Pensar no cotejo de vida
profissional e vida espiritual deve começar pela recusa a duas posturas
possíveis, radicalizadas e opostas, ambas equivocadas. De um lado pode-se
imaginar que o interesse de Deus esteja restrito às nossas vidas espirituais, e
à comunhão que nesta esfera mantemos com Ele, de forma a concluir-se que o modo
que exercemos nossa profissão seja para Ele indiferente.
O extremo oposto é
imaginar-se que Deus se interessa pela totalidade de nossa vida, o que abrange
por evidente a vida profissional, de modo que assim como quer dirigir nossos
passos em geral, deseja fazê-lo também na seara profissional, escolhendo (ou
seria melhor dizer, impondo) por nós a profissão que Ele quer que exerçamos (a
premissa deste pensamento é correta, Deus de fato se interessa pela totalidade
de nosso ser, mas é distorcida a conclusão, porque o interesse de Deus não é
sinônimo de imposições insensíveis e desconsideração da individualidade de cada
um).
A idéia apresentada no
primeiro parágrafo é errônea porque Deus não compactua com um exercício
profissional que se desenvolva de modo a comprometer nossos princípios
cristãos. Um verdadeiro encontro com Cristo proporcionará ajustes, quando
necessários, na vida profissional. E o exemplo mais evidente desta realidade é
o efeito da salvação sobre a vida de Zaqueu que imediatamente procurou reparar
aos que havia lesado com seu fraudulento meio de exercício profissional mantido
até então (Lc 19.8).
Já acerca do ponto mencionado
no segundo parágrafo, é bom deixarmos claro que embora seja muito importante
buscarmos orientação profissional da parte de Deus, precisamos ter "olhos
que vejam" e "ouvidos que escutem" a voz do Senhor, que por
vezes se manifesta a nós até mesmo pelas nossas próprias inclinações e
preferências pessoais, afinal, foi Ele quem nos entreteceu no ventre de nossas
mães (Is 44.2, 24). A vocação que sentimos para determinada profissão, ou
apenas para uma área será, em alguns casos, a mais eloqüente manifestação da
orientação de Deus. De todo modo, lembre-se de que educação vocacional é um
processo que dura a vida toda, de modo que a escolha inicial não tem obrigação
de ser definitiva, mas é melhor dar um pequeno passo, do que nenhum (COLLINS,
Gary R. Aconselhamento cristão - edição século XXI. São Paulo, Vida Nova, 2011,
p. 646-647).
É interessante neste passo
pensar que Jesus usou a Pedro, que era pescador por profissão, para pescar,
como forma de prover o pagamento do imposto das duas dracmas, conforme referido
em Mt 17.24-27. Ou seja, Deus por vezes nos usará através de nossos talentos e
inclinações naturais (os quais, a rigor, provém também dEle).
"Cada um de nós deve
partir de duas premissas: temos que aceitar o fato de que os desdobramentos do
nosso futuro profissional estão nas mãos de Deus e são guiados pelo Espírito
Santo; porém, como mordomos, cabe a nós a responsabilidade de desenvolver
nossos próprios talentos, aptidões e habilidades" (COLLINS, Gary R. Aconselhamento
cristão - edição século XXI. São Paulo, Vida Nova, 2011, p. 639).
Segundo a concepção de Tim
Sanders, chefe do núcleo de criação intelectual do Yahoo! (em
www.motivaonline.com.br/artigo/48177-conheca-os-tres-pilares-da-realizacao-profissional,
acesso em 08/01/2012), a realização profissional se assenta sobre três pilares:
i) Conhecimento: ao invés de
valor agregado, pense em conhecimento agregado. Fala-se aqui de toda sorte de
conhecimento que se pode acumular, tanto o aprendizado que decorre da própria
experiência num trabalho, como aquele que se adquire em livros, manuais, e até
leituras aparentemente casuais e de lazer. Mais do que isto, saiba o que está
fazendo e porquê, torne-se um especialista na sua área, seja ela qual for.
Defina um projeto de vida, que é mais que simplesmente definir metas e
objetivos. A relização profissional é baseada tambem no autoconhecimento
(conhecer-se o suficiente para saber o que lhe favorece a autoestima, quais são
suas virtudes e defeitos, etc. Cf. www.each.usp/prouniversidade/?p=356, acesso
em 11/01/2012).
ii) Rede de relacionamentos:
cada nome em nossa agenda representa um parceiro em potencial, para nós ou para
pessoas que conhecemos. Criamos valor com o nosso conhecimento, mas ele só se
realiza quando o compartilhamos com a nossa rede.
iii) Compaixão: fala-se da
capacidade de demonstrar afeto, de sentir compaixão ou empatia. A forma como
somos percebidos como seres humanos está se tornando um aspecto cada vez mais
importante da nova economia. À medida que o mundo se torna mais competitivo nós
disputamos também a emoção das pessoas. É importante o que as pessoas pensam de
você, mas mais importante o que elas sentem a seu respeito.
Todos estes pilares são
biblicamente amparados. Quanto ao primeiro citado, por exemplo, veja-se o que
está dito em Provérbios, cap 4.7-9: "A sabedoria é a coisa principal;
adquire, pois, a sabedoria; sim, com tudo o que possuis, adquire o
conhecimento. Exalta-a, e ela te exaltará; e abraçando-a tu, ela te honrará.
Dará à tua cabeça um diadema de graça e uma coroa de glória te entregará".
No verso 26 do mesmo capítulo retro citado encontramos o conselho de que todos
"os teus caminhos sejam bem ordenados" o que confirma a necessidade
de um bom planejamento profissional (um "projeto de vida" conforme
afiançamos).
Quando pensamos na importância
de valorizar uma rede de relacionamentos, anotamos que Deus usará esta mesma
teia de parceiros para cumprir os Seus propósitos em nossas vidas, basta
lembrar que foi a amizade feita entre José e o copeiro-chefe de Faraó que Deus
usou para levar o jovem hebreu diante da Corte faraônica, e dali ao cargo de
Governador (Gn 41.9).
Demonstrar compaixão e
empatia foi um dos baluartes do Ministério de Cristo, que sempre enfatizou que
deveríamos fazer aos outros aquilo que gostaríamos que fizessem por nós (Mt
7.12), o que, aplicado à vida profissional, denota que devemos ser aos nossos
patrões (ou, enfim, aos superiores em geral) o empregado (ou o subordinado) que
gostaríamos de ter. Também não nos esqueçamos que seremos medidos com a medida
com que medirmos, e que a lei da semeadura não falha, aquilo que o homem
plantar, isto também ceifará, de modo que se você é um empregado mesquinho,
preguiçoso, indisposto e falador, fatalmente colherá os louros por esta
postura.
Lembremos o que está dito em
Provérbios 10.4-5: "O que trabalha com mão enganosa empobrece, mas a mão
dos diligentes enriquece. O que ajunta no verão é filho sábio, mas o que dorme
na sega é filho que envergonha".
Havia uma prática comum aos
romanos e a outras nações orientais, nos casos de caravanas oficiais, que era a
de obrigar o povo a equipar e preparar cavalgaduras e carruagens, inclusive
obrigando-os ao serviço pessoal de indivíduos, por exemplo, carregando cargas.
Tendo em mente este quadro, Jesus profere as palavras registradas em Mateus 5.41:
"e se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas". A
idéia de Cristo é bem aplicável à vida profissional: faça mais do que te pedem,
e se possível, antes que te peçam, e sem mesquinharia com o relógio de ponto
(p.ex. se for possível terminar uma tarefa mesmo que com um pequeno atraso no
horário de saída, faça-o, mesmo sem perspectiva de receber por horas extras).
Diversas outras dicas
profissionais poderiam ser ressaltadas. Mas duas mais nos parecem de relevo em
especial para o cristão. A primeira se refere à comum orientação de que se
"vista a camisa da empresa". A este respeito há enorme plêiade de
textos bíblicos, alguns até constrangedores, como é o caso de 1Pe 2.18-19:
"Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor ao senhor, não somente ao bom
e humano, mas também ao mau; porque é coisa agradável que alguém, por causa da
consciência para com Deus, sofra agravos, padecendo injustamente"
(destacamos).
Os empregados cristãos devem
servir a seus patrões como se servissem ao Senhor, não apenas em aparência ou
na presença deles, mas efetivamente de coração, pois a promessa é que do Senhor
ele receberá sua recompensa (Cl 3.22-25), de modo que mesmo servindo a um
patrão injusto ou abusivo, Deus proverá o justo reconhecimento ao servo. Além
disto, o trecho sublinhado estabelece uma correspondência entre vida espiritual
e profissional: esta será normalmente o retrato daquela.
Alguns, que têm o privilégio
de servir a empregadores cristãos, equivocadamente valem-se desta circunstância
para abusarem, sabendo que estes tendem a serem mais compassivos e perdoadores.
Ora, a diretiva paulina é exatamente a oposta: justamente por serem irmãos na
fé, estes patrões devem ser ainda mais honrados e valorizados (cf. 1 Tm 6.1-2).
A segunda orientação que
merece destaque ao fim deste pequeno estudo, diz respeito ao porte no ambiente
de trabalho. E não se está a falar de trajes ou outros costumes, mas algo mais
delicado: portar-se convenientemente. O fato de crermos que conhecemos a
Verdade não nos dá o direito de sermos inoportunos, pernósticos e pedantes com
nossos colegas, querendo impor-lhes güela abaixo o Evangelho a qualquer custo e
em todo o tempo. Posturas como esta além de não serem produtivas depõem
contrariamente ao Reino, além de denunciarem o pouco conhecimento de Cristo,
que nunca foi dado a pressões psicológicas desta estirpe, procurando a todo
tempo pôr em evidência a liberdade dos destinatários de Sua mensagem, sem
explorar sentimentos como a culpa ou a vergonha, e sem exacerbar o legalismo.
Aproveite o ambiente de
trabalho para trabalhar. Em Nazaré Jesus, apercebendo-se do ambiente que O
cercava, não realizou muitos milagres (Mt 13.58); perante o sumo sacerdote bem
como diante de Pilatos, igualmente escolheu o silêncio (Mt 26.62; 27.14). Não
se está a reprimir o evangelismo no ambiente de trabalho, mas sim realçando a
prudência na vida cristã. Nestes locais a melhor forma de evangelização será,
no mais das vezes, o testemunho de vida, um comportamento que reflita luz em
meio às trevas. Aliás, normalmente é este o meio mais eficaz de difusão do
Evangelho.
Em conclusão, temos que
"É provável que um único elemento não consiga determinar o sucesso ou o
fracasso na escolha de uma carreira profissional. Fatores como as influências
sociais e familiares, traços de personalidade, interesses, aptidões,
habilidades, valores, bloqueios, circunstâncias e sensibilidade à voz de Deus
se combinam com as ofertas de empregos e as oportunidades de formação,
influenciando assim a natureza e a direção da carreira de um indivíduo"
(COLLINS, Gary R. Aconselhamento cristão - edição século XXI. São Paulo, Vida
Nova, 2011, p. 639).
Obviamente que outras
questões relacionadas à intersecção entre as vidas profissional e espiritual
poderiam ser apontadas. O presente estudo não tem pretensões ao esgotamento da
matéria. São apenas alguns apontamentos que, por agora, parecem pertinentes. Ao
fim e ao cabo, o bom é que se saiba que Deus pode ser seu melhor parceiro
profissional, Alguém que compartilha seus sonhos e tem todo interesse em que
você tenha uma vida profissional tão frutífera e satisfatória quanto a
espiritual. Faça Dele seu verdadeiro chefe. Nada como ter o Pai como patrão!
Soli Deo Gloria!
José Wellington Bezerra da
Costa Neto