se inteligível é um suicídio”.
Martin Heidegger, em “vom Ereignis”.

Uma das principais características dos gnósticos da antiguidade tardia era o seu (deles) orgulho na sua ininteligibilidade do discurso. Para eles, a ininteligibilidade identificava-se com o esotérico e com a capacidade exclusiva do acesso à verdade por parte da classe dos ‘pneumáticos’, em detrimento da classe dos ‘hílicos’, para quem o acesso à compreensão do discurso gnóstico da verdade estava vedado, e por isso, os ‘hílicos’ estariam privados da “salvação”. Este mesmo princípio da ininteligibilidade — do “segredo” — de uma plêiade de iluminados esteve sempre presente, também, na maçonaria.
“O tonto consegue captar o subtil, mas não vê o óbvio” - Nicolás Gómez Dávila.
A ininteligibilidade do discurso fascina quando se faz dela uma espécie de “participação e partilha de um segredo”, em efusivas expectorações de uma plêiade de tontos. Através de um discurso ininteligível, Heidegger (foto, abaixo) mantém os tontos presos à ideia de uma “participação em uma realidade” apenas disponível ao entendimento dos “escolhidos”, ou os novos ‘pneumáticos’. Naturalmente que os tontos não percebem nada daquilo que Heidegger escreveu, porque o próprio Heidegger não escreveu com intenção de ser percebido: o que os tontos percebem é o produto das suas interpretações subjetivas puras; é aquilo que cada um interpreta a partir de um conjunto de proposições fundamentadas no pensamento de filósofos anteriores a Heidegger.
A visão de Heidegger da realidade é alucinada. Por exemplo, ele pega na filosofia aristotélica, transporta-a “tal e qual” para a atualidade, e depois deturpa-a profundamente — tal como deturpou Santo Agostinho e o seu conceito de “cuidado” (“curare”, in Confissões).
Outro indício do gnosticismo de Heidegger — ou seja, uma sobreposição do arquétipo mental e cultural do gnosticismo da antiguidade tardia transportada para a modernidade — é a sua ideia da guerra permanente entre aquilo a que ele chama o Dasein (o “ser-aí”, ou o ser humano na existência), contra a “physis” (a natureza). Uma das características marcantes do gnosticismo antigo era a ideia segundo a qual a natureza em geral — mas a natureza humana, também — é uma realidade negativa e má que deve ser combatida pelos “eleitos” pneumáticos, para assim obterem a “salvação”. A “salvação”, segundo Heidegger, não é espiritual e transcendental no sentido dos gnósticos antigos, mas é uma salvação histórica. O padrão gnóstico mantém-se idêntico.
O conceito de “Se”, de Heidegger (“Ser e o Tempo”), é uma anedota, porque pretende convencer a plêiade dos tontos, na linha do super-homem de Nietzsche, de que os pneumáticos modernos existem de fato, e que estes têm uma existência à parte do comum dos mortais. O que é o conceito de “Se”? — pergunta o caro leitor; e pergunta bem! (“Se” a minha trisavó tivesse rodas era um Boeing 747).
Heidegger inverte a realidade - como bom gnóstico moderno, e porque os gnósticos antigos não fizeram mais nada senão inverter a realidade — e diz que a temporalidade originária do ser humano (Dasein) é o futuro (a origem do tempo humano é o futuro), e não o seu presente ou o seu passado. Ou seja, segundo Heidegger, o Homem vive no futuro que é a sua morte (Sein zum Tode). E porque o Homem vive no futuro que é a sua morte, segundo Heidegger, o ser humano sente a “angústia” da sua morte futura (o tal “Se”) e por isso transforma-se em uma espécie de “dejeto” (“Verfallen”, dejeção) — ou seja, transforma-se num merda, num ‘hílico’ moderno, ou num ser humano inferior, ou em um Untermensch.
Naturalmente que os tontos, que dizem compreender Heidegger, pensam que não fazem parte desse grupo imenso e majioritário dos novos ‘hílicos’ (dos “dejetos humanos”), mas antes pertencem ao grupo de Heidegger e dos novos ‘pneumáticos’ que não se deixa regular pela “tagarelice”, pela “publicidade” e pelo “tempo cronométrico dos relógios” (os “eleitos”). Heidegger criou um novo tipo de super-homem de Nietzsche.
E os tontos lêem, acreditam, estudam, e veneram Heidegger. Impressionante!
E mesmo depois de Heidegger, a seguir à II Guerra Mundial, ter afirmado que tudo o que escreveu antes da guerra afinal não valia grande coisa (“Die Kehre”, "A Viragem"), e passou a escrever outro tipo de romances para os tontos, baseado na crítica à Técnica (palavra de código = “Ge-stell”) — mesmo assim, os tontos recusaram a irracionalidade e qualquer indício de alucinação psicótica em Heidegger.

Fonte: Espectivas