Não é tarefa fácil definir
pós-modernismo. Até porque, há quem diga que só podemos definir um período como
“pós” outro, tempos depois do próprio período
considerado como “pós”. É a primeira vez em que tal designação é dada à
época pelos contemporâneos da própria época. A época pós-moderna, portanto, é
em si mesma uma época diferente. É atribuído ao sociólogo francès,
Jean-François Lyotard, a autoria da nomenclatura “pós-modernismo”. Em seu “The Post Modern Condition: Report on
Knowledge”, Lyotard legitimiza o nome que
simboliza uma mudança cultural caracterizada pela incredulidade.
A incredulidade pós moderna, pela definição sociológica, aponta para uma
equidade das histórias que são contadas, das narrativas, o que James Sire
equiparou à cosmovisão (“O Universo ao Lado”, Edt. Press, p. 214). Logo,
pelo âmbito sociológico (aonde a terminologia foi cunhada), dirimem-se as
implicações metafísicas, filosóficas, lógicas ou teológicas que da abrangência
da mentalidade, pois a sociologia está mais interessada em definir padrões de
comportamento, não havendo sociedades e padrões epistemológicos mais ou menos corretas, mas diferentes.
Associar metanarrativas a cosmovisões
é um exercício intelectual válido, posto que a essência metafísica na pós
modernidade dá lugar à filosofia
da linguagem: Nós, nesta época, construímos o
significado das coisas. A realidade não segue o fluxo do ser para conhecer, mas do conhecer para ser,
ideal iniciado em Descartes (1596-1650).
A
filosofia racionalista, preâmbulo do que viria a ser a cerne do pensamento
pós-moderno, preocupava-se comocomo a classificamos. Para muitos, sua ´certeza a
partir da dúvida´ inaugura o pensamento moderno e traz consigo uma série de
mudanças que eclodem com o ceticismo de Hume e as Críticas de Kant (séc. XVIII). Posteriormente, surge o
Idealismo alemão, cuja expressão máxima é Hegel (1770-1831) e a loucura de Nietzsche (1844-1900), para muitos, o primeiro
grande expoente daquilo que podemos chamar de pós-moderno.
De
fato, em muitos aspectos, o pós-modernismo começa com Nietzsche. Os ideais de
supervalorização do homem que permearam o Idealismo, por exemplo, sucumbem
diante da negativa da existência de Deus, de qualquer Absoluto moral e do
conseqüente (e inevitável) pensamento que nós não passamos de um nada (niilismo). conhecemos a realidade, e portanto,
A “esperança” para
que não sucumbíssemos ao desespero melancólico propagado por Nietzsche é que construíssemos nossa realidade, e muitos acadêmicos voltaram-se a buscar
significado em meio a isto tudo perguntando qual tinha sido o objetivo do homem
através de sua história em
perguntar.
Isto que vos falo
encontra-se no âmbito filosófico. Associe o que estava acontecendo em outros
campos, na era moderna: A monarquia francesa era decapitada e a igreja católica
viu-se tendo que enfrentar uma realidade nova, iniciada na Reforma: a de que
pessoas simples poderiam (e iriam) pensar, e questionar; A Bíblia era
“desconstruída” pelos estudos de Astruc, e, na busca de um significado
unificador, promoveu-se uma “colcha de retalhos” de símbolos, autores e
interpretações, o que caiu bem à tendência européia de então de fugir do ortodoxo.
O heterodoxo era mais bem aceito, afinal pilares seculares e
até milenares estavam sendo reavaliados. Ao fim do século XIX eclodem as idéias
de Darwin e Freud – o primeiro “demitizando cientificamente a Bíblia” e colocando o homem como mais um no eterno processo natural de criação-evolução,
enquanto o segundo introduz a idéia do ´Complexo de Édipo´, resumindo todos os
anseios do homem ao sexo e negando a alma e qualquer sinal de divindade no
homem.
Na melhor das
hipóteses, portanto, o pós-moderno é sim um adendo
do moderno. Uma ramificação natural de um caldeirão que está em ebulição desde
o fim da Renascença. Estamos vivendo a continuidade de uma mescla de
pensamentos contraditórios, como a própria época, e a análise que temos de
fazer da mesma deve seguir os passos de Kuhn no seu “A Estrutura das Revoluções
Científicas”: os fatores agregados e
imperceptíveis aos olhos dos menos observadores, políticos, históricos,
culturais, sócio-econômicos, não são meros coadjuvantes na história das revoluções,
mas protagonistas.
Logo, a tarefa do
teólogo e do pastor é saber visualizar bem quais foram as tendências que
culminaram nos processos atuais, que por sua vez constituem-se em novas
tendências para futuros processos, ou as nomenclaturas históricas do amanhã.
Perguntas são feitas, a definição da equidade das (metanarrativasCosmovisões) é advogada pelos sociólogos (não se esqueça: os
que ´inventaram´ a nomenclatura), e qualquer tentativa de um retorno a padrões
aonde ainda valha a pena refletirmos sobre temas como “Absoluto”, “Ética”,
“Virtude”, “Espírito”, “Verdade”, “Bíblia” e “Deus” não somente deve consistir
em um padrão epistemológico correto, como (para não fugir das “normas” da
pós-modernidade) deve ser visual
e efetivamente
elegante. Em outras palavras, nossas respostas devem atrair para convencer.
Eis aqui, penso, o
grande misto de desafio e oportunidade da Apologética Cristã. Em sua história,
a Apologética tem sido pressuposicionalista. Esta forma de pensar foi adequada,
penso eu, até Descartes. Não há nada mais belo
e efetivo do que o bom e velho argumento ontológico, muito
apreciado pelo próprio Descartes. Deus existia porque
o próprio ato de pensarmos sobre Ele inferia a idéia de sua existência. Este é
o pensamento reverberado de Anselmo de Cantuária, que propagava já no século XI
que Deus
é o ser de quem não se pode pensar algo maior, senão ele mesmo.
Esta era a coroa da
inferência a
priori da existência de Deus. Portanto, não
era errado pressupor
a existência de Deus, a priori, pois quando pensamos em algo maior do que tudo o
que há, temos a idéia intrínseca de que Deus é maior. Deus, portanto, deveria
existir. Kant joga um balde de água fria sobre a menina dos olhos da filosofia
cristã acerca da existência de Deus, argumento simplesmente que o simples fato
de pensar sobre algo não quer dizer que aquele algo exista (Bertrand Russell, o
grande logicista da primeira metade do século XX, aplicou tal idéia ao famoso “bule que ele imaginara estar rodeando
o sol, como os demais planetas”.
Claro que a idéia era absurda...mas, ninguém podia dizer que tal bule ´não existia´, de acordo com as premissas do argumento
ontológico).
A Apologética
Cristã agora tinha um duplo desafio: não somente “crescer”, para não ser
confundida com uma mera filosofia
cristã, mas saber “crescer”. Questões, até
então impossíveis, tornavam-se prementes, como as dúvidas sobre a autoria bíblica e,
por conseguinte, sua autenticidade inspirativa, a arguição que pedia uma ´prova
consistente´ do porquê tínhamos que crer que o Deus judaico-cristão era real e
único, qual seria portanto a autoridade institucional da Igreja caso não se
encontrasse uma ou mais respostas satisfatórias. Bertrand Russell, considerado o pai da lógica
moderna, desfecha outro golpe contra a filosofia cristã, atingindo outro pilar
inabalável de evidência epistemológica da existência de Deus: o argumento
cosmológico.
Em sua lógica, Russel afirmava que do mesmo jeito que é impossível retrocedermos apenas como casualidades
de causa e efeito numa história infinita de eventos contingentes, também seria
impossível que houvesse uma divindade ´eterna´ - eternidade dá a entender
´sequência de eventos´, e a isto chamamos tempo. Se existe uma existência, esta
tem de ter ´tempo´, logo, Deus não pode ser eterno, pois se for, caímos no
mesmo problema de um universo (com seqüências de eventos contingentes) infinito. Em outras palavras, se sairmos do fogo, caímos na frigideira.