O "FATALISMO TEOLÓGICO" PASSA NO TESTE DA BOA LÓGICA? NÃO... E É SIMPLES PERCEBER AS RAZÕES.

 


Nós estamos estudando a onisciência divina e o fatalismo teológico – se o fato de Deus conhecer antecipadamente tudo o que vai acontecer faz com que tudo aconteça necessariamente. Se Deus conhece de antemão tudo o que vai acontecer, então como pode haver livre-arbítrio? Se Deus já sabe que você irá fazer determinada coisa, como você pode se abster de fazê-la?
Fatalismo é a visão de que tudo o que acontece, acontece necessariamente. Fatalismo teológico é a visão de que, porque Deus conhece tudo de antemão, tudo acontece necessariamente. O argumento em defesa do fatalismo teológico é o seguinte:
Tomemos X como sendo qualquer evento que você escolha arbitrariamente.
1. Necessariamente, se Deus conhece antecipadamente que X irá acontecer, então X irá acontecer. (Isso decorre do que configura conhecimento. Conhecimento é crença verdadeira justificada – é o que é verdadeiro. Então, se Deus sabe que X irá acontecer, X irá acontecer.)
2. Deus prevê que X irá acontecer.
3. Portanto, necessariamente, X irá acontecer. (Então X não pode ser livre – tudo o que acontece, acontece necessariamente.)
Esse é o argumento em defesa do fatalismo teológico. O que eu indiquei no último encontro é que esse argumento é logicamente inválido. Ou seja, ele desobedece às regras da lógica. Tudo o que resulta das duas premissas é:
3.* Portanto, X irá acontecer (e não, “necessariamente, X irá acontecer.”)
A partir do fato de que Deus sabe de antemão que X irá acontecer, é possível ter certeza de que X irá acontecer. Mas isso não significa que isso irá acontecer necessariamente. Poderia deixar de acontecer, mas não vai. Se fosse para deixar de acontecer, então Deus não teria conhecido X de antemão.
A presciência de Deus é muito parecida com uma máquina do tempo. À guisa de ilustração, irei me valer de uma cena do filme Bill and Ted’s Excellent Adventure [Bill & Ted – Uma Aventura Fantástica] (esse é o meu filme favorito sobre viagens no tempo!). Nele, Bill e Ted têm uma máquina do tempo que lhes permite ir para o passado ou para o futuro. Quando eles voltam do futuro, eles são colocados na prisão, e eles dizem um ao outro: “Como vamos sair daqui? Estamos trancados.” Um deles tem, de repente, uma idéia: “Eu sei! Vamos para o passado e vamos deixar as chaves aqui para que possamos abrir a cela e sair.” O outro diz: “Ótima idéia! Onde vamos colocá-las?” “Lá, sob o cesto de lixo!” Então eles vão lá olhar debaixo do cesto de lixo e lá estão as chaves onde eles as deixaram quando foram para o passado! A partir do fato de que eles encontram as chaves sob o cesto de lixo, você sabe que eles irão voltar no tempo e deixá-las lá. Mas isso significa que eles irão necessariamente voltar e deixá-las lá? Não, eles poderia fracassar em voltar e em deixar as chaves. Mas se eles tivessem fracassado em voltar, então as chaves não estariam lá para serem encontradas. A partir do fato de que as chaves estão sob o cesto de lixo, você sabe que eles irão voltar no tempo e deixá-las lá, mas isso não significa que eles não fazem isso livremente. Eles poderiam ter decidido livremente não deixar as chaves lá, mas, se fizessem isso livremente, então as chaves não estariam lá quando eles olhassem.
Espero que essa ilustração tenha transmitido a idéia de que nós temos o poder de fazer X ou não-X, e, qualquer que seja a escolha, Deus a conhecerá antecipadamente. Mas o fato Dele prever a escolha não a determina ou a torna necessária.

Discussão

Pergunta: Parece que isso seria compatível apenas com a Teoria B do tempo. Se Deus sabe o que irá acontecer, então parece que é preciso haver uma cadeia fatalista de eventos de causa e efeito, de modo que Ele saiba que, se Ele causar algo, tudo irá se desenrolar na Teoria A do tempo. O conhecimento de que algo irá acontecer no futuro – para que Ele saiba que realmente vamos fazer esse algo – parece pressupor uma Teoria B do tempo.
Resposta: Eu acho que o que você está perguntando é uma questão completamente diferente do que estamos tratando agora. Você está perguntando: como Deus pode conhecer de antemão o futuro se esses eventos não são causalmente determinados por eventos no presente? Essa é uma questão posterior, que podemos tratar daqui a pouco. O que estamos perguntando agora é simplesmente: se Deus conhece esses eventos, isso implica que tudo está fadado a ocorrer? Eu acho que você pode ver que não há essa implicação. Então, vamos jogar para frente essa pergunta sobre como Ele conhece o futuro. O que eu vou dizer mais tarde pode ter algumas implicações a respeito disso.
Pergunta: Na conclusão nº 3, “necessariamente” é a palavra que você está ligando a Deus causando X? Se você retirasse a palavra “necessariamente”, essa seria uma afirmação verdadeira, não seria?
Resposta: Essa é a (3*). Se você remover “necessariamente”, isso é verdade, isso realmente é resultado de 1 e 2. Mas não acho que “necessariamente” aqui é uma necessidade causal! Lembre-se de que eu disse no último encontro que essa é a coisa mais louca sobre o fatalismo. O fatalismo não está dizendo que tudo está causalmente determinado para acontecer. Ele postula uma restrição à liberdade humana que é completamente incompreensível porque ele diz que X poderia ser um evento sem causa, totalmente indeterminado, e, ainda assim ,ele está fadado a acontecer apenas pelo fato de Deus conhecê-lo – o que é ininteligível. O argumento tem de ser falacioso, porque o fatalismo postula uma restrição à liberdade humana que é completamente ininteligível.
Pergunta:Isso nos dá uma boa desculpa quando fazemos algo idiota.
Resposta: Sim, você pode dizer que foi a vontade de Deus ou algo desse tipo. Mas o argumento não irá funcionar.
Pergunta: Isso diz respeito à liberdade humana. Os reformadores diriam que somos livres para fazer o que quisermos, mas que nós só queremos fazer o que é ruim. Portanto, quando Deus muda o nosso coração, essa é a causa de nós fazermos algo de bom.
Resposta:Sim, isso é diferente daquilo. Lutero acreditava que, em virtude da presciência de Deus, tudo estava destinado a ocorrer. Mas isso não é o que Calvino pensava. Calvino não pensava que, simplesmente em virtude de Deus conhecer o futuro, tudo estava destinado a ocorrer. Mesmo se você acreditar que o homem é pecador e caído e que ele não pode fazer qualquer boa obra, ainda assim podemos dizer que ele tem uma variedade de pecados entre os quais ele pode escolher. Ele pode escolher entre vários pecados; assim, se X é um ato pecaminoso, não estamos afirmando que temos a capacidade de fazer algo de bom, mas você tem a escolha entre pecados a cometer. Eu não acho que esse é realmente o cerne da questão. O cerne da questão é se, em virtude de se conhecer algo, esse algo acontece necessariamente.
Pergunta: A questão para mim é Deus fazer o bem acontecer.
Resposta: Esse não é o tema aqui. Restrições causais não são o problema aqui. Isso vai aparecer quando falarmos sobre a providência e a soberania de Deus. Esse é apenas um argumento a respeito do conhecimento disso da parte de Deus. Você poderia adotar a posição de Calvino – que é a de que, em virtude de Deus conhecer um evento com antecedência, as coisas não têm de acontecer, mas, sim, que, em virtude da soberania e da providência de Deus, Deus fez tudo acontecer. Assim, Calvino não é um fatalista; ele é um determinista. Você vê a diferença? Deterministas causais acham que tudo é causado. Calvino não era um fatalista. Ele não acha que, simplesmente em virtude de Deus conhecer o futuro, tudo estava fadado a acontecer.

Pergunta: Quando você diz: “O homem tem a liberdade de fazer qualquer mal que ele escolha,” Deus também tem a capacidade de parar isso, porque ele pode mudar o coração dessa pessoa a qualquer momento. Nesse caso, o homem realmente não tem a liberdade que ele pensa ter, se Deus pode levá-lo a mudar os seus maus propósitos.
Resposta: Mais uma vez, você está levantando questões relacionadas à providência de Deus e Sua relação de causalidade com o mundo, e não é disso de que se trata. Trata-se apenas de Deus conhecer o futuro. Estamos estudando a doutrina da onisciência divina e da alegação por parte de um grupo de pessoas conhecidas como “teístas abertos”, que são evangélicos, mas que negam a presciência de Deus. Eles dizem que Deus faz apostas arriscadas, que ele não sabe o que vai acontecer. Esse é um movimento significativo que está dividindo as igrejas evangélicas. É um movimento crescente do qual precisamos estar alertas. Mas não diz respeito a determinismo causal. Essas pessoas acreditam que, se Deus conhece as coisas, então tudo acontece necessariamente. Uma vez que eles acreditam que nós temos liberdade, eles negam a presciência de Deus, o que leva à negação da onisciência de Deus, o que, por seu turno, leva à negação da perfeição de Deus. Essa não é uma questão acadêmica. Estou tentando explicar por que estamos gastando tempo com isso. Essa é uma questão de vital importância para a igreja de hoje – nós devemos acertar o nosso entendimento a respeito da onisciência e da presciência divina.
Uma pergunta foi feita na semana passada sobre por que não se poderia redefinir onisciência de tal forma que a ignorância de Deus de atos livres futuros não significasse que Ele não conhece tudo. E se definirmos onisciência não como Deus conhecendo todas as verdades, mas como conhecendo todas as verdades que são logicamente possíveis de se conhecer. O teísta aberto pode dizer que Deus conhece tudo o que é logicamente possível conhecer, mas não é logicamente possível conhecer as ações livres futuras dos homens, e, portanto, isso não resulta em qualquer violação da onisciência de Deus. Deus conhece tudo o que é logicamente possível conhecer, e é assim que a onisciência deve ser definida, de acordo com o teísta aberto.
O problema é que, mesmo nessa definição equivocada de onisciência, Deus ainda assim não é onisciente. O argumento apresentado pelos teístas abertos é o seguinte.
Seja P qualquer declaração de tempo futuro sobre alguma ação, como: “Jorge vai comer pizza no almoço de sábado.”
O argumento é o seguinte:
1. Não possivelmente (Deus conhece P antecipadamente e P é contingentemente verdadeiro). (Ser contingentemente verdadeiro é o oposto de ser necessariamente verdadeiro. Se P é um ato livre, então é apenas contingentemente verdadeiro que “George come pizza no sábado.” Não é necessariamente verdadeiro – já vimos que isso é falso; isso é fatalismo teológico. Não há boas razões para se acreditar que não é possível que Deus conheça P antecipadamente e P seja contingentemente verdadeiro. Mas vamos fazer de conta que essa premissa é verdadeira; suponhamos que é verdade que não é possível que Deus possa conhecer P antecipadamente e P ser contingentemente verdadeiro.)
2. P é contingentemente verdadeiro.
3. Portanto, não é possível que Deus conheça P antecipadamente.
Se não é possível que Deus conheça P antecipadamente e P seja contingentemente verdadeiro, então, dado que P é contingentemente verdadeiro, não é possível, portanto, que Deus conheça P antecipadamente. Esse é o argumento usado para mostrar que não é possível que Deus conheça de antemão essas contingências futuras, e que, portanto, isso não infringe a Sua onisciência.
O problema é que esse argumento também é logicamente inválido. Ou seja, ele viola as regras da lógica. Tudo o que resulta dessas duas premissas é: “Portanto, Deus não conhece P antecipadamente.” Não resulta que é impossível que Deus conheça P antecipadamente. Ele poderia conhecer P, mas, nesse caso, apenas resultaria que ele não conhece. O argumento não mostra, de fato, que não é possível que Deus conheça P de antemão. Portanto, isso significa que, se Ele não conhece P antecipadamente, Ele não é onisciente, porque (lembrem-se) a definição revisada diz: “Para ser onisciente você tem de conhecer tudo o que é logicamente possível conhecer”, e aqui podemos ver que não é verdade que é logicamente impossível que Deus conheça P. É possível que Deus conheça P antecipadamente.
Isso apenas adiciona um pouco mais de informação sobre a questão anterior que mostra que, mesmo se você revisar a doutrina da onisciência (de modo que somente Deus conheça o que é logicamente possível conhecer), ainda assim Ele não é onisciente. Isso porque há coisas que são logicamente possíveis de se conhecer, e Ele não as conhece. Portanto, Ele não seria onisciente mesmo na definição revisada (que é, em si, insuficiente).
Sei que isso é complexo, mas me pareceu que essa questão era importante e precisava ser tratada um pouco mais profundamente.
Em conclusão a esta seção sobre a presciência divina e a liberdade humana, acredito que podemos dizer que não há nenhuma boa razão para pensar que, em virtude do conhecimento de Deus sobre o futuro, tudo está fadado a ocorrer. Deus conhece antecipadamente tudo o que vai acontecer, ele conhece de antemão cada proposição verdadeira, incluindo proposições de tempo futuro. E isso é perfeitamente compatível com contingência e liberdade.

Discussão

Pergunta: Se Deus tem conhecimento prévio de alguma coisa, esse algo pode não acontecer?
Resposta: Eu diria que, ainda que Deus tenha presciência de algo, esse algo poderia deixar de ocorrer. Ainda que Deus conhecesse X antecipadamente, X poderia deixar de ocorrer. Mas não irá. Se isso viesse a deixar de ocorrer, então Ele não conheceria isso.
Pergunta: Essa é meramente uma questão de tempo? Se eu me sentar aqui e pensar sobre o que você vai dizer em seguida, eu poderia ser capaz de dar um bom palpite sobre quais palavras você vai usar. Mas se eu pudesse realmente ver o futuro, então eu saberia quais palavras você usaria, mas eu não as teria afetado ou dirigido.
Resposta: Isso está correto! É por isso que eu digo que o fatalismo é apenas ininteligível – como pode o fato de você saber quais palavras eu irei dizer ter qualquer efeito sobre o que eu vou dizer? O fatalismo tem que ser falso, pois ele postula uma restrição que não faz qualquer sentido.
Pergunta: Você poderia dizer que algo poderia acontecer por alguma razão ou alguma causa e, portanto, seria verdadeiro independentemente de ser ou não ser necessariamente verdadeiro.
Resposta: Eu acho que não entendi você; mas o que causa o evento é irrelevante aqui. Nós não estamos falando de determinismo causal. Simplesmente não importa por que o evento ocorre em termos de suas causas.
Pergunta: Conclusão (3*) é verdadeira. Também seria necessariamente verdadeiro.
Resposta: Poderia ser, mas não em virtude da presciência divina. A presciência divina não implica que algo ocorrerá necessariamente, que é o que o fatalista diz.
Pergunta: Então, o que você tem até agora é que Deus conhece tudo, o homem ainda tem livre arbítrio, mas as Escrituras não dizem também que Deus é a causa de tudo?
Resposta: Isso é o que vamos falar quando chegamos à doutrina da providência. Falaremos sobre isso quando chegarmos a doutrina da providência e da soberania. Aqui estamos falando apenas de onisciência.
Pergunta: Você pode explicar como isso se conecta com a forma como, por exemplo, Jonas escreveu o seu livro e os eventos nele e como Deus previu aqueles eventos.
Resposta: Eu lhe indicaria a aula da primeira seção sobre a Doutrina do Apocalipse, onde vimos a doutrina da inspiração e onde eu falo sobre como Deus sabe o que cada pessoa faria livremente em qualquer conjunto de circunstâncias em que ela fosse colocada. Então, ao saber que o profeta ou o apóstolo estava num determinado conjunto de circunstâncias, Deus sabia que ele iria escrever livremente o livro de Romanos ou o livro de Jonas, e, assim, é possível que tenhamos uma doutrina de inspiração das Escrituras que não implique numa teoria de inspiração ditada. Esse material foi tratado naquela seção. Isso é útil quando se fala sobre a doutrina da inspiração.
Pergunta: Com relação à presciência de Deus de eventos, aqueles eventos são considerados eventos potenciais? Esses não são eventos reais, correto? 
Resposta: Você está trazendo um outro problema aqui. A atualidade [actuality] ou não desses eventos futuros conhecidos por Deus irá depender da sua teoria do tempo. Suponha que você tem um gráfico onde o tempo é o eixo vertical e o Big Bang está no ponto 0 do eixo do tempo e o Big Crunch está em algum ponto t* no futuro, onde o universo ou entra em colapso ou termina. Em uma Teoria B do tempo, todos os eventos no tempo e no espaço são igualmente reais. Então, se estamos no tempo do meio t, os eventos em t + 1 são atuais [actual] na Teoria B do tempo. Eles são reais e atuais [actual]. Mas se você é um defensor da Teoria A do tempo, então você não acha que o futuro é real, mas meramente potencial. Tudo o que existe é o que existe agora. Então eventos futuro que Deus sabe antecipadamente que irão acontecer não existem em nenhum sentido. Nesse sentido, você pode dizer que a série de eventos é potencialmente infinita – que irá durar para sempre, sem fim. Mas o futuro não é realmente infinito, porque realmente não há eventos futuros, pois eles não existem. Então, isso dependerá de qual teoria de tempo você adota.

Pergunta: Não seria possível que o absurdo da soma de um número infinito de eventos seja usado contra a soma de eventos futuros potenciais?
Resposta: Somente se eles são reais; e eu não acho que haja um número realmente infinito de eventos futuros. Na verdade, eu não acho que existam eventos futuros. Eu não acho que eles existem de modo algum. Não há eventos futuros. Eles não existem. Haverá eventos, mas na medida em que eles ocorrem, eles serão potencialmente infinitos. Eles vão continuar e continuar para sempre. Mas, na verdade, não existem eventos futuros na Teoria A do tempo.

Conhecimento Médio

Vamos seguir para a próxima seção, que trata do segundo problema relacionado à onisciência de Deus. Essa é a questão do que eu chamo de “conhecimento hipotético” de Deus. Muitas vezes, as pessoas fazem a seguinte pergunta: “Por que Deus criou o mundo, se ele sabia que ele teria tantos problemas e coisas ruins?” Aqui temos de fazer uma distinção importante entre a presciência de Deus e o que podemos chamar de Seu conhecimento hipotético. Presciência de Deus é o seu conhecimento de tudo o que será. Ele sabe o que vai acontecer. Por outro lado, o Seu conhecimento hipotético é o Seu conhecimento de tudo o que ocorreria em certas circunstâncias.
Uma de minhas ilustrações favoritas disso é a cena maravilhosa do Christimas Charol [Um Cântico de Natal] de Dickens, quando Scrooge é confrontado pelo Espírito dos Natais Futuros. Depois de ver as cenas horríveis da morte Tiny Tim e da sua própria morte, Scrooge pergunta ao Espírito: “Diga-me, Espírito, essas são premonições que irão se concretizar ou que somente poderão se concretizar?” E o Espírito não responde. Na verdade, Scrooge estava fazendo a pergunta errada. O que o Espírito estava mostrando não eram premonições de coisas que ocorrerão. Ele não estava mostrando ao Scrooge o futuro atual [actual]. Sabemos que, no final da história, Tiny Tim não morreu, que Scrooge reformou a própria vida e aprendeu a celebrar o Natal e a mantê-lo em seu coração. Então, essas não eram cenas do que iria acontecer. Mas o Espírito também não estava mostrando ao Scrooge somente cenas do que poderia acontecer. Qualquer coisa pode acontecer. O que ele estava mostrando ao Scrooge era o que aconteceria se o Scrooge não se arrependesse. Ele estava mostrando ao Scrooge o conhecimento hipotético do que aconteceria caso Scrooge não se arrependesse.
Assim, quando uma pessoa pergunta, “se Deus sabia que o mundo teria tantos problemas, por que Ele o criou?”, ela não está falando da presciência de Deus. Se Deus sabe que é assim que as coisas serão, é, em certo sentido, “tarde demais” para fazer qualquer coisa sobre isso. O futuro, por definição, é o que vai ser. Então, se Deus sabe que será desse jeito, é assim que será. Ao invés disso, o que a pessoa está realmente perguntando é, Deus tinha conhecimento do rumo que o curso dos acontecimentos tomaria se Ele criasse o mundo, de modo que Ele pudesse dizer: “Oh, parece que vai ser ruim! Eu não vou fazer isso, eu vou abster-me de criar o mundo.” Isso é conhecimento hipotético. O que a pessoa realmente está presumindo é que Deus teria conhecimento hipotético do rumo que as coisas tomariam se o mundo fosse criado de determinada maneira.
Isso é, de fato, uma questão controversa. Nem todos os teólogos concordam com isso. Alguns teólogos dizem que Deus não tem esse tipo de conhecimento hipotético sobre o que aconteceria se ele criasse o mundo. Ele teria conhecimento prévio do que iria acontecer, mas Ele não teria conhecimento hipotético. Se você aceita essa visão, isso permite que você deixe de lado completamente essa pergunta, pois Deus não sabia como seria o mundo se Ele o criasse de determinada maneira. Portanto, ele não poderia ser responsabilizado pela forma como o mundo é. Se Deus não tem esse tipo de conhecimento hipotético, Ele não pode ser responsabilizado pelos problemas do mundo existente.
Por outro lado, acredito que há fortes razões teológicas para se pensar que Deus tem, de fato, esse tipo de conhecimento hipotético divino. A Bíblia fala da soberania divina e da providência sobre tudo o que acontece no mundo. Na visão cristã, o mundo não é apenas uma espécie de acidente cósmico. Pelo contrário, Deus planejou o mundo nos seus mínimos detalhes. Tudo o que acontece no mundo acontece, ou pela vontade direta de Deus, ou, pelo menos, com a Sua permissão. Esse tipo de planejamento providencial do mundo requer conhecimento hipotético da parte de Deus. Deus precisa saber o que cada criatura livre faria em qualquer circunstância em que Deus poderia criá-la. Assim, através da criação de certas pessoas em certas circunstâncias, Deus pode fazer com que os Seus fins sejam alcançados através da livre decisão das pessoas.

Este tipo de processo seria inimaginavelmente complexo. Basta pensar no que estaria envolvido na realização de um único evento na história, por exemplo, a vitória dos Aliados no Dia-D. Deus teria de ter todas as pessoas certas em todos os lugares certos para livremente tomarem todas as decisões certas, e, naturalmente, isso depende de seus pais e de sua educação, da forma como foram criadas, e, simplesmente, de uma miríade de fatores que em breve se tornariam incompreensíveis para uma mente finita. Somente uma mente infinita poderia ter a compreensão da complexidade necessária para se planejar um mundo de criaturas livres através desse conhecimento hipotético.
Isso resolveria o dilema da soberania divina e da liberdade humana. Deus é soberano sobre o mundo no sentido de que Ele cria as pessoas que Ele quer nas circunstâncias em que Ele quer, sabendo como elas iriam escolher livremente, de modo que Seus fins são finalmente atingidos através das decisões livres dessas pessoas. Então, Deus é soberano e, ainda assim, as pessoas são livres.
Este tipo de conhecimento hipotético tem um nome técnico – ele é chamado de “conhecimento médio,” porque ele se localiza entre o conhecimento que Deus tem de tudo o que poderia ser e o Seu conhecimento de tudo o que será. É o seu conhecimento de tudo o que ocorreria sob um determinado conjunto de circunstâncias.
Suponha que Deus tenha esse tipo de conhecimento médio. Como seria possível responder à pergunta: “Por que Deus criou um mundo com tantos problemas como os que temos em nossas mãos?” A resposta poderia ser que as opções de Deus poderiam ser limitadas. Ou seja, dado que Deus queria que as criaturas fossem livres, pode ser que elas tivessem buscado o caminho errado em qualquer mundo que Deus tivesse criado. Em todo o mundo de criaturas livres, é possível que essas criaturas seguissem o caminho errado e introduzissem o pecado e a corrupção no mundo. Assim, em qualquer mundo que é factível para Deus criar que tenha determinada quantidade de bem nele, também haveria determinada quantidade de sofrimento e de mal.
Em todas as circunstâncias em que Deus cria uma pessoa, a vontade de Deus é que essa pessoa faça a coisa certa – que ela se abstenha do pecado, que ela faça a coisa moralmente correta. Mas Deus sabe que, se Ele colocasse certas pessoas em determinadas circunstâncias, elas iriam pecar, não iriam fazer a coisa certa. Deus, então, permite isso. Ele não quer que elas pequem, mas, sabendo que é esse caminho que elas escolherão livremente, Ele permite que elas façam essas escolhas. Mas, em sua providência, Ele ordena o mundo de tal forma que, no cômputo final, Ele cria um mundo em que há muito mais bem do que o mal. E é nesse mundo que o seu propósito final será alcançado, ou seja, um mundo em que há uma multidão de pessoas no céu de todas as tribos, línguas, povos e nações que venham a conhecê-Lo e a Sua salvação. Portanto, podemos estar confiantes de que a escolha do mundo por Deus é a escolha mais sábia. Apesar dos sofrimentos e das injustiças da vida, o mundo está sob a direção soberana de Deus. Assim, esse será um mundo em que, em última análise, multidões de pessoas serão salvas e virão a conhecê-Lo, e esses males e sofrimentos do mundo são permitidos apenas com esse bom propósito em mente.
O que isso significa é que o ônus está realmente sobre nós – nós é que criamos os problemas do mundo pelas nossas próprias escolhas e decisões livres. Não é Deus que é culpado pelo mundo ser do jeito que é, mas nós. Por isso, temos de nos voltar para Ele em busca de perdão e purificação moral pelos problemas que criamos no mundo.
Discussão
Pergunta: De acordo com essa lógica, Deus criou este mundo como sendo a sua escolha mais sábia dentre todos os mundos possíveis a serem criados.
Resposta: Sim, embora isso não signifique que exista uma única escolha mais sábia. Poderia haver uma gama de boas escolhas que Ele poderia fazer.
Pergunta: Eu gostaria de trazer o exemplo da idéia de que vivemos no melhor dos mundos possíveis, que Voltaire ataca impiedosamente em seu livro.
Resposta: O que eu estou dizendo não está comprometido com isso. Há muitos mundos possíveis que são melhores do que este, mas que podem não ser viáveis para Deus criar porque suas opções são limitadas pela vontade livre de Suas criaturas. Você poderia dizer que talvez haja um mundo onde exista uma multidão de criaturas que livremente nunca pequem, nunca façam qualquer mal, e que todas elas vão para o céu. Esse seria um mundo muito melhor do que este. Mas não é viável para Deus criar um mundo assim porque em qualquer mundo de criaturas livres que Ele crie que tenha tantas coisas boas como este, haveria também determinada quantidade de males e sofrimento. Então, eu não estou sugerindo, de modo algum, que este é o melhor de todos os mundos possíveis. É uma diferença entre um mundo possível e mundos que são viáveis ou factíveis para Deus dada a liberdade humana.

Pergunta: [faz uma interpretação teológica de por que Deus usou a crucificação como o método da morte de Cristo. E Deus criou o mundo para que “o bom fosse muito bom e o mau muito mau”]
Resposta: Uma coisa que você apresenta que é uma questão teológica muito profunda é “o bem da morte expiatória de Cristo.” Alguns teólogos têm defendido que o bem da morte sacrificial de Cristo na cruz é um bem que é tão grande que, de fato, um mundo em qual males horríveis e pecados existem é, no cômputo final, na verdade melhor do que um mundo sem pecado, porque o mundo sem pecado não teria esse grande bem da morte expiatória sacrificial de Cristo e essa demonstração tremenda do amor de Deus. Esse é um ponto muito interessante. Por que pensar que um mundo sem pecado ou mal é necessariamente um mundo melhor do que um mundo em que há pecado tremendo, a depravação e o mal, mas há também esse bem tremendo e esmagadoramente grande da redenção que está em Cristo? Eu acho que é um ponto muito profundo para se ponderar. Pode muito bem ser o caso de que esse é um bem que é tão grande que justifica Deus ter criado um mundo que tem males horriveis.

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