ENTREVISTA COM O PASTOR TIM KELLER SOBRE FÉ E TRABALHO



O pastor da Redeemer Presbiterian Church [Igreja Presbiteriana do Redentor] explica como ele ministra aos que estão confusos por questões ligadas à carreira profissional.

Entrevista feita por Andy Crouch para a revista Christianity Today e traduzida por Eulália Pacheco Kregness. Publicada com autorização.

Poucas metrópoles teriam sido melhores do que Nova York para Tim Keller escrever um livro sobre carreira e vocação profissional. “Em Nova York as pessoas vivem para trabalhar”, explica o pastor da Redeemer Presbyterian Church em Manhattan e autor de Como integrar fé e trabalho: nossa profissão a serviço do reino de Deus (publicado por Edições Vida Nova). “Elas passam mais tempo no trabalho do que em casa. Então [...] quando alguém fala sobre trabalho, acerta em cheio seus corações”.

Em conversa com Andy Crouch, produtor executivo de This Is Our City, Keller explicou o que o motivou a escrever um livro mais abrangente sobre fé e trabalho, como encontrou respostas para as dúvidas que pessoas de sua igreja tinham em relação ao trabalho, e como a Redeemer tem equipado seus membros para exercer sua vocação profissional fora da igreja.

Andy: O que falta nos livros sobre fé e trabalho que a sua obra Como integrar fé e trabalho se propõe a oferecer?

Tim: Quando lia sobre fé e trabalho, eu observava que os livros sobre o tema geralmente não conversavam entre si. Minha impressão era que bebiam de diferentes correntes de pensamento, talvez diferentes temas bíblicos ou históricos. Tenho a mania de tornar as coisas mais complexas. Gosto de manter os diferentes temas bíblicos em tensão. A meu ver, a maioria dos livros sobre fé e trabalho tende a isolar determinada ideia. O meu livro procura integrar as diferentes correntes sobre o tema.

Que correntes de pensamento se mostram mais ausentes quando se trata da questão fé e trabalho?

Depende de quem falamos. Para mim a tradição evangélica, por exemplo, destaca como a fé nos ajuda espiritualmente a lidar com os problemas e os estresses do trabalho. Precisamos de ajuda para encarar os desafios.

Já as igrejas protestantes liberais tendem a destacar mais a justiça social e basicamente criticaram o capitalismo desde o início. Sempre que essas igrejas ou o movimento ecumênico se envolveram com a questão fé e trabalho, geralmente foi para criticar o mercado, e não para saber: “Como está o seu coração?”.

A corrente luterana, por sua vez, enfatiza que todo trabalho é trabalho de Deus. Para ela a cosmovisão é irrelevante. Fabricar um excelente par de sapatos é realizar o trabalho de Deus, porque Deus cuida da criação por intermédio do trabalho.

A corrente calvinista afirma que ao cuidarmos da criação por intermédio do trabalho, também a moldamos, e, então, nossas crenças influenciam esse processo.

Quando integramos essas quatro correntes, elas se tornam bem abrangentes. Se as isolamos, elas geram idiossincrasias, na melhor das hipóteses, e desequilíbrios, na pior delas.

Apreciei muito o fato de o senhor não ter escrito apenas sobre pessoas em cargos de grande autoridade e prestígio, embora trate do assunto. O senhor também incluiu pessoas que, devido ao estágio da vida em que se encontram ou às reviravoltas do destino, acham que não fazem muita diferença no trabalho.
O que o senhor diria a quem pensa: “Sabe, estou preso a esse trabalho e não tenho como mudar as coisas no momento”?


Eu lhes apresentaria as correntes luterana e evangélica [são bastante úteis].

A corrente evangélica enfatiza o coração: Como você lida com as frustrações? Como você trata aquele colega a quem gostaria de estrangular? Como você lida com o fato de, aparentemente, ninguém perceber que você realiza um excelente trabalho?
 
Essa corrente nos leva a Efésios 6 — Deus vê nosso trabalho. É pietismo, mas no bom sentido da palavra. Você se transforma no Irmão Lourenço [da Ressurreição] e pratica a presença de Deus. O Senhor espera que eu faça um excelente trabalho hoje. Ele está me observando.

A corrente luterana ensina que Deus alimenta todos os habitantes da terra. A camponesa humilde que ordenha as vacas, o caminhoneiro que transporta o leite, o varejista que o comercializa, todos estão fazendo o trabalho de Deus — e isso mostra que não existe trabalho insignificante, desde que a tarefa esteja realmente ajudando alguém, desde que não seja venda de pornografia pela internet ou coisa parecida. Lutero confere uma imensa dignidade a todos os tipos de trabalho. Eu até mesmo afirmaria que não existe um modo cristão de aterrissar um avião, mas que existe, sim, um modo cristão de escrever peças teatrais. Creio que minha fé influencia automaticamente meu jeito de escrever. Não creio que influencie automaticamente meu jeito de aterrissar um avião.

Uma reclamação dos jovens profissionais vai um pouco além do que estamos falando aqui. “Detesto meu trabalho. Não é só o fato de eu exercer pouca influência. A verdade é que não aguento mais fazer a mesma coisa todos os dias”. Como o senhor pastoreia alguém nessa situação?
Ouço muito essa reclamação.

O que geralmente explico é que temos de aprender o básico de nossa profissão. Digo: “Olha, você tem de conquistar respeito, tem de construir sua reputação, entender como funcionam os relacionamentos no local de trabalho. Caso contrário, jamais conseguirá trabalhar em sua profissão de uma maneira que seja mais orientada por valores”. Resumindo, faça tudo o que lhe for pedido, desde que não tenha de ferir sua consciência. Se o profissional está fazendo um monte de coisas totalmente supérfluas, são supérfluas apenas a curto prazo porque a longo prazo ele está adquirindo conhecimentos que irão ajudar seus semelhantes. A pessoa pode mudar de empresa ou abrir seu próprio negócio, porém, se ela não aprender a superar a chateação de fazer coisas supérfluas, pelo menos por um tempo, talvez jamais cresça em seu campo de trabalho. Nunca será sal e luz nesse campo mais tarde.

Como o senhor aprendeu a pastorear bem em uma cidade onde quase tudo gira em torno de trabalho?

Prática. Acho que minha primeira epifania foi quando um ator de novelas aceitou a Cristo em nossa igreja e veio conversar comigo. Ele disse: “Agora que sou cristão, tenho duas perguntas para o senhor. Primeira, que papéis devo e não devo representar? [...] Imagino que o enredo não tenha de ser religioso para beneficiar os telespectadores, mas o que é um bom enredo, e o que é um mau enredo?”

“Certo”, respondi. “Qual foi mesmo a segunda pergunta?” (risos)

“O que o senhor acha da arte de representar? ... [na qual] o ator não finge estar com raiva, ele de fato fica com raiva. Não finge excitação sexual, mas de fato sente isso. Ele se comunica com algo no mais íntimo do ser e vive isso de coração.” Respondi: “Não me parece assim tão bom”, contudo eu não sabia o que fazer, pois ele queria ser discipulado para agir na vida pública, não simplesmente ser discipulado para viver mais e mais na igreja.

Assim que ele começou a dizer: “Tenho algumas questões sobre o que significa ser cristão no mundo artístico”, percebi que estávamos em pé de igualdade. Eu sabia de coisas que ele não sabia, e vice-versa. O discipulado seria igualitário, discipulado comunitário, e eu não estava preparado para essa tarefa. Provavelmente minha descoberta mais importante foi que, como igreja, temos uma longa jornada a percorrer.

Como as igrejas se tornam competentes em enviar ao mercado de trabalho e a outras áreas do contexto cultural profissionais que saibam integrar fé e trabalho?

Tenho de mencionar o Center for Faith and Work [Centro para fé e Trabalho] de nossa igreja e sua fundadora, Katherine Leary Alsdorf. Oferecemos ali um programa específico de discipulado, teológica e espiritualmente sólido, chamado Gotham Fellows; esse programa é bastante direcionado ao universo do trabalho.

Temos ainda o Entrepreneurship Forum [Fórum para o empreendedorismo], que é um curso de plantação de igreja para leigos. Esse programa reúne pessoas com experiência na criação de empresas com fins lucrativos, sem fins lucrativos e em projetos artísticos. Elas recebem ajuda financeira para implantar programas que elas idealizam e que não são programas concebidos pela igreja. Os interessados desenvolvem habilidades, recebem orientação. Nosso objetivo é que os leigos iniciem novos projetos.

A maioria das igrejas realiza algo parecido, algo que é chamado plantação de igreja: alguns pastores se unem e recebem recursos financeiros e de pessoal, e são enviados a iniciar novas igrejas. Trata-se de um projeto voltado para fora da igreja, mas apenas pastores participam dele. O Entrepreneurship Forumtambém é uma maneira de fazer pessoas participarem de projetos fora da igreja, mas por meio da iniciativa de leigos.

Entrevista publicada originalmente na revista Christianity Today, em 22 de abril de 2013: http://www.christianitytoday.com/thisisourcity/7thcity/why-tim-keller-wants-you-to-stay-in-that-job-you-hate.html.