O
melhor motivo para o ressurgimento da filosofia é que a menos que um homem
tenha uma filosofia, certas coisas horríveis acontecerão a ele. Ele será
prático; ele será progressista; ele cultivará a eficiência; ele acreditará na
evolução; ele realizará o trabalho dele mais próximo e imediato; ele se
devotará a feitos, não a palavras. Assim, atingido por rajadas e mais rajadas
de estupidez cega e destino aleatório, ele caminhará trôpego para uma morte
miserável, sem nenhum conforto, exceto uma série de slogans; tais como esses
que cataloguei acima. Essas coisas são simples substitutos dos
pensamentos. Em alguns casos, eles são pedaços esparsos do pensamento de
alguém. Isso significa que um homem que se recusa a ter sua própria filosofia
não terá nem mesmo a vantagem de uma fera, a de ser deixado à mercê de seus
próprios instintos. Ele terá apenas os esgotados fragmentos de alguma filosofia
alheia; o que as feras não precisam herdar; daí sua felicidade.
Os homens sempre têm uma de duas coisas: ou uma completa e consciente
filosofia ou uma inconsciente aceitação de fragmentos dispersos de alguma
incompleta, devastada e, freqüentemente, desacreditada filosofia. Esses
fragmentos dispersos são as frases que eu citei: eficiência, evolução etc. A
idéia de ser “prático”, em si mesma, é tudo que resta de um Pragmatismo que não
se sustenta. É impossível ser prático sem uma Pragma.
E o que aconteceria se você abordasse o próximo homem prático que encontrasse e
dissesse ao pobre pateta: “Onde está sua Pragma?” Fazer o trabalho mais próximo
e imediato é um nonsense óbvio; mesmo assim, isso é repetido em muitos
almanaques. Em noventa por cento dos casos, isso significaria fazer o trabalho
a que você menos se adequasse, tal como limpar janelas ou esmurrar um policial.
“Feitos em vez de palavras” é, em si mesmo, um excelente exemplo de
“Palavras em vez de pensamentos”. Jogar uma pedra no lago é um feito e mandar
um preso para a forca é uma palavra. Mas, há palavras verdadeiramente fúteis;
quase inteiramente delas consiste esse tipo de jornalismo científico popular e
filosófico.
Alguns têm medo de que a filosofia os entediará ou os
confundirá; a razão é que eles não pensam apenas numa série de longas palavras,
mas também num novelo de complicadas noções. Essas pessoas deixam de perceber
toda a natureza da atual situação. Esses são os males que já
existem; principalmente pelo desejo de uma filosofia. Os políticos e os jornais
estão sempre usando longas palavras. Não se constitui em uma completa
consolação o fato de eles as usarem erradamente. As relações políticas e
sociais já são desesperadamente complicadas. Elas são muito mais complicadas do
que qualquer página de metafísica medieval; a única diferença é que os
medievalistas podiam desembaraçar o novelo e entender as complicações; os
modernos não podem. As
principais coisas práticas atuais, como corrupção financeira e política, são
enormemente complicadas. Nos contentamos em tolerá-las porque nos contentamos
em não entendê-las, em vez de compreendê-las. O mundo dos negócios precisa de
metafísica – para simplificá-lo.
Eu sei que essas palavras serão recebidas com escárnio, e com a
reafirmação mal-humorada de que não é momento para nonsense e paradoxo; e que o
que é realmente desejável é um homem prático para ir em frente e limpar toda a
bagunça. E um homem prático, sem dúvida, aparecerá, um de uma sucessão
interminável de homens práticos; e ele, sem dúvida, irá em frente, e talvez
“limpará” alguns milhões para si próprio e deixará uma bagunça maior ainda; tal
como os homens práticos anteriores fizeram. A razão é perfeitamente simples.
Esse tipo de pessoa excessivamente rude e sem consciência sempre aumenta a
confusão; porque ela está à mercê de diferentes motivos ao mesmo tempo; e ele
não os distingue. Um homem tem, já totalmente entrelaçado em sua mente, (1) um
desejo entusiástico e humano por dinheiro, (2) um desejo pedante e superficial
de estar progredindo, ou indo pelo caminho de todo mundo, (3) um desconforto
por ser considerado muito velho para se relacionar com os jovens, (4) uma certa
quantidade de um vago, mas genuíno, patriotismo ou espírito público, (5) uma
incompreensão do erro cometido pelo Sr. H.
G. Wells, na forma de um livro sobre a Evolução. Quando um homem tem
todas essas coisas dentro de sua cabeça e nem sequer tenta resolvê-las, ele é
chamado, pelo consenso e aclamação geral, um homem prático. Mas do homem
prático não se pode esperar algum aprimoramento em relação à impraticável
confusão; pois, ele não pode sequer organizar a confusão de sua própria mente,
o que dizer de sua altamente complexa comunidade e civilização. Por alguma
estranha razão, é comum dizer que esse tipo de homem prático “sabe o que faz”.
É claro que isso é exatamente o que ele não sabe. Ele pode, em alguns casos
felizes, conhecer o que ele quer, como um cachorro ou um bebê de dois anos; mas
mesmo assim, ele não sabe o porquê de seu desejo. E é o porquê e ocomo que deve ser considerado quando
estamos elucidando a razão de uma cultura ou tradição ter se tornado tão
confusa. O que precisamos,
como os antigos entenderam, não é um político que é um negociante, mas um rei
que é um filósofo.
Peço desculpas pela palavra “rei”, que não é estritamente
necessária no contexto; mas eu sugiro que seria uma das funções do filósofo
ponderar sobre tais palavras e determinar se elas têm ou não importância. A
República Romana e todos os seus cidadãos tinham um horror enorme da palavra
“rei”. Como conseqüência eles inventaram e nos impuseram a palavra “imperador”.
Os grandes republicanos que fundaram a América também tinham horror da palavra
“rei”; que depois reapareceu com a especial qualificação de um Rei do Ferro, um
Rei do Petróleo, um Rei do Porco, ou outros monarcas similares, feitos de
materiais semelhantes. O negócio de um filósofo não é necessariamente condenar
a inovação ou negar a distinção. Mas é sua tarefa perguntar-se exatamente o que
é que ele ou os outros desgostam na palavra “rei”. Se o que ele desgosta é um
homem usando um casaco cheio de manchas, feito de pele de um animal chamado
arminho, ou um homem que tinha um anel de metal colocado sobre sua cabeça por
um clérigo, ele terá de decidir. Se o que ele desgosta é que tal casaco ou tal
poder seja passado de pai para filho, ele perguntará se isso ocorre nas
condições comerciais correntes. Mas, de qualquer forma, ele terá o hábito de
testar a coisa pela reflexão; por meio da idéia de que gosta ou desgosta; e não
meramente pelo som da sílaba ou a aparência das letras da palavra.
Filosofia é meramente pensamento que foi cuidadosamente
considerado. É, freqüentemente, muito enfadonho. Mas, o homem não tem
alternativa, exceto entre ser influenciado pelo pensamento refletido ou ser
influenciado pelo pensamento irrefletido. O último
é o que comumente chamamos, hoje, de cultura e erudição. Mas
o homem é sempre influenciado por pensamento de algum tipo, seu próprio ou de
alguém; de alguém que ele confia ou de alguém de quem ele nunca ouviu falar,
pensamento de primeira, segunda ou terceira mão; pensamento de lendas
esquecidas ou de rumores não confirmados; mas sempre algo com a sombra de um
sistema de valores e uma razão para preferência. Um homem testa qualquer coisa
por meio de alguma coisa. A questão aqui é se ele alguma vez testa o teste.
Tomarei um exemplo, entre milhares que poderia escolher. Qual é
a atitude de um homem comum ao ser informado sobre um evento extraordinário: um
milagre? Quero dizer um tipo de coisa que é informalmente chamado de
sobrenatural, mas que deveria ser chamado propriamente de preternatural. Pois, a palavra
sobrenatural aplica-se somente ao que é mais elevado que o homem; e muitos
milagres modernos são como se viessem de um lugar consideravelmente inferior.
De qualquer forma, o que os homens modernos dizem quando se confrontam com algo
que, aparentemente, não pode ser explicado naturalmente? Bem, a maioria dos
homens modernos diz asneira. Quando
uma tal coisa é mencionada, em romances e em histórias de jornais ou revistas,
o primeiro comentário que se ouve é, “Mas, meu caro amigo, este é o século XX!”
Vale a pena ter um pequeno treino em filosofia, se não por outras razões, pelo
menos para não parecer tão surpreendentemente idiota. A afirmação tem, no todo,
muito menos sentido ou significado do que, “Mas, meu caro amigo, estamos numa
tarde de terça-feira.” Se milagres não podem acontecer, eles não acontecem nem
no século XX, nem no século XII. Mas se eles podem acontecer, ninguém pode
provar que em algum momento determinado eles não possam acontecer. O
melhor que pode ser dito para um cético é que ele não pode explicar o que ele
quer dizer, e portanto, o que quer que ele queira dizer, ele não pode explicar
o que diz. Mas se ele somente quer dizer que se poderia acreditar em milagres
no século XII, mas que não se pode acreditar neles no século XX, então, ele
está errado novamente, tanto em teoria quanto em fatos. Ele está errado em
teoria, porque um inteligente reconhecimento de possibilidades não depende de
datas mas de filosofia. Um ateu poderia ter desacreditado em milagre no
primeiro século e um místico poderia continuar a acreditar em milagres no
século XXI. E ele está errado em fatos, porque há fortes indícios que haverá
muito misticismo e um grande número de milagres no século XXI; e há,
certamente, um crescente número deles no século XX.
EXEMPLO DE UMA REUNIÃO PARA PRÁTICAS ESPÍRITAS, COMUM ENTRE AS
CLASSES MÉDIAS E RICAS NO FAMOSO – PORÉM, POUCO ESTUDADO – RENASCIMENTO DO
NEOPAGANISMO NA EUROPA E NOS EUA, EM FINS DO SÉCULO XIX E PRIMEIRA METADE DO
SÉCULO XX.
Mas, eu tomei aquela primeira resposta superficial porque há um
significado no mero fato de que ela apareça em primeiro lugar; e sua própria
superficialidade revela algo do subconsciente. É uma resposta quase automática;
e palavras ditas automaticamente são de alguma importância em psicologia. Não
sejamos tão severos com o valoroso cavalheiro que informa seu caro interlocutor
que este é o século XX. Nas profundezas misteriosas de seu ser, mesmo aquela
enorme asneira significa realmente alguma coisa. A questão é que ele não pode
explicar o que ele quer dizer; e este é o argumento para uma melhor educação em
filosofia. O que ele realmente quer dizer é algo como, “Há uma teoria a
respeito desse misterioso universo para a qual mais e mais pessoas ficaram inclinadas
durante a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do XIX; e até este
ponto pelo menos, essa teoria cresceu com um crescente número de invenções da
ciência às quais devemos nossa presente organização – ou desorganização –
social. Essa teoria afirma que causa e efeito têm, desde o início, operado numa
seqüência ininterrupta como um destino fixo; e que não há nenhuma vontade por
atrás ou no interior desse destino; de tal forma que ele deve trabalhar na
ausência de tal vontade, como uma máquina deve funcionar sem a presença de um
homem. Havia mais pessoas no século XIX que acreditavam nessa particular teoria
do universo do que havia no século IX. Eu mesmo acredito nela; e portanto eu,
obviamente, não posso acreditar em milagres.” Isso faz completo sentido; mas
também faz a contra-afirmação; “Eu não acredito nela; e portanto eu,
obviamente, acredito em milagres.”
A vantagem de um hábito filosófico elementar é que ele permite a
um homem, por exemplo, entender uma afirmação como esta, “O fato de poder ou não poder
haver exceções a um processo depende da natureza do processo”. A desvantagem de não ter esse hábito é
que um homem se tornará impaciente mesmo com um truísmo tão simples; e
chama-lo-á lixo metafísico. Ele, então, disparará a seguinte afirmação: “Não se
podem ter tais coisas no século XX”; o que é realmente um lixo. Mesmo assim, a
última afirmação pode ser explicada a ele em termos suficientemente simples. Se
um homem vê as águas de um rio caminhando rio abaixo, ano após ano, ele terá
razão em considerar, podemos dizer em apostar, que isso acontecerá até que ele
morra. Mas, ele não terá razão em dizer que as águas do rio não podem caminhar
rio acima, até que ele saiba porque elas correm rio abaixo. Dizer que isso
acontece por causa da gravidade responde a questão física mas não a filosófica.
Somente se repete que há uma repetição; não se toca na questão mais profunda
sobre se essa repetição pode ser alterada por algo proveniente do exterior. E
isso depende da existência de algo no exterior. Por exemplo, suponha que um
homem tenha visto o rio apenas num sonho. Ele poderia ter sonhado noventa e
nove sonhos, sempre se repetindo e sempre com as águas fluindo rio abaixo. Mas,
isso não evitaria que o centésimo sonho pudesse mostrar o rio subindo a montanha;
porque o sonho é um sonho, e há algo exterior a ele. Mera repetição não prova
realidade ou inevitabilidade. Devemos conhecer a natureza da coisa e a causa da
repetição. Se a natureza da coisa é uma Criação, e a causa da coisa um Criador,
em outras palavras, se a própria repetição é somente a repetição de algo
desejado por uma pessoa, então, não é impossível para essa mesma pessoa desejar
uma coisa diferente. Se um homem é um idiota para acreditar num Criador, então
ele será um idiota para acreditar num milagre; mas não ao contrário. Ao
contrário, ele é simplesmente um filósofo que é consistente com sua filosofia.
Um homem moderno é livre para escolher qualquer uma das
filosofias. Mas, a verdadeira questão do homem moderno é que ele não conhece
nem mesmo sua própria filosofia, mas somente sua própria fraseologia. Ele pode
somente responder à próxima mensagem produzida pelo espiritualista, ou à
próxima cura atestada por doutores em Lourdes, com a repetição do que são,
geralmente, nada mais que frases; ou são, na melhor das hipóteses,
preconceitos.
Assim, quando um brilhante homem como o Sr. H. G. Wells diz que
tais idéias sobrenaturais se tornaram impossíveis para “pessoas inteligentes”,
ele não está (neste caso) falando como uma pessoa inteligente. Em outras
palavras, ele não está falando como um filósofo; porque ele não está nem mesmo
dizendo o que ele quer dizer. O que ele quer dizer não é “impossível para
homens inteligentes”, mas, “impossível para monistas inteligentes”, ou,
“impossível para deterministas inteligentes”.Mas, não é uma negação da
inteligência afirmar qualquer concepção lógica e coerente de um mundo tão
misterioso. Não é uma negação da inteligência pensar que toda experiência é um
sonho. Não é pouco inteligente pensá-la como uma ilusão, como alguns budistas
fazem; muito menos pensá-la com um desejo criativo, como fazem os cristãos.
Estamos sempre ouvindo que os homens não devem manter as divisões tão
pronunciadas de suas religiões. Como um passo imediato em direção ao progresso,
é mais urgente que eles sejam mais claros e mais pronunciadamente divididos em
suas diferentes filosofias.