Quando
eu declaro que quero a companhia dos gênios, não demora a aparecer
alguém de espiritualidade mais elevada, para repreender-me, instando-me a
buscar a companhia dos santos. Nisto, espera me dar uma lição piedosa: a
de que mais vale a santidade que a inteligência. Mais ainda: que o
conhecimento não é uma virtude, e querê-la indica algum tipo de erro. O
que a pessoa tenta fazer, obviamente, é opor a espiritualidade à razão,
como se aquela fosse sempre superior e esta, de alguma maneira,
repreensível.
Quando um
cristão comete esse tipo de atitude, na verdade, assume a caricatura
imposta pelos detratores da religião, dando suporte às críticas, em
geral, infundadas, à cultura anti-intelectual que prevaleceria no
cristianismo.
É certo que,
durante a história da Igreja, sempre houve aqueles que alçaram suas
vozes contra à erudição e alguns chegaram mesmo a condenar a
inteligência. Mas não é difícil constatar que estes nunca foram seus
protagonistas. Quem realmente fez a roda do cristianismo girar foram,
quase sempre, homens muito cultos. Do apóstolo Paulo, passando por
Inácio, Agostinho, Tomás, Lutero, Calvino e dezenas ou centenas de
outros nomes, tratavam-se todos personagens de cultura vastíssima e
muitíssimo inteligentes. Mesmo aqueles que se opuseram ao uso, na
perspectiva deles mesmos, exagerado da razão, como Tertuliano, eram
pessoas muito preparadas. Até místicos como Tomás de Kempis e Meister
Eickhardt possuíam uma erudição evidente. Portanto, o louvor à burrice
não tem nada a ver com o cristianismo, nem pode indicar algum tipo de
santidade.
Até porque
aqueles que invocam a superioridade da ignorância são os mesmos que se
aproveitam das conquistas dos gênios. Na verdade, se quisessem se manter
coerentes, deveriam esquecer toda doutrina, praticando um tipo de
religião natural, animista. Mas é assim mesmo: o estúpido se aproveita
de tudo os que os inteligentes lhe fornecem, acreditando, com
sinceridade, que as coisas sempre foram como se lhe apresentam. Neste
ponto, José Ortega y Gasset foi cirúrgico, ao dizer que o
homem vulgar, ao se encontrar com este mundo técnica e socialmente tão
perfeito, pensa que foi criado pela natureza, e nunca se lembra dos
esforços geniais de indivíduos excepcionais que a sua criação pressupõe.
Isso
acontece, no seio do cristianismo, porque muitos crentes ignoram, por
completo, todas as controvérsias, disputas, reflexões, tratados e
estudos que ocorreram na história da Igreja. Por isso, crêem que a
doutrina surgiu pronta e acabada, direto do céu, para eles. Parece até
que acreditam que a sabedoria do alto se dá por infusão, sem a
intermediação da razão. Claro que isso pode acontecer, como há indícios
de algo semelhante nas próprias narrativas bíblicas. No entanto, o
extraordinário não é a regra, e esta informa que quem não se esforça
tende a ficar estúpido mesmo.
O que falta
para muitos cristãos é entender que há uma relação muito íntima entre
espiritualidade e inteligência, a ponto de não existir uma sem a outra. O
problema, é que poucos sabem até mesmo o que cada uma delas significa.
No fim das
contas, o que eu observo é que esse ódio à erudição, demonstrado por
muitos que se acham espirituais, apesar de qualquer argumento que se
use, não passa de pura inveja. Um incapacitado, por escolha, a exigir
que todos, como forma de alimentar sua falta de humildade em reconhecer a
capacidade alheia, se mantenham em seu raso nível. Esse ódio é, nada
menos, que um defeito moral. Não possuindo disposição para a busca de
conhecimento, prefere criticar quem o faz. Não se trata, portanto, de
convicção, mas de mera preguiça.
Fonte: Núcleo de Estudos Cristãos