Este
artigo foi escrito à Associação Nacional dos Juristas Evangélicos – ANAJURE, em
processo seletivo no qual se concorria a uma semana de aulas sobre liberdade
religiosa e suas facetas na sociedade brasileira. Fico feliz em ter sido
aprovado e aproveito para compartilhar este texto, de modo que sirva para
edificação da Igreja e Glória do Senhor Jesus. Eis o artigo:
Trata-se
de grave erro cometido pelos operadores do Direito desconsiderar as
contribuições e inspirações que a Cosmovisão Cristã – considerando-se para tal
toda a Escritura Sagrada: Antigo e Novo Testamentos – propiciaram ao Direito.
Muitos dos valores atualmente internalizados pelo Direito têm sua origem nos
ensinos da Bíblia.
Ao
se traçar um breve relato comparativo entre as verdades teológicas e o Direito,
verifica-se que as Sagradas Escrituras serviram como fonte inspiradora do
Direito através dos séculos. Nesse prisma, pode-se verificar, por exemplo, a
previsão da Lei de Deus quanto ao devido processo legal. Além disso, confere-se
nas Sagradas Escrituras uma das primeiras distinções da História entre dolo e
culpa.
Ao
prever cidades de refúgio[1] para aqueles que cometeram um homicídio sem a
intenção de matar, ou seja, sem animus necandi, o Direito Mosaico
assegurava que o homicida fosse posto em uma cidade separada até que aguardasse
um julgamento justo por quem de Direito, ou seja, por um juiz natural da época.
Vê-se claramente que conceitos jurídicos tão largamente utilizados
hodiernamente como dolo/culpa, devido processo legal e juiz natural têm sua
origem há cerca de 3.600 anos, consoante previstos na Bíblia.
Ainda
de forma comparativa, as diretrizes bíblicas já orientavam aos magistrados
quanto à impessoalidade ao julgar, ao preconizarem que não deveria haver
injustiça no juízo, nem favorecendo o pobre, nem comprazendo ao grande; com
justiça deveria ocorrer o julgamento do próximo[2]. O próprio Cristo
revolucionou os aspectos legais da época, ao derrogar a famigerada lei de
talião, a qual previa a recompensa na mesma medida. Jesus assim disse:
Ouvistes
que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não
resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também
a outra; e, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe
também a capa; e, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele
duas.[3]
Vê-se
nas palavras de Jesus a proibição da “justiça pelas próprias mãos”, ou seja, da
autotutela. No Direito, a tutela Jurisdicional é monopolizada pelo conceito de
Jurisdição, por meio da qual a aplicação da norma é atividade exclusiva do
Estado.
Ademais,
vencida a falácia de que os preceitos cristãos em nada podem contribuir para a
sã normatização e aplicação do Direito, há que se tecer alguns comentários
quanto à relação entre o Direito e a defesa da liberdade religiosa.
A
liberdade religiosa tem sofrido grandes ataques, principalmente por ideologias
pautadas em preceitos contrários ao Cristianismo.
É
intrínseco ao ser humano o direito de se expressar e de crer. Um dos grandes
iluministas da História da Humanidade, ateu diga-se de passagem, Voltaire,
bradou com propriedade: “Posso até não concordar com nenhuma palavra
do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de falar.” Voltaire
expunha, no séc. XVIII, o direito básico de pensar, expressar-se e até de crer.
O
italiano Giovanni Pico Della Mirandola, em sua obra escrita no séc. XV: O
Discurso sobre a Dignidade do Homem, defende que a dignidade do homem – tão em
voga nos discursos jurídicos atuais – está relacionada a dois principais
fatores, quais sejam: o Direito de filosofar, ou seja, de pensar, e o Direito
de crer.
Outrossim,
clarividente é que a liberdade religiosa se trata de uma conquista fundamental
do homem, não podendo ser restringida, mitigada ou suplantada por aqueles que
não concordam com a religião. Ademais, vê-se constantemente o discurso – como
álibi de que o direito de liberdade religiosa não pode ser exercido em sua
plenitude – de que a liberdade religiosa tem limites, como por exemplo, a
proibição de que a religião interfira na ideologia do Estado. Ora, os
defensores dessa falácia esquecem, ou fazem questão de olvidar, que o Estado é
laico, mas as pessoas que o compõem não o são. Além disso, o conceito de
separação entre Estado e Igreja é utilizado com sentido contrário ao seu real
significado.
É que
a primeira vez em que se usou a expressão “separação entre Estado e Igreja” foi
na carta de Tomas Jefferson a uma Igreja Batista na cidade de Danbury, Estado
do Connecticut, que dizia o seguinte:
Acreditando
com vocês que a religião é uma questão que diz respeito exclusivamente ao homem
e seu Deus, que ele deve prestar contas a ninguém mais por sua fé ou culto, que
os poderes legislativos do governo estendem-se somente a ações e não a
opiniões, contemplo a reverência soberana desse ato de todo o povo americano,
que declarou que seu legislador ‘não fará nenhuma lei respeitante ao
estabelecimento de religião ou à proibição de seu livre exercício’,
construindo, assim, um muro de separação entre Igreja e Estado.”[4]
Desta
feita, ao contrário do que se apregoa com o discurso “separação entre Igreja e
Estado”, é que este não pode interferir no Direito de liberdade religiosa, tão
caro às sociedades civilizadas.
Portanto,
a cosmovisão cristã teve e continuará tendo influência sobre o Direito, dado
que é impossível extrair a fé dos indivíduos, indivíduos estes que se
relacionam socialmente, relação esta dirigida e supervisionada pelo Direito, o
que, por conseguinte, conflui para necessidade de defesa da liberdade
religiosa, valor de suma importância a todo ser humano.
Grande
abraço,
Referências:
[1]
Cidades de refúgio: Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: Fala aos filhos de
Israel, e dize-lhes: Quando passardes o Jordão à terra de Canaã, fazei com que
vos estejam à mão cidades que vos sirvam de cidades de refúgio, para que ali se
acolha o homicida que ferir a alguma alma por engano. E estas cidades vos serão
por refúgio do vingador do sangue; para que o homicida não morra, até que seja
apresentado à congregação para julgamento. (…) Serão por refúgio estas seis
cidades para os filhos de Israel, e para o estrangeiro, e para o que se
hospedar no meio deles, para que ali se acolha aquele que matar a alguém por
engano. Nm 35:9-15
[2]
Levítico 19:15.
[3]
Mateus 5:38-41
[4]
GEISLER, Norman; MEISTER, Chad. Razões para Crer. Rio de Janeiro: CPAD.
2013. p. 133.
Autor: Hélio Roberto