RESUMO DO DEBATE ENTRE O DR. WILLIAM L. CRAIG E O ESCRITOR SAM HARRIS: "O BEM OU A MORAL PROVÉM DE DEUS?"



O excelente resumo do debate entre o dr. William L. Craig, talvez o maior apologista cristão vivo, e o popular neoateísta Sam Harris, feito pelo Snow Ball, do blog Quebrando o encanto do neoateísmo, pareceu-me condensar bem o teor deste memorável encontro, ocorrido em 07 de Abril deste ano, na Universidade de Notre Dame. Neste debate são discutidas as perspectivas, teísta (cristã) e ateísta dos fundamentos da Moral e do Bem. Creio que o dr. Craig mostrou, mais uma vez e diante de uma "autoridade" neoateísta, porque é um dos maiores apologistas cristãos de todos os tempos!
William Lane Craig – primeiro discurso
É ótimo estar aqui e eu estou grato pelo convite da Universidade de Notre Dame. A questão da fundação correta da moralidade não é só de interesse acadêmico, mas também de interesse prático nas nossas vidas.
Vamos começar pelas concordâncias: Dr. Harris e eu concordamos que existem valores morais objetivos. Dizer isso é dizer que eles são válidos e obrigatórios independentemente da opinião humana. Dizer que o Holocausto foi objetivamente errado é dizer que ele foi errado mesmo que os nazistas que o praticaram o achassem correto; e mesmo se eles tivessem feito lavagem cerebral para todos acreditarem no mesmo.
Uma das afirmações mais valiosas do último trabalho de Harris é a forte alegação de que existem valores morais objetivos, ao contrário do que ele chama dos seus colegas “ateus moralmente niilistas e relativistas que se recusam a condenar como objetivamente errado atrocidades terríveis como a mutilação genital de garotas pequenas”.
Como diz Harris:
Se qualquer pessoa no mundo derrubasse uma pequena criança, aterrorizada e em prantos, e cortasse seus genitais com uma poderosa lâmina, a única questão seria: o quão severamente essa pessoa deve ser punida? O que não está em questão é que essa pessoa fez algo horrível, objetivamente errado.
Então a discordância no debate de hoje é: qual é a melhor fundação para a existência de valores morais objetivos? No debate de hoje, defenderei duas asserções básicas:
·                     (p1) Se Deus existe, então existe uma boa base para a existência de valores morais objetivos no mundo;
·                     (p2) Se Deus não existe, então não existe uma boa base para a existência de valores morais objetivos no mundo;
Observe que essas são afirmações condicionais. Eu não vou defender no debate de hoje a idéia de que Deus existe, que é uma pergunta diferente e que não afeta a validade condicional das minhas afirmações. Vamos para a primeira asserção: “Se Deus existe, então existe uma boa base para a existência de valores morais objetivos no mundo”.
Primeiro, teísmo providencia uma boa base para valores morais objetivos. Valores morais tem relação com o que é “bom” ou “mau”. Para o teísta, os valores morais estão fundados em Deus, que é o maior ser concebível e, portanto, o sumo bem. A natureza santa e boa de Deus providencia padrões absolutos para quais todas as ações são julgadas. Então se Deus existe, valores morais objetivos existem independentemente de seres humanos.
Segundo, teísmo providencia uma boa base para deveres morais objetivos. Na visão teísta, deveres morais objetivos são constituídos pelos comandos de Deus. A natureza moral de Deus se expressa em relação a nós em comandos, que constituem nossos deveres morais. Longe de ser arbitrários, eles são consistentes com sua natureza boa e santa, que refletem seu caráter moral.
Agora vamos para a segunda asserção. Se Deus não existe, que base resta para a existência de valores morais objetivos? Em particular, por que pensar que seres humanos – produtos acidentais da natureza, evoluídos muito recentemente em um infinitésimo pedaço de areia no Universo e que estão todos condenados a perecer individual e coletivamente dentro de relativamente pouco tempo – são dotados de valor moral objetivo em si? No ateísmo, parece difícil pensar que o bem-estar humano é mais objetivamente bom do que o bem-estar de ratos ou insetos.
Isso é o que Dr. Harris chama de “o problema do valor”. Rejeitando a teoria platônica, seu único meio é tentar fundamentar valores morais dentro do mundo natural. Mas como fazer isso se a natureza, em si mesma, é moralmente neutra? No ateísmo, valores morais são só comportamentos produzidos por fatores sociobiológicos. Assim como babuínos cooperam para sobreviver, os seres humanos também. Mas isso não faz de forma algum essa moralidade vinculante e obrigatória. Como diz Michael Ruse, “A moral é resultante da adaptação biológica, como nossas mãos e pés; ética é ilusória. Não há nenhum significado mais profundo por trás dessas ações que não possuem fundação”. Se a evolução acontecesse de novo, então pessoas com valores morais bastante diferente poderiam ter surgido, por essa posição. Sem Deus, qualquer tentativa de valorizar a moral como objetiva não passa de enganos especistas de quase-macacos num pedaço de areia sofrendo de sérias ilusões.
E como Harris resolve o problema do valor? O truque que ele propõe é simplesmente redefinir “bem” e “mal” em termos não-morais. “Nós devemos definir bem como aquilo que dá suporte ao bem-estar de criaturas conscientes. Questões sobre valores são questões de aumentar o bem-estar. Por isso, não faz sentido perguntar: maximizar o bem-estar é bom?”. Claro, pois, na sua definição, não seria nada mais do que perguntar “por que maximizar o bem-estar das criaturas é maximizar o bem-estar das criaturas?”. Seria uma tautologia. Harris resolve o problema do valor apenas redefinindo os termos. Não é nada mais do que um jogo de palavras.
E o os deveres morais? Há dois problemas. Primeiro: a ciência nos fala apenas do que “é”, não do que “deveria ser”. A ciência pode nos dizer como nós somos, mas não que nós somos errados em ser dessa maneira e que deveríamos ser de outra. Por quê devemos escolher atos que levam a um maior bem-estar humano? Sem Deus, que fundação há para deveres morais? É difícil pensar, no ateísmo, que nossos deveres não são só apenas impressões mentais subjetivas deixadas por condicionamento social.
Segundo problema: “dever” precisa de “poder”. Uma ação moral depende de uma dimensão de escolha. Por exemplo: se alguém lhe empurra contra uma criança. Você não tem culpa de ter feito isso; você simplesmente não teve escolha. Sam Harris acredita que todas nossas ações são causalmente determinadas e que não há livre-arbítrio. Harris rejeita libertarianismo e também compatibilismo. Se não há livre-arbítrio, não há responsabilidade moral para ninguém. Não há como existir deveres morais, porque, na visão de mundo de Harris, não há controle sobre aquilo que fazemos e também não há uma fonte para um dever moral.
Harris falha em dar uma base objetiva para valores e deveres morais objetivos no naturalismo. Em conclusão, nós vimos que o teísta tem uma boa base para a moralidade objetiva; mas se Deus não existe, então nós não temos uma boa base para a moralidade objetiva. Não ofereço um novo conjunto de valores morais; nós provavelmente concordamos em boa parte de nossas opiniões éticas. Ao invés disso, minha oferta é de uma boa fundação para a existência de valores morais objetivos, cuja existência nós dois concordamos. Obrigado.
Sam Harris – primeiro discurso
Estou feliz de estar aqui e debater com William Lane Craig, o apologista que parece colocar medo nos meus colegas ateus. Vocês não sabem o número de e-mails que recebi dizendo: “Por favor, irmão, não estrague tudo nesse debate!”. Mas vocês serão o juiz hoje.
Uma das razões que as pessoas dão para defender Deus não é a existência de muitas evidências, mas porque acreditam que a crença em Deus é a única fonte para moralidade objetiva. Eu também acredito que a preocupação da erosão da moralidade no secularismo não é uma preocupação vazia. Mas acho que nós poderíamos fazer grandes progressos se passássemos a entender moralidade como “florescimento do bem-estar de seres conscientes”.
Estive discutindo isso recentemente. Alguém me perguntou: “Como você pode dizer que a burca é errada?”. É evidente para mim que certo e errado se relacionam ao bem-estar humano; e forçar metade da população a viver embaixo de panos não é uma maneira de maximizar o bem-estar humano. Ela disse: “Essa é só sua opinião!” Eu perguntei sobre uma cultura que retirasse os olhos de terceiros filhos e ela também me disse que não poderíamos dizer que isso era errado. Mas essa mesma que estava disposta a perdoar culturas que retirem olhos aconselhou o presidente Obama a tratar como uma violação imoral da liberdade cognitiva usar máquinas para testar se terroristas estavam mentindo. Vejo esse duplo padrão como perigoso. E entendo que é sobre a destruição desse tipo de senso comum moral que as pessoas religiosas estão preocupadas. E espero que no final dessa hora vocês percebam que a “Crença em Deus” e “Religião” não são necessárias para uma moralidade universal.
Todos nós pensamos que a ciência pode nos ajudar a conseguir pelos fatos o que nós valorizamos – mas não dizer o que tem valor ou não. Parece científico dizer que não há nada no Universo que diga o que é certo e errado além de nossas mentes, o que parece uma projeção de nossos valores a uma realidade intrinsicamente sem valor.
Mas de onde vêm nossas noções de certo e errado? Claramente foram implantadas em nós pela evolução e moldadas pela cultura. O ciúme sexual, que deu origem ao casamento, parece uma soma desses tipos de fatores. E a Ciência não poderia dizer que é errado trair o parceiro.
Aqui é onde as pessoas religiosas começam a ficar preocupados, como acredito que deveriam. E a solução é colocar o deus de Abraão como um árbitro para a verdade moral. É errado trair porque “Javé” disse que sim em um livro sagrado – apesar de ele ser genocida e escravizador em outras partes.¹
É divertido ver Dr. Craig me acusar de apenas querer aumentar o bem-estar das criaturas conscientes no planeta. Se esse é um pecado, eu aceito. Imagino só no que Dr. Craig está focado. Ao dizer que valores se reduzem ao bem-estar de criaturas conscientes, eu estou tomando dois pontos. Vamos começar com consciência. Imagine um universo constituído de pedras. Claramente, não há bem ou mal, felicidade ou sofrimento – então valores morais não se aplicam.
E o bem-estar? Talvez isso seja discutível, mas não deveria. Aqui é a única assunção que você tem que fazer: imagine um mundo onde criaturas conscientes vivam em um estado de “maior miséria [em relação ao bem-estar] possível”. E se a palavra “mal” pudesse ser aplicada em algum lugar, com certeza seria esse. Se você não acha isso ruim, então não sei do que você está falando. A menor base moral possível é evitar o estado de “maior miséria possível para todos”. Se nós temos um dever moral de fazer qualquer coisa, então é esse.
E como o estado de seres conscientes depende da natureza, então haveria maneiras corretas ou erradas de verificar cientificamente. Esse é o argumento para verdade moral dentro da ciência:
1.                 Questões de bem ou mal dependem de mentes;
2.                 Mentes são fenômenos naturais (i.e., que dependem das leis da natureza);
3.                 Moralidade pode, logo, ser entendida em termos científicos, porque nós estamos falando de fatos naturais que influenciam o bem-estar de seres com mentes;
Eu vejo essa experiência como o “moral landscape”, que corresponde com picos de maior bem-estar e com depressões que correspondem ao maior mal-estar. E você consegue perceber esse tipo de senso comum moral, a menos que seja um bioeticista na comissão do presidente Obama.
Então as coisas podem ser boas ou ruins independentemente da opinião das pessoas. Alguns podem dizer que eu não defini “bem-estar”. Considere uma analogia com “bem-estar físico”. Isso pode parecer difícil de definir. Mas você sabe que é mais saudável que alguém sempre vomitando, gritando de dor e com febre mortal.
Ao falar de moralidade, eu acredito que estamos falando de bem-estar mental. E a verdade é que a ciência está ligada com valores. Uma frase como “A água é composta de H2O” parece neutra sobre valores. Mas se alguém duvida disso, o que podemos fazer? Apelar para os valores científicos. O valor das evidências, o valor do entendimento, o valor da consistência lógica – e se alguém não compartilha desses valores é impossível conversar com essas pessoas.
William Lane Craig – segundo discurso
Vocês lembram no meu primeiro discurso que eu disse que iria defender duas afirmações principais essa noite:
·                     (p1) Se Deus existe, então existe uma boa base para a existência de valores morais objetivos no mundo;
·                     (p2) Se Deus não existe, então não existe uma boa base para a existência de valores morais objetivos no mundo;
Harris não discordou da primeira, mas possivelmente se confundiu dizendo “se a religião não for verdadeira, então palavras como “bem” e “mal” não tem significado”. Eu não estou defendendo isso. Essa é uma confusão de ontologia moral – a fundação dos valores morais – e semântica moral – o significado de termos morais. Minhas afirmações são sobre ontologia.
Em segundo lugar, deveres morais são determinados por Deus em resposta a sua natureza moral. A resposta de Harris foi a referência a eventos da Bíblia hebraica. Mas isso é irrelevante. Há vários teóricos de comandos divinos que não são judeus ou cristãos e não precisam da Bíblia. Então essa não é uma objeção a teoria dos comandos divinos, que eu defendo essa noite. De qualquer forma, leia o livro “Is God a Moral Monster?” de Paul Copan para entender essas questões sobre a Bíblia.
E se Deus não existe, existe uma boa fundação moral para a existência de valores morais objetivos? Aqui, Dr. Harris diz “Você não precisa de religião para ter moralidade universal”. De novo, essa é confusão. É claro que não. Os nazistas poderiam ter vencido a segunda guerra mundial e imposto uma moralidade universal. O assunto não é universalidade, é objetividade. E minha posição é que na ausência de Deus, não existe uma boa fundação moral para a existência de valores morais objetivos.
Harris diz: “Nós podemos imaginar o maior estado de miséria possível e um estado onde as pessoas tenham um maior bem-estar. E é óbvio que o segundo é melhor do que o primeiro”. Mas esse não é o debate. Eu concordo que o florescimento do bem-estar é bom. A questão real é: “Se o ateísmo for verdadeiro, o que faz o maior bem-estar ser objetivamente bom?”. Criaturas podem achar que é melhor para elas terem mais bem-estar, mas o que garante que isso é objetivamente bom no ateísmo?
Sam Harris está fazendo uma confusão no uso de termos “bom” e “mau”, “certo” e “errado”, usando em termos não morais. Por exemplo, poderíamos aplicar em: “Há jogadas objetivamente boas e más no Xadrez”. Mas esses não são usos morais das palavras “objetivamente bom” e “mau”, elas são apenas direcionadas para a vitória ou não. Mas você não está sendo uma pessoa má ao fazer a jogada errada. E da mesma forma diríamos “Esse seria um bom modo de você se suicidar!”, sem nos referirmos a um valor moral de “bom”.
O contraste feito por Harris, entre uma vida boa e uma vida ruim, não é um contraste ético entre uma vida moralmente boa e uma vida moralmente má. Não é uma distinção ética e sim “prazerosa” e “miserável”. No ateísmo não temos bases objetivas para afirmar uma bondade e maldade objetivas relacionadas a isso. O que Harris fez foi tornar a propriedade p “Ser bom” é idêntica p’ “Promover o florescimento humano” e não providenciou bons argumentos para isso.
Na verdade, acho que temos um argumento definitivo contra isso. Sam Harris diz, no fim do seu livro, diz que “se estupradores, mentirosos e ladrões pudessem ser tão felizes quanto pessoas boas, então o meu “moral landscape” [N.T.: Qual seria a tradução exata para o termo? Panorama moral?] não seria mais um panorama moral. [i.e., moral landscape]. Seria apenas um continuo de bem-estar cujo picos são ocupados por pessoas tanto boas quanto más da mesma forma”. Mas antes o próprio Harris cita que 3 milhões de americanos são psicopatas. Eles não se importam com os estados mentais de outros; na verdade, eles se divertem infligindo dor nos outros. Mas isso implica que existe um mundo possível concebível onde o florescimento do bem-estar humano não é um “panorama moral”; os picos de bem-estar podem ser ocupados por pessoas más. Mas isso implica que então no mundo real que o contínuo do bem-estar e o panorama moral não são idênticos da mesma forma. Pois a identidade é uma propriedade necessária, que não pode faltar em nenhum mundo possível.² E que se existe um mundo possível onde “A” difere de “B”, isso implica que “A” e “B” não são a mesma coisa no mundo real.
Se for possível que “bem-estar humano” e “bondade moral” não sejam a mesma coisa, então a conclusão, necessariamente, é que eles não são idênticos. Logo, a visão de Harris é logicamente incoerente.
E que tal os deveres morais objetivos? Eu argumentei, da distinção entre “ser” e “dever” que o ateísmo não tem uma base para afirmar deveres. O argumento de Harris é “Se nós temos um dever moral de fazer qualquer coisa, nós temos um dever moral de evitar o maior estado de miséria possível”. Mas o problema está no antecedente: “Se nós temos um dever moral de fazer qualquer coisa (…)”. Por que no ateísmo temos algum dever moral objetivo de fazer qualquer coisa? Essa é a distinção entre “ser” e “dever”, como notaram os comentaristas, é fatal para a posição de Sam Harris.
E ainda temos o problema do “dever” precisar de “poder”. Na impossibilidade de poder fazer qualquer coisa (determinismo) nós não temos deveres, pois não temos escolhas. Nós não somos mais do que robôs agindo em resposta eletroquímicas. Não há sequer possibilidade de “deveres morais” nessa opção.
Portanto, a posição de Harris que defende o valor e dever moral objetivo dentro do ateísmo é incoerente. Obrigado.
Sam Harris – segundo discurso
Lembrem-se que Dr. Craig não oferece uma visão diferente de moralidade. O ponto todo no Cristianismo seria garantir o bem-estar eterno das almas humanas.
Não há evidências do Inferno, mas nós deveríamos pensar no que implica pensar de acordo com esse “framework” moral. Milhares de crianças são mortas antes dos 5 anos em terror e agonia – várias antes de eu terminar essa sentença. De acordo com Dr. Craig, isso tudo faz parte do plano de Deus. Qualquer deus que permite esse tipo de ação é ou impotente ou malevolente.³ E o pior disso é que, pela visão do Dr. Craig, a maior parte dessas crianças vai para o Inferno por estar rezando para o Deus errado.
Há alguma evidência para isso? Não. Apenas é dito na Bíblia. E talvez você lembre do Senhor dos Anéis, que traz afirmações semelhantes sobre os elfos.
Por outro lado, há vários serial killers na América que podem ser perdoados depois de matarem várias pessoas. E essa visão não tem relação nenhuma com responsabilização moral.
Se Deus queria nos guiar, por que ele nos deu um livro? E por que justamente um livro que apoia atos de escravidão, assassinato, etc? Dr. Craig apoia a teoria dos comandos divinos morais que afirma que Deus não tem deveres morais, mas que seus comandos refletem sua natureza boa. Foi muito bom que Dr. Craig tenha trazido o assunto da psicopatia ao debate. Essa é uma teoria psicótica porque é ilusória; simplesmente não há razões para acreditar que nós vivemos em Universo governado por um monstro invisível chamado Javé. E também porque ela é totalmente contrária ao bem-estar dos seres humanos.
Lembre dos terroristas islâmicos. Dr. Craig não pode dizer nada a não ser que eles rezam para o “deus” errado dentro da teoria dos comandos morais divinos. Esse é o verdadeiro mal da religião, ao meu ver: ela permite que as pessoas acreditam aos bilhões aquilo que apenas os lunáticos acreditariam por si mesmo.
E eu também não sou a primeira pessoa a notar que há alguma coisa errada com um deus que deseja que você acredite nele a partir de evidências ruins. É verdade que há 2.000 anos havia milagres para nos fazer crer; mas a ciência e suas descobertas das origens humanas tem feito muito mais difícil acreditar em Deus. E não somente o Deus genérico do debate de hoje oferecido por Dr. Craig, mas o Deus Pai e Jesus Cristo que o Dr. Craig suporta.
O Cristianismo é a cultura do sacrifício humano; essa é a religião que não repudia o sacrifício humano, mas que apoia tanto que celebra um único sacrifício como sendo o efetivo. Se há algum “framework” moral menos valioso do que esse proposto pelo Dr. Craig, eu ainda não ouvi qual.
William Lane Craig – terceiro discurso
Há um “framework” menos valioso que o Cristianismo: o ateísmo! O ateísmo simplesmente não tem base alguma para valores morais objetivos. E eu estou triste em notar que nesse último discurso simplesmente não houve nenhuma defesa por parte de Sam Harris para a minha segunda afirmação no debate dessa noite: “Se Deus não existe, então não existe uma boa base para a existência de valores morais objetivos no mundo”.
Eu falei sobre o problema dos valores, eu dei um argumento para demonstrar que o “panorama moral” não é idêntico ao contínuo do desenvolvimento humano, nós falamos a diferença entre deveres morais, a distinção entre “ser” e “dever”, o problema do “dever” precisa do “poder”. Nenhum desses argumentos foi respondido por Sam Harris. Então se você quiser um sistema moral bastante ruim, tente o ateísmo: simplesmente não há nenhuma fundação para valores morais objetivos lá!
E que tal o teísmo? Harris ofereceu alguns ataques para a minha primeira afirmação de que “Se Deus existir, há uma base para uma moral objetiva para o mundo”. Infelizmente, a maior parte dos ataques foram red herrings. E eu não vou me distrair por red herrings, por exemplo: “Dr. Craig não ofereceu uma alternativa moral, pois a finalidade teísta é evitar o Inferno”. Infelizmente, isso só demonstra o quão pobremente Sam Harris entende o Cristianismo. A crença em Deus não é uma espécie de seguro contra fogos; nós adoramos a Deus por quem ele é. A perfeição de Deus o torna digno de adoração. Não há nada em relação a fugir do Inferno ou aumentar seu bem-estar.
Depois, Harris diz que “não há evidências para se crer em Deus. Veja os Problemas do Mal e o Problema dos que nunca foram evangelizados”. Mas isso é irrelevante. Como eu disse no início do debate, eu não estou argumentando que Deus existe e sim sobre que, se Deus existir, em condicional, então há uma boa base para deveres morais objetivos e o vice-versa.
Em segundo lugar, quero lembrá-los que o Mal prova a existência de Deus. Afinal, se Deus não existe, então valores e deveres morais objetivos não existem. Se o Mal existe, então segue que valores morais objetivos existem, pois alguns são maus. E então segue que Deus existe.4
Observe que Sam Harris não tem como julgar o Cristianismo objetivamente. Se o ateísmo é correto, então como alguém pode dizer que um sistema é melhor do que o outro? Não há bases para tal julgamento.
Harris também diz “é psicopático acreditar nessas coisas”. Desculpe, mas essa afirmação é tão estúpida quanto é insultante. Seria absurdo dizer que Peter Van Iwagen, Thomas Flint são psicopatas. Isso é simplesmente baixar o nível.
Eu penso que não vimos nenhuma refutação para a idéia de que se Deus existe, sua natureza moral é a base para a existência de valores morais objetivos.
E que tal deveres morais objetivos? Harris reclama que “a Bíblia suporta a escravidão”. Mas isso é irrelevante, pois eu não estou defendendo a Bíblia hoje. De qualquer forma, eu sugiro a leitura do livro de Paul Copan, Is God a Moral Monster?, para ver que essa é uma visão completamente errada. Sobre os talibãs, eu diria para eles a mesma coisa que Sam Harris diria. “Deus não ordenou vocês a realmente fazerem isso”. Nós temos diferentes motivos, mas a resposta é a mesma.
Então eu acho que minha primeira afirmação não está em disputa. É óbvio que se Deus existem, valores morais existem, não são dependentes da opinião humana e estão fundadas na natureza moral de Deus, sendo objetivos. O verdadeiro debate é: o ateísmo pode providenciar uma base para a moralidade objetiva? Eu penso que vimos razões poderosas para dizer que não.
Sam Harris – terceiro discurso
Talvez vocês tenham notado que Dr. Craig tem um costume charmoso de sumarizar os pontos do oponente de uma forma diferente das que elas foram colocadas. Eu claramente não chamei esses professores de psicopatas, como deixei claro.
De qualquer forma, Dr. Craig simplesmente definiu Deus como sendo intrinsicamente bom. Não há razões para acreditar que existe um deus mal ou severo. Esse é um jogo semântico por parte dele.
E eu apresentei um caso para a moralidade objetiva no contexto científico. E isso só é um problema se você achar que a ciência e moral tem que se justificar de uma maneira que nenhuma ciência jamais foi capaz de ser. Toda ciência começa com axiomas assumidos. Uma ciência moral seria da mesma maneira que ciência médica; você só precisa assumir que a maior miséria possível fosse um cenário ruim e digno de ser evitado. Se trazer um valor para a ciência é não-científico, então o que é científico?
Dr. Craig está confuso sobre o que significa objetividade moral para a ciência. Há duas maneiras em que podemos usar os termos “objetividade” e “subjetividade”. A primeira é epistemológica (como conhecemos). Quando falamos de “objetividade” aqui, estamos falando de como estamos pensando: sem parcialidade, de acordo com as evidência, aberta para as opiniões contrárias. Essa é a fundação absoluta para a ciência. E essa também é a diferença fundamental entre ciência e religião.5
Mas ciência não ignora que há fatos que são ontologicamente subjetivos: há fatos de primeira pessoa, como “Como é ser você?”, que a ciência pode estudar e entender. Nossos estudos nos permitem entender isso. Esse é um falso reducionismo.
A dor que você sente é um fato subjetivo sobre você, mas que podemos entender. O que meu argumento quer dizer é que podemos falar objetivamente sobre classes de fatos subjetivos que vão pela “moralidade”. E isso depende do “bem-estar de criaturas conscientes”. Assim, percebemos que uma pessoa que prefere ser neurótica está objetivamente errada, pois está mais perto do pior cenário de miséria possível.
O pior cenário de miséria possível é ruim? Nós atingimos a pedra de uma discussão filosófica com as pás de uma pergunta estúpida. Devo lembrá-los que ateus também podem querer experimentar experiências típicas de pessoas religiosas. Não há nada que impeça um ateu de ficar um ano em uma caverna como um místico verdadeiro faria e meditar em compaixão. O que ateus não fazem é só alegações injustificadas sobre a natureza do Cosmos por essas experiências. Eu mesmo medito com gênios espirituais e considero Jesus um gênio. Mas não precisamos pressupor, sem evidências, algo além disso para provar desse tipo de experiência humana. E o fato de várias religiões possibilitarem o mesmo tipo de experiência demonstra que há um princípio mais fundo por trás disso tudo.
Se quisermos entender o mundo além dessas experiências, devemos usar a ciência. Nós podemos ter uma conversa do século VII usando o Corão; nós podemos ter uma conversa do século I usando o Novo Testamento; ou podemos ter uma conversa do século XXI que nos leva a completa prosperidade do aprendizado humano. Pensem nisso.
William Lane Craig – discurso final
No meu discurso final, gostaria de lembrar de alguns pontos e discussão e pensar se chegamos a alguma conclusão.
Primeiro, eu argumentei que Deus, existindo, providencia uma base para a existência de valores morais objetivos. A resposta de Sam Harris no seu último discurso é de que eu simplesmente disse que Deus seria bom caso existisse. Mas Deus é um ser digno de adoração; qualquer ser que não tenha a propriedade “ser digno de adoração” não é Deus, além de ser o maior ser concebível. Logo, ele deve ser o sumo bem ou essencialmente bom. Ao entendermos o conceito de “Deus”, entendemos porque ele seria um ser bom se existisse. E se um ser assim existisse, então haveriam valores e deveres morais objetivos.
Segundo, eu disse que se Deus não existir não temos uma base para a existência de valores morais objetivos. Eu disse que, na sua visão, é impossível que o conceito de “panorama moral” seja igual ao “panorama do florescimento dos seres conscientes”. Logo, sua visão é incoerente.
Nós também vimos que “dever” precisa de “poder”, argumento que Harris jamais respondeu durante o debate.
No seu último discurso, ele diz que “nós somente precisamos confiar em alguns axiomas”. Mas isso é o mesmo que dizer que você tem que acreditar por fé! E se esses axiomas são axiomas morais, então ele está admitindo meu ponto: no ateísmo não existe uma fundação para valores morais objetivos. Ele simplesmente os assume em um ato de fé.
Ele diz: “há várias maneiras de se referir a objetividade”. É verdade; mas eu deixei clara qual minha concepção no início do debate. E valores morais não são válidos e obrigatórios independentemente da opinião humana no ateísmo.
Ele diz: “A ciência pode estudar fatos subjetivos, como a dor”. Correto. Minha pergunta é: o certo e o errado são fatos subjetivos? No ateísmo, é difícil pensar porque eles são algo mais do que isso. E assim Dr. Harris não pode dizer, como nós dois concordamos, que a mutilação genital de uma criança indefesa é objetivamente errado, não só uma opinião subjetiva.
Ele diz: “Mas há algo de errado com neuróticos e psicopatas”. É claro, eu concordo com isso. Mas minha questão é: no ateísmo, há algum motivo para dizer que o que psicopata faz é objetivamente errado? Lembrem-se que o próprio Sam Harris disse que eles poderiam ocupar o pico de seu “panorama moral” e, portanto, ele não é moral no fim das contas.
Para concluir, eu gostaria de citar um artigo de um jornal de filosofia alemão chamado “Ética inexpressível e Lei Natural [Unspeakable Ethics and Natural Law]”. O autor se encontra no mesmo patamar que Sam Harris; ele deseja descobrir um padrão que seria objetivo e independente da opinião humana no mundo, apesar de não conseguir. Ele diz:
Qualquer tentativa de fundamenter valores morais no mundo está sujeita a resposta dos valentões do playground que não concordam com eles. Tudo que posso dizer é isso: se nós somos tudo que temos, somente se a ética fosse algo transcendente a lei [moral] poderia ser não-natural e, portanto, incapaz de ser desafiada. Como as coisas são hoje em dia, tudo é capaz de ser moral; e no entanto, espancar bebês é errado. Deixar os pobres morrerem na miséria é uma ação má. Comprar e vender uns aos outros é uma perversão; e há definitivamente, no mundo, algo como o mal. Todos juntos agora perguntam: por quem?
Que Deus nos ajude.
Obrigado.
Sam Harris – discurso final
Quantos de vocês são muçulmanos devotados? Há alguma mão levantada? Toda defesa que Dr. Craig disse hoje, com algumas modificações, pode ser dito em defesa do Islã – e, de fato, já foi dito em defesa dele. A lógica é a mesma. Nós temos um livro que diz sobre a natureza da moralidade e como devemos viver.
E se eles estiverem certos? Como devemos ver Deus, ou devo dizer Allah, em termos morais? Nós nascemos na cultura errada. Dr. Craig está condenado; não é preciso dizer. Eu fui confundindo pela Ciência. Onde está a compaixão de Allah? Por que Allah não muda essa situação? Pense em quão pouca preocupação você teve pensando nisso.
Escrituras foram escritas por pessoas que tinham menos acesso à ciência e ao senso comum menor do que qualquer pessoa nessa sala. Pense em quanto a mente de Abraão, Moisés… ou mesmo Jesus e Maomé eram fechadas. Mas Dr. Craig acredita que os autores da Bíblia sabiam tudo o que precisavam sobre o Cosmos para nos guiar nessa vida. Eu quero sugerir para vocês que essa visão da vida não pode ser possivelmente verdadeira. Assim como não há “física cristã”, não pode haver uma “moral cristã”; qualquer coisa que podemos discutir sobre esses assuntos, espiritualmente e moralmente, pode ser descoberta agora.
Nós devemos descobrir o maior número de fatos que permita ao maior número de nós viver uma vida realmente digna de ser vivida. E isso pode ser construída através de uma civilização global. Esse é o nosso desafio. Sectarismo moral a partir de Deus não é a maneira correta de seguirmos, sem falar no fato que não há evidência, em primeiro lugar, para adotar a visão teísta. Nós só precisamos de honestidade intelectual. Se a fé esteve certa sobre alguma coisa, foi por acidente. Muito obrigado.
Notas:
1.                 Você pode conferir minha previsão sobre esse padrão de comportamento na discussão da existência da moral objetiva nesse post: Evitando gafes em debates
2.                 A platéia não deve ter entendido, mas o argumento é simples. Leia o meu post sobre o problema do mal que talvez as coisas fiquem mais claras:Paradoxo de Epicuro/Problema do Mal
3.                 Faço a mesma recomendação. Sobre essa frase leia o artigo sobre o Problema do Mal, mas agora não focando na parte introdutória sobre modalidade: Paradoxo de Epicuro/Problema do Mal
4.                 Argumento Moral.
5.                 Ciência permite discussão, religião não”.