Como coadunar a ressurreição de
Jesus Cristo (corpórea) com o conceito de incorruptibilidade?
Pergunta 1:
Olá! Eu estava me perguntando se você poderia esclarecer um pequeno
enigma. Em I Coríntios 15, Paulo explica que carne ou sangue não podem herdar o
reino de Deus. Como, então, se Jesus ressuscitou em carne, ele foi estar com o
Pai no céu após a ressurreição? Obrigado por sua atenção.
Ron
Pergunta 2:
Prezado Dr. Craig,
Eu tenho apenas uma pergunta simples para a qual não sei a resposta e
talvez uma questão que a maioria dos cristãos sequer pensou a respeito ou achou
importante o bastante para pesquisar a resposta. No entanto, eu a considero
importante por causa de como nós vemos a ressurreição e os corpos ressurretos.
Após a ressurreição de Jesus, Ele comeu com Seus discípulos, e Tomé pôde
tocar em suas feridas.
Se Jesus voltou à existência como Deus, como Seu corpo ainda se
relaciona com o nosso de forma que possamos abraçá-lo, mais a capacidade
material de digerir alimentos? No fim dos tempos, quando formos participar do
Grande Banquete, qual será o estado dos nossos corpos após a nossa
ressurreição?
Atenciosamente,
Kirk
Dr. William Lane Craig
responde:
Vocês
dois levantaram uma questão importante - e de se esperar- do meu debate com Richard
Carrier este mês no Nordeste do estado do Missouri. Carrier adota a linha, muito repetida na teologia
Protestante liberal, que Paulo não acreditava em um corpo de ressurreição
físico, mas em um “corpo espiritual”, que é, digamos, um “corpo” pontual,
imaterial, intangível e sem massa. Na hipótese de que Paulo é
nossa testemunha mais atual da crença na ressurreição de Jesus, Paulo é
colocado contra as narrativas dos Evangelhos sobre o túmulo vazio e as
aparições de Cristo ressuscitado. A visão de Paulo é considerada como a crença
primitiva e os Evangelhos representam o resultado da lendária corrupção e
reforma teológica da tradição primitiva.
Mostrou-se , porém, que esta tentativa de colocar Paulo contra os
Evangelhos vem de uma análise distorcida. Todos reconhecem que Paulo não ensina
a imortalidade da alma sozinha, mas a ressurreição do corpo. Contudo, é extraordinariamente
difícil conceber qual é a diferença entre a imortalidade da alma e a existência
de um “corpo” pontual, imaterial, intangível e sem massa. Em I Coríntios
15: 42-44, Paulo descreve as diferenças entre nosso corpo terrestre,
presente e nosso corpo futuro, corpo ressurreto, que será como o de Cristo. Ele
designa quatro contrastes essenciais entre o corpo terreno e o corpo
ressurreto:
O corpo terreno é:
|
Mas o corpo ressurreto é:
|
mortal
impuro
fraco
natural
|
imortal
glorioso
poderoso
espiritual
|
Agora
apenas o último contraste pode nos levar a pensar que Paulo não acreditava em
um corpo de ressurreição física. Mas o que ele quer dizer com as palavras
traduzidas aqui como “natural/ espiritual”? A palavra traduzida “natural” (psychikos) literalmente significa
“almado”. Agora, obviamente, Paulo não quer dizer que nosso corpo presente é
feito de alma. Em vez disso, com esta palavra
ele quer dizer “dominado por ou pertencente à natureza humana”.
Semelhantemente, quando ele diz que o corpo ressurreto será “espiritual” (pneumatikos), ele não quer dizer “feito de espírito”.
Em vez disso, ele quer dizer “dominado por ou orientado segundo o Espírito”. É
semelhante o sentido da palavra “espiritual” como quando dizemos, por exemplo,
que Billy Graham é uma pessoa espiritual. Na verdade, veja a
maneira como Paulo usa estas mesmas palavras em I Coríntios 2:14:15:
"Ora, o "homem natural" ("anthropos psychikos") não aceita as
coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode
entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é
"espiritual" ("pneumatikos") discerne bem tudo,
enquanto ele por ninguém é discernido".
Homem natural não significa “homem físico”, mas “homem orientado segundo
a natureza humana”. Homem espiritual não significa “homem intangível,
imaterial”, mas “homem orientado segundo o Espírito”. O contraste é o mesmo em I
Coríntios 15. O corpo terreno, presente, será liberto de sua escravidão
pela natureza pecadora humana e, por outro lado, será completamente cheio de
poder e direcionado pelo Espírito de Deus.
A vasta
maioria de estudantes contemporâneos de Paulo conclui, portanto, que Paulo
acreditava em um corpo ressurreto físico (que, portanto, implicou no túmulo
vazio. Em sua recente dissertação de Doutorado “A Historicidade da
Ressurreição de Jesus” (2008), Michael Licona lista Ackerman,
Barnett, Barrett, Bostock, Brodeur, Collins, Conzelman, Fee, Gundry, Harris,
Hayes, Héring, Hurtado, Johnson, Kistemaker, Lockwood, Martin, Segal, Snyder,
Thiselton, Witherington, e Wright.
Mas, e
quanto à I Coríntios 15:50:
“Carne ou
sangue não poderá (n.b. verbo no singular) herdar o Reino de Deus”? isto não
indica que o corpo ressurreto deve ser imaterial? Não mesmo. Praticamente todos os comentadores reconhecem que a
expressão “carne e sangue” é uma típica expressão semítica que indica nossa frágil
natureza humana. Em outra passagem Paulo usa a expressão
significando “criaturas mortais” (Efésios 6:12) ou mesmo apenas “pessoas”
(Gálatas 1:16). Portanto, a segunda metade do versículo completa a primeira:
“nem o corruptível pode herdar a incorruptibilidade”. O corpo presente deve ser
liberto de sua corruptibilidade -não de sua materialidade- a fim de estar
pronto para o eterno domínio de Deus.
Carrier admite que o termo é uma expressão idiomática, mas insiste que a
expressão não seria adequada se o corpo ressurreto ainda fosse de carne. Porém,
pensar assim é não entender como as expressões e metáforas funcionam. Seu
sentido não pode ser resumido aos significados literais de suas palavras
constituintes. Analise: “está caindo um pé d’água!”. Seria um total
mal-entendido tomar tal expressão implicando que deve haver literalmente um pé
de água na rua. Desta forma, Paulo não está falando sobre carne e sangue
físicos, mas sobre nossa natureza humana mortal.
Então,
como devemos entender o corpo ressuscitado de Cristo hoje? Cristo exaltado
ainda tem uma natureza humana; ele não “voltou a ter a existência em forma
divina”. Entretanto, Cristo saiu deste continuum espaço-tempo
quadridimensional. Logo, talvez nós devemos dizer que esta natureza humana não
se manifesta agora corporalmente. Compare a situação: você bate um diapasão
numa superfície; ele vibra e soa. Se ele for colocado em um recipiente fechado
a vácuo, apesar de continuar a vibrar, ele não se manifesta com o som peculiar,
porque não há um meio condutor das vibrações. Assim também, a natureza humana
de Cristo, não mais imersa no tempo-espaço, não se manifesta como um corpo. Só
que algum dia Cristo voltará e entrará novamente no continuum espaço-tempo quadridimensional
e, então, seu corpo se manifestará. No novo Céu e na nova Terra, Cristo estará
presente em corpo para o seu povo. Cristo, pois, tem uma natureza humana que se
manifesta como seu corpo ressurreto físico quando ele estiver no universo
espaço-temporal.