O uso do Credo Apostólico
É essencial que os crentes
entendam a necessidade de confessar a sua fé (Mt 10:32; Rm 10:9). Confessamos a
nossa fé no batismo, na Ceia do Senhor, ao testificar aos incrédulos, ao dar
bom testemunho na vida pública e privada, e ao recitar o Credo no culto de
adoração. Toda confissão pública da fé deve ser feita com sinceridade, e deve
vir acompanhada de uma vida de compromisso com os valores do reino de Deus.
Até aqui todos estamos de
acordo, mas ocorre que na América Latina algumas igrejas evangélicas não dão
muito valor ao Credo Apostólico. Não se interessam em estuda-lo, nem em
confessar a sua fé através dele. Esta atitude surge de três erros. Primeiro, as
pessoas se enganam ao identificar o Credo com a Igreja Católica Romana, crendo
que é um documento inventado por ela. Segundo, como a Igreja Católica Romana
tem a prática de conferir autoridade divina a muitos de suas tradições, então,
se teme que ela conceda tanta importância ao Credo dos apóstolos, que se lhe
estime na mesma altura que a Bíblia. Terceiro, uma boa parte da igreja
evangélica carece de consciência histórica. Se existe algum interesse pelo
passado, este se concentra no período da Igreja primitiva, a qual se pretende
chegar passando por toda a história que media entre nós e a Igreja do livro de
Atos.
Esta falta de interesse pode
ser superado se considerarmos que ao usar o Credo, o fazemos junto com a Igreja
“universal” ao longo de toda a sua história. A Igreja vem usando, quase desde o
seu começo, muito antes que existisse o romanismo que teve a sua origem com o
papado. Mas, este estudo provará que o Credo não é mais do que um resumo do que
a Bíblia ensina. Ainda que não seja errado que uma denominação conceda a um
credo caráter de autoridade, com todos os demais cristãos sabemos que somente a
Bíblia possui autoridade final e divina. O Credo está subordinado a Palavra de
Deus. Então, é importante que os crentes percebam o quanto o Credo provê um
maravilhoso recurso para confessar os pontos principais de sua fé.
Os nomes do Credo
Por ser a confissão de fé mais
popular do Cristianismo, tem-se chamado simplesmente “o Credo”. A palavra Credo é
realmente o verbo com o qual começa o Credo Apostólico no latim, o qual
declara: Credo in Deum Patrem . No português a mesma oração se
repete: Creio em Deus Pai. Assim que o termo Credo significa
apenas Creio , ou seja, “eu creio”, eu confesso a minha fé de forma
pública (cf. 2 Co 4:13). Daí, um credo que não é outra coisa que uma forma de
se confessar as nossas crenças básicas (Mt 10:32; Rm 10:8-10).
É chamado de “Símbolo
Apostólico”. Este nome foi dado quando as heresias começaram a minar a Igreja.
A palavra Símbolo vem do grego, e significa: “marca distintiva, santo
e sinal”. O Símbolo Apostólico se converte numa marca da doutrina
apostólica e, portanto, a marca do cristão e da Igreja verdadeira. Rufino
(falecido em 410 d.C.) disse que o Credo foi dado como uma marca contra os
falsos apóstolos, e acrescenta: “assim, os apóstolos prescreveram esta fórmula
como sinal e penhor pelo qual reconhecer quem realmente prega verdadeiramente a
Cristo, segundo a regra apostólica.”
Também recebeu o nome de “os
doze artigos de fé”. A divisão em 12 artigos obedece à lenda de que cada um dos
12 apóstolos escreveu um artigo. Todavia, é mais apropriado esquecer deste
título e dividir o Credo em três partes, segundo a sua ordem trinitária.
Além do mais, lhe é concedido
o qualificativo de “Apostólico”. Foi Rufino (cerca de 307-309 d.C.) o primeiro
a transmitir por escrito a lenda de que, no dia anterior à partida para pregar
a todas as nações, os apóstolos colocaram-se em comum acordo quanto à norma de
sua pregação. E foi assim que inspirados pelo Espírito compuseram o Credo. Mas
adiante Ambrósio (bispo de Milão, 340-397 d.C.) afirmou que o número de 12
artigos obedece ao número dos apóstolos. Finalmente, no século VI um sermão de
Pseudo-Agostinho termina afirmando que a cada apóstolo correspondeu escrever um
artigo. Esta lenda deve ser rejeitada. O Credo não é apostólico porque foi
escrito pelos apóstolos, mas por ser a sua doutrina.
Qual a origem do Credo
Apostólico?
As regras de fé ou confissões
não são uma novidade inventada pela Igreja Católica Romana, ou no período
moderno. Os judeus usavam Deuteronômio 6:4-9 como a sua confissão de fé, e a
influência deste credo (que eles chamavam o shema ), reflete
claramente no Novo Testamento (cf. Rm 3:30; 1 Co 8:4-6; Gl 3:20; Ef 4:6; 1 Tm
2:5; 3:16; 2 Tm 2:8; 1 Pe 1:21; 3:18,22). O Novo Testamento também nos entrega
uma lista de pessoas que confessaram a sua fé: João Batista (Jo 1:29, 34),
Natanael (Jo 1:49), os samaritanos (Jo 4:42), os discípulos (Jo 6:14,69; cf. Mt
14:33), Marta (Jo 11:27), Tomé (Jo 20:28). Todavia, a confissão mais conhecida
foi a que Pedro formulou quando declarou que Jesus era “ o Cristo, o Filho
do Deus vivo ” (Mt 16:16).
Por dois motivos se fez
necessário o surgimento do Credo. Primeiro, a expansão missionária da Igreja,
fez obrigatório o surgimento de uma declaração de fé básica para instruir aos
candidatos ao batismo (Mt 28:19). Segundo, a heresia obrigou a Igreja de
definir claramente a sua fé. A expansão da fé cristã colocou a Igreja em
contato com muitas culturas e filosofias pagãs que ameaçavam introduzir-se no
meio do povo de Deus. Por isto, desde o principio percebeu-se a importância de
preservar e confessar o ensinamento dos apóstolos, o que a igreja antiga fez
por meio de confissões e credos. O perigo é denunciado claramente em Hb 4:14;
10:23; 1 Jo 2:22-23; 4:1-6,15; 5:1,5 onde se reafirma e exige confessar a fé,
ante o confronto com a heresia e/ou a perseguição.
Não sabemos quem ou que
pessoas escreveram o Credo Apostólico, mas não há dúvida de que a sua origem
remonta a tempos antiqüíssimos. Por exemplo, tão antigo como o ano 107 d.C.,
Inácio (bispo de Antioquia) expunha a doutrina verdadeira contra a heresia
docética (veja mais a frente sobre a forma trinitária do Credo). E para expor a
regra de fé da Igreja usou as seguintes palavras:
De maneira que, sejam surdos
quando alguém vos fale sem Jesus Cristo,
o qual foi da linhagem de Davi,
de Maria,
quem verdadeiramente nasceu,
comeu como também bebeu,
foi verdadeiramente perseguido sob Pôncio Pilatos,
foi verdadeiramente crucificado e morreu tendo por testemunhas os céus, a terra e o que há sob a terra;
quem também verdadeiramente ressuscitou dos mortos, quando o seu Pai o levantou.
Seu Pai, a sua semelhança, a nós os que nele cremos, nos ressuscitará da mesma forma em Cristo Jesus, sem o qual não temos vida verdadeira.”
(Carta aos Tralianos, ix.1-2)
o qual foi da linhagem de Davi,
de Maria,
quem verdadeiramente nasceu,
comeu como também bebeu,
foi verdadeiramente perseguido sob Pôncio Pilatos,
foi verdadeiramente crucificado e morreu tendo por testemunhas os céus, a terra e o que há sob a terra;
quem também verdadeiramente ressuscitou dos mortos, quando o seu Pai o levantou.
Seu Pai, a sua semelhança, a nós os que nele cremos, nos ressuscitará da mesma forma em Cristo Jesus, sem o qual não temos vida verdadeira.”
(Carta aos Tralianos, ix.1-2)
Justino (cerca de 100-165 d.C.) outro mártir antigo, disse em sua Apologia (I.61.10 ss ) que entre os cristãos no batismo se pronuncia “...em nome do Pai do universo e Deus soberano... em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e em nome do Espírito Santo.” Também Irineu (bispo de Lyon, cerca de 175-195 d.C.) disse em sua obra Adversus haereses (I.x.1-2) que:
“A Igreja... recebeu dos
apóstolos e seus discípulos
a fé em um Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra...
e em um Espírito Santo, o qual através dos profetas proclamou...
e no nascimento virginal,
a paixão,
e a ressurreição de entre os mortos,
e a ascensão em carne ao céu do amado Cristo Jesus, nosso Senhor,
e seu retorno do céu na glória do Pai, para recapitular toda as coisas em um
e ressuscitar toda a carne de toda a raça humana.”
a fé em um Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra...
e em um Espírito Santo, o qual através dos profetas proclamou...
e no nascimento virginal,
a paixão,
e a ressurreição de entre os mortos,
e a ascensão em carne ao céu do amado Cristo Jesus, nosso Senhor,
e seu retorno do céu na glória do Pai, para recapitular toda as coisas em um
e ressuscitar toda a carne de toda a raça humana.”
Estas são amostras de que a
linguagem do Credo estava na boca da Igreja desde os tempos antigos. Homens
como Irineu (cerca 175-195 d.C.), Tertuliano (cerca 160-215 d.C.) conheceram o
Credo, afirmando que procedia do tempo apostólico. Isto é confirmado pelas
versões do Credo que podem ser vistos nos escritos de Inácio (morto cerca de
98-115 d.C.), Justino (cerca 100-165 d.C.), Hipólito (cerca 215 d.C.), Cipriano
de Cartago (250 d.C.), Novatiano de Roma (250 d.C.), Orígenes (185-254 d.C.) e
Agostinho (400 d.C.). O Credo de Nicéia (325 d.C.) nada mais é do que uma
elaboração mais detalhada do Credo Apostólico.
O conteúdo do Credo é
inspirado diretamente na doutrina apostólica. Uma comparação entre os textos da
Escritura demonstrará que a dependência chega a escolher até mesmo as palavras.
Que a linguagem do Credo estava na boca da Igreja primitiva é possível perceber
claramente pelos textos de Rm 1:3-4; 8:34; 1 Co 15:1-4. De fato, a confissão da
Igreja era simplesmente a pregação da Igreja (cf. At 2:22-36; 3:15;
4:10; 5:30-31; 9:20; 10:36,39-40; 17:2-3,31; 18:5,28; 26:23). Por isto, tem
suficiente direito de ser chamado Apostólico. Calvino não se preocupava em
saber quem era o seu autor. Para ele o importante era que: “o mais importante
que devemos saber é que nele se encontra resumida e de modo claro toda a
história de nossa fé e que nada contêm nele que não se possa confirmar com
sólidos e firmes testemunhos da Escritura” (Institutas, II.xvi.18).
O texto do Credo Apostólico
As cópias mais antigas que
possuímos são de Rufino (em latim 390 d.C.), e a de Marcelo (em grego, 341
d.C.). Estas duas versões são mais breves que o Credo que conhecemos hoje.
Falemos primeiro do texto de Marcelo, que foi o bispo de Ancira (capital da
Galácia). Aproximadamente nos anos 337-341 d.C., Marcelo escreveu uma carta ao
bispo Júlio I, com o fim de provar-lhe a sua ortodoxia. É com esta finalidade
que inclui nela o que é a versão mais antiga do Credo Apostólico. Toda a carta
está em grego, sendo que nesse tempo era a língua oficial da igreja. O Credo de
Marcelo é claramente trinitário. Todavia, a parte cristológica é muito mais
ampla que a referente ao Pai e ao Espírito. A estes três artigos trinitários
básicos, Marcelo lhes acrescenta outros. O texto mais breve de Marcelo diz
assim:
Creio em Deus todo-poderoso
E em Cristo Jesus, seu único Filho, nosso Senhor,
Concebido pelo Espírito Santo e Maria virgem,
Crucificado sob Pôncio Pilatos, e sepultado,
E ao terceiro dia ressuscitou dos mortos,
Subiu ao céu e está sentado a destra do Pai,
De onde virá para julgar aos vivos e mortos;
E no Espírito Santo,
Una Igreja santa,
O perdão dos pecados,
A ressurreição do corpo,
A vida eterna.”
E em Cristo Jesus, seu único Filho, nosso Senhor,
Concebido pelo Espírito Santo e Maria virgem,
Crucificado sob Pôncio Pilatos, e sepultado,
E ao terceiro dia ressuscitou dos mortos,
Subiu ao céu e está sentado a destra do Pai,
De onde virá para julgar aos vivos e mortos;
E no Espírito Santo,
Una Igreja santa,
O perdão dos pecados,
A ressurreição do corpo,
A vida eterna.”
No presente estudo usaremos a
versão que é conhecida hoje, e é aceita por toda a Igreja cristã em todo o
mundo, e que chamaremos de “Texto Recebido” (650 d.C.). Nas lições usaremos
referência a outras versões mais antigas, como as de Marcelo e Rufino. Em sua
divisão tradicional de 12 artigos, o Texto Recebido declara:
1. Creio em Deus Pai
Todo-poderoso, o Criador dos Céus e da terra.
2. E em Jesus Cristo, o seu único Filho, o nosso Senhor;
3. que foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;
4. padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
5. desceu aos inferno, e ao terceiro dia ressuscitou dentre os mortos;
6. subiu ao céu e está assentado a direita de Deus Pai Todo-poderoso;
7. dali virá para julgar os vivos e os mortos.
8. Creio no Espírito Santo;
9. na santa Igreja católica, a comunhão dos santos;
10. o perdão dos pecados;
11. a ressurreição do corpo
12. e a vida eterna. Amém.”
2. E em Jesus Cristo, o seu único Filho, o nosso Senhor;
3. que foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;
4. padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
5. desceu aos inferno, e ao terceiro dia ressuscitou dentre os mortos;
6. subiu ao céu e está assentado a direita de Deus Pai Todo-poderoso;
7. dali virá para julgar os vivos e os mortos.
8. Creio no Espírito Santo;
9. na santa Igreja católica, a comunhão dos santos;
10. o perdão dos pecados;
11. a ressurreição do corpo
12. e a vida eterna. Amém.”
A forma Trinitária do Credo
Foi o Concílio de Nicéia (325
d.C.) que formulou uma posição conclusiva do dogma da Trindade. E ainda que o
Credo Apostólico não entra na discussão de forma detalhada quanto a cada pessoa
da Trindade, confessa a fé em um Deus Trino. O Credo está claramente dividido
em três partes: O Pai e a nossa criação, o Filho e a nossa redenção, o Espírito
Santo e a nossa santificação. Assim, tem se dividido o seu conteúdo em 12
artigos. Deve ser notado que a parte referida ao Filho é a mais detalhada. A
metade de seus 12 artigos está dedicada ao Filho e sua obra da redenção. Tal é
a importância de Jesus na teologia cristã como o centro de nossa salvação. A
primeira vista, pareceria que a seção que fala do Espírito Santo foi a menos
informativa, mas a verdade é que a Igreja é vista em íntima relação com a obra
do Espírito.
Desde o tempo apostólico, a
Igreja teve que lidar com falsas doutrinas, percebendo que era urgente produzir
uma declaração de fé que reprimisse o desenvolvimento das falsas doutrinas,
especialmente no que concerne a Santíssima Trindade. Por exemplo,
houve um movimento chamado arianismo (cerca 318-381 d.C.), que afirmou que o
Filho não era Deus, mas que havia sido criado pelo Pai. Outra seita também
pregava que o Filho não era Deus, mas que era uma espécie de emanação
procedente da divindade. Assim, criam que todo o mal se encontrava no mundo
material, enquanto que tudo o que era bom e belo estava no mundo espiritual.
Seguindo esta linha de pensamento, concluíram que o Filho de Deus não poderia
fazer-se homem, porque isto lhe exigiria assumir um corpo material mal. Isto os
levou a dizer que o Filho teve um corpo que somente parecia ser um corpo
físico, mas que na realidade não era (docetismo), e disseram que o Filho
possuiu um homem comum chamado Jesus em seu batismo e depois o abandonou antes
de sua crucificação. João teve que enfrentar estas idéias (1 Jo 4:1-6,15). Foi
por isto que o Credo teve que formular a sua doutrina com base na estrutura
trinitária.
Extraído do livro de Humberto
Casanova e Jeff Stam, El Credo Apostólico (Grand Rapids, Libros
Desafio, 1998), pp. 14-22.