Os filósofos procuram resolver problemas. É por isso que apresentam teorias, ideias ou teses. Estas três coisas não são exactamente o mesmo, mas para simplificar iremos falar apenas de teorias. A diferença é a seguinte: ao passo que uma teoria é uma forma completamente articulada de resolver um problema, uma ideia ou uma tese é algo mais vago. Mas o que há de comum entre as ideias, as teorias e as teses é que todas elas procuram resolver problemas.
Ora,
sempre houve boas e más teorias, seja qual for o problema que procuram
resolver. As teorias dos filósofos não podem constituir excepção. Assim,
também há boas e más teorias filosóficas. Mas, como é óbvio, apenas
estamos interessados nas boas teorias filosóficas. Por isso se torna
crucial saber distinguir as boas das más teorias. Há duas maneiras de
avaliarmos teorias, para procurarmos saber se são boas ou más: 1)
podemos procurar saber se a teoria resolve o problema que pretendia
resolver, e se essa solução é aceitável; 2) podemos procurar saber quais
são os argumentos em que essas teorias se apoiam e verificar se tais
argumentos constituem boas razões a favor daquilo que nelas se defende.
Assim, 2 obriga-nos a pensar deste modo: “Que razões me dá o autor para
aceitar a teoria dele?”. E 1 obriga-nos a pensar assim: “Se eu aceitar a
teoria dele, consigo explicar melhor o que a teoria procurava explicar,
ou consigo resolver o problema que a teoria queria resolver? Será que
há alternativas melhores a esta teoria?”. Ora, tanto no primeiro como no
segundo caso, temos de saber avaliar argumentos. Temos de saber se os
argumentos que apoiam a teoria são bons ou não, e temos de saber se são
bons ou não os argumentos que mostram que a teoria explica o que queria
explicar e resolve o problema que queria resolver.
No
caso dos filósofos, conhecer os argumentos que sustentam as suas
teorias é ainda mais importante do que noutros casos. Isso é assim
porque os problemas da filosofia são problemas de carácter conceptual e
não empírico. Dificilmente acontece, com base em factos empíricos,
mostrar que uma teoria filosófica é verdadeira ou falsa, ao contrário do
que se verifica com muitas teorias científicas. Não há factos empíricos
que mostrem que Deus existe ou não existe; mas a teoria segundo a qual
existe vida em Marte pode ser refutada ou confirmada pelos factos. Daí
que o valor de uma teoria filosófica, mais do que qualquer outro tipo de
teoria, dependa essencialmente dos argumentos que a sustentam.
Não
podemos, pois, saber se uma teoria é boa se não soubermos avaliar a
qualidade dos seus argumentos. Esse é, precisamente, o nosso objectivo
ao estudar lógica. Eis, então, a nossa primeira pergunta:
O que é um argumento?
Podemos começar por dizer que um argumento é
um conjunto de frases. Só que não se trata de um qualquer conjunto de
frases. O seguinte conjunto de frases, por exemplo, não é um argumento:
Gosto do Algarve por causa do clima, do Alentejo por causa do silêncio e do Alto Douro por causa da paisagem. E se nas próximas férias desse uma volta pelo país?
Para
que um conjunto de frases constitua um argumento tem de haver entre
elas uma certa relação, de tal modo que uma, e só uma, se apresente como
conclusão e que todas as outras sirvam como razões para obter essa
conclusão. Às frases, ou afirmações, que oferecemos como razões
chamamos premissas, podendo haver uma ou mais premissas
num argumento; à afirmação que daí obtemos, fazendo apelo às premissas,
chamamos, como se viu, conclusão. Eis um exemplo de um conjunto de frases que é um argumento:
Se os filósofos têm sempre razão, então não vale a pena discutir o que dizem, porque se têm sempre razão não temos nada para criticar e se não temos nada para criticar não vale a pena discutir o que dizem.
Neste
conjunto de frases há uma delas que é a conclusão e duas outras que são
premissas. Perante um argumento, a primeira coisa a fazer é um trabalho
de interpretação, identificando a conclusão e as premissas (ou
premissa, caso haja apenas uma).
O
que quero defender com o argumento anterior? É claro que estou a
defender que “se os filósofos têm sempre razão, então não vale a pena
discutir o que dizem”. Esta frase, por sinal a primeira, é a conclusão. E
que razões adianto para isso? Duas: “se têm sempre razão não temos nada
para criticar” e “se não temos nada para criticar não vale a pena
discutir o que dizem”. Se quisermos, podemos reformular o argumento de
modo a tornar as suas premissas e conclusão ainda mais claras. Podemos,
por exemplo, destacar em primeiro lugar as suas premissas e depois a
conclusão, de modo a exibir claramente cada uma delas:
Se os filósofos têm sempre razão, não temos nada para criticar.
Se não temos nada para criticar, não vale a pena discutir o que dizem.
Logo, se têm sempre razão, não vale a pena discutir o que dizem.
Torna-se,
deste modo, mais fácil não apenas identificar premissas e conclusão
como também verificar se a conclusão se segue das premissas, isto é, se
as premissas apoiam a conclusão. Não podemos, contudo, esperar que os
argumentos sejam apresentados sempre de modo a tornar completamente
claras as suas premissas e conclusões. Na linguagem comum, e nos textos
filosóficos, as premissas e conclusões dos argumentos são frequentemente
difíceis de detectar, pois nem sempre se dispõem segundo uma ordem
fixa. Por vezes surgem até intercaladas com outras frases que nem sequer
fazem parte do argumento. Veja-se o seguinte exemplo:
Para quê discutir o que os filósofos dizem? Não vale a pena discutir o que dizem se não temos nada para criticar e não temos nada para criticar se têm sempre razão. Não me interessa perder tempo assim! Não vale a pena discutir o que dizem se têm sempre razão.
Como
se vê, este é ainda o mesmo argumento, só que apresentado de maneira
menos acessível. Convém, neste momento, dizer que há, mesmo assim,
palavras ou expressões que costumam acompanhar quer as premissas, quer a
conclusão e que facilitam a sua identificação. Trata-se de termos e de
expressões que muitas vezes anunciam ou introduzem as premissas e a
conclusão de um argumento. Termos e expressões como “logo”, “daí que”,
“assim”, “portanto” e “por isso” costumam servir para anunciar a
conclusão inferida; termos e expressões como “porque”, “pois”, “uma vez
que”, “posto que”, “tendo em conta que”, “em virtude de”, “devido a” e
“dado que” indicam que se irão oferecer razões (premissas) para concluir
algo. Frequentemente as premissas aparecem ligadas entre si por termos
como “e”, “ora” e “mas”, ou por uma vírgula (uma pausa breve, no
discurso oral) e também por um ponto final (uma pausa mais longa, no
discurso oral). Com esta informação, torna-se relativamente fácil
identificar as premissas e conclusão do seguinte argumento:
Tenho estudado lógica, uma vez que se não tivesse estudado lógica não seria bem sucedido em filosofia. Mas eu tenho sido bem sucedido em filosofia.
As
premissas são (i) “se não tivesse estudado lógica não seria bem
sucedido em filosofia” e (ii) “eu tenho sido bem sucedido em filosofia”.
A conclusão aparece logo no início e é “tenho estudado lógica”.
Qualquer pessoa, ainda que não tenha estudado lógica, consegue ver que
se trata de um argumento válido, na medida em que intuitivamente se dá
conta que aquelas premissas conduzem àquela conclusão. Mas repare-se
agora no seguinte argumento:
O Luís Figo já comeu bacalhau porque todos os portugueses já comeram bacalhau.
Temos
apenas uma premissa, que é “todos os portugueses já comeram bacalhau”,
sendo a conclusão “o Luís Figo já comeu bacalhau”. Mas será que esta
conclusão se segue daquela premissa? Muitos serão os que imediatamente
respondem que sim. Outros dirão que não; que aquela premissa, por si só,
não constitui uma boa razão para concluir que o Luís Figo já comeu
bacalhau. Perguntariam estes: e se o Luís Figo for brasileiro? É preciso
que se diga que o Luís Figo é português para, então sim, se poder
concluir que ele já comeu bacalhau. Se não acrescentarmos a premissa “o
Luís Figo é português”, também não poderemos inferir que o Luís Figo já
comeu bacalhau. Ao que possivelmente responderiam os primeiros: nem
sequer é preciso dizê-lo, todos sabemos que o Luís Figo é português. A
verdade é que, sem essa segunda premissa, o argumento não é válido.
Assim, a única maneira de reparar o argumento, de forma a torná-lo
válido, é introduzir tal premissa. O único cuidado que devemos ter é o
de verificar que a premissa não está lá apenas porque quem apresentou o
argumento achou desnecessário referir aquilo que lhe parecia ser óbvio
para toda a gente. A uma premissa destas chama-se premissa suprimida e a um argumento que tem premissas suprimidas chama-se entimema.
Saber isto é importante porque muitas vezes nos deparamos com
argumentos com premissas suprimidas e nem todos eles são casos fáceis de
identificar. Disso pode depender a nossa decisão de aceitar um
argumento como válido ou de o rejeitar como inválido.
Voltando
ao início, afirmei que um argumento é um conjunto de frases; mas
procurei também mostrar que nem todo o conjunto de frases é um
argumento. Devo agora acrescentar que um argumento não é constituído por
qualquer tipo de frases. Só as frases que exprimem proposições podem
fazem parte dos argumentos.
O que é uma proposição?
Acabei
de dizer que só um certo tipo de frases exprime proposições. Embora
talvez todas as proposições se possam exprimir por meio de frases, há
frases que não exprimem proposições. As frases seguintes não exprimem
proposições:
- Que horas são?
- Tira os pés da mesa!
- Ser sempre corajoso.
- Quem me dera saber lógica.
- Prometo que amanhã vou à praia contigo.
Estas frases não exprimem proposições porque não são frases declarativas.
Ou seja, nada afirmam; exprimem apenas promessas, desejos, ordens e
perguntas. Por isso não estamos em condições de dizer se são verdadeiras
ou falsas. Diz-se que não têm condições de verdade. Assim, as
frases declarativas são todas as frases, e só essas, que têm condições
de verdade. Donde se excluem todas as frases que, como acontece nos
exemplos anteriores, exprimem promessas, desejos, ordens e perguntas. As
seguintes frases podem ser verdadeiras ou falsas, e portanto têm
condições de verdade:
- São seis horas da tarde.
- Alguém disse ao Paulo para tirar os pés da mesa.
- Nós somos sempre corajosos.
- Gosto de aprender lógica.
- Prometi à Carla que amanhã vou à praia com ela.
Saber
se uma frase é declarativa ou não torna-se fácil, embora haja frases
muito semelhantes em que uma é declarativa e outra não. Eis um exemplo,
em que a primeira é uma frase declarativa e a segunda não é:
- Rui está na sala.
- O Rui está na sala?
É
claro que podemos ter dúvidas ou nem sequer saber se algumas daquelas
frases são verdadeiras ou falsas. Mas, apesar das nossas dúvidas, e quer
saibamos ou não, elas hão-de ser verdadeiras ou falsas. Quer dizer, têm
um valor de verdade. A frase “são seis horas da tarde” proferida
às nove da manhã é falsa e proferida às seis da tarde é verdadeira. Não
deixa, contudo, de ter um valor de verdade. Assim como a frase “gosto
de aprender lógica”, proferida por umas pessoas pode ser verdadeira e
por outras falsa. Mas tem de ser verdadeira ou falsa. Eis alguns
exemplos de frases declarativas claramente verdadeiras:
- A Lua não é feita de queijo.
- Três vezes nove é igual a vinte e sete.
- Portugal é um país europeu.
- Nenhuma galinha fala português.
Eis agora algumas frases declarativas claramente falsas:
- As bananas têm caroço.
- Faro não fica no Algarve.
- Portugal é o país mais poderoso da Europa.
- Nenhum italiano fala português.
Sabemos
agora o que é uma frase declarativa e que só as frases declarativas são
proposições. Mas, ainda assim, há diferenças entre frases declarativas e
proposições. Tanto que o número de frases declarativas é superior ao
número de proposições. O que acontece porque há diferentes frases
declarativas que, apesar disso, exprimem a mesma proposição. As frases
são entidades linguísticas e as proposições são aquilo que tais frases
exprimem, isto é, o seu conteúdo. As seguintes frases declarativas
exprimem todas a mesma proposição:
- A Lua inspira os poetas.
- Os poetas são inspirados pelo satélite natural da Terra.
- Os poetas deixam-se inspirar pela Lua.
- Poets are inspired by the moon.
- La luna inspira los poetas.
Mas
por que precisamos nós de saber o que são proposições? Porque,
recordando o que disse acima, as frases que constituem os argumentos têm
de exprimir proposições. Assim, todas as premissas e conclusões de
todos os argumentos exprimem proposições, por isso têm de ter um valor
de verdade. Só que, ao contrário das frases de um argumento, os próprios
argumentos nunca são verdadeiros ou falsos. Verdade e falsidade são
propriedades das proposições e não dos argumentos. Dos argumentos diz-se
que são válidos ou inválidos.
O que é a validade?
Dizemos
frequentemente que uma ideia, uma pessoa ou uma iniciativa são válidas.
Com isso queremos dizer que tal pessoa, tal ideia ou tal iniciativa são
boas ou úteis, ou que têm um certo valor. Isso é o que acontece na
linguagem comum. Em lógica e filosofia, porém, o termo “validade” tem um
significado diferente e muito preciso, que já veremos qual é. Antes
disso, há uma ideia que tem de ficar bem clara. Essa ideia é a da
distinção entre verdade e validade; distinção fundamental em lógica e filosofia.
De uma proposição dizemos que é verdadeira ou falsa. Mas de um argumento, que é formado por várias proposições, já não podemos dizer que é verdadeiro ou falso. Isso seria um erro enorme. Algumas pessoas pensam que se um argumento é um conjunto de proposições e como as proposições são verdadeiras ou falsas, assim também os argumentos podem ser verdadeiros ou falsos. Isso seria o mesmo que dizer que um conjunto de pessoas é alto porque é formado por pessoas altas. As pessoas podem ser altas ou baixas, mas os conjuntos (sejam eles de pessoas ou de outra coisa qualquer) não são altos nem baixos. Se, como se verá, o mesmo argumento pode conter proposições verdadeiras e falsas, por que razão afirmaríamos que esse argumento é verdadeiro em vez de falso, ou vice-versa? Aquilo que, primeiramente, nos interessa num argumento é saber se a conclusão se segue das premissas. No caso de isso acontecer estamos perante um argumento válido. Caso contrário, estamos perante um argumento inválido. O seguinte argumento é claramente válido:
Todos os espanhóis são toureiros.
Bill Clinton é espanhol.
Logo, Bill Clinton é toureiro.
Ao
analisar este argumento, a diferença entre verdade e validade torna-se
clara. É fácil verificar que tanto as premissas como a conclusão são
falsas. Contudo, a conclusão segue-se das premissas. Por isso o
argumento é válido. Falamos de verdade e falsidade quando referimos as
premissas e a conclusão e falamos de validade ou invalidade quando
referimos o próprio argumento. Veja-se agora o seguinte argumento
claramente inválido:
Todos os portugueses são europeus.
Luís Figo é europeu.
Logo, Luís Figo é português.
É
muito fácil verificar que se trata de um argumento inválido, bastando
substituir o nome de Luís Figo por outro nome como, digamos, Tony Blair,
mas mantendo tudo o resto. E, apesar de ser um argumento inválido,
todas as proposições que o constituem são verdadeiras. Só que a
conclusão não é sustentada pelas premissas.
Mais
uma vez se diz que um argumento é válido ou inválido consoante a sua
conclusão se segue ou não das premissas, sejam elas verdadeiras ou
falsas. Mas esta é ainda uma forma imprecisa de dizer o que é a
validade. Existe, contudo, uma definição explícita de “argumento
válido”. Assim, diz-se que um argumento é válido se, e só se, é logicamente impossível ter premissas verdadeiras e conclusão falsa.
Sabemos agora exactamente o que procurar num argumento para saber se é
válido ou não. Tudo pode acontecer com um argumento válido, menos uma
coisa: ter premissas verdadeiras e conclusão falsa. Mas isto não
significa que o argumento é válido desde que não tenha premissas
verdadeiras e conclusão falsa. Não basta que não tenha as premissas
verdadeiras e a conclusão falsa; é necessário que isso seja impossível
de acontecer. Repare-se no meu último exemplo: não acontece ele ter as
premissas verdadeiras e a conclusão falsa, até porque premissas e
conclusão são todas verdadeiras. Mas se no mesmo argumento
substituirmos, como atrás sugeri, o nome de Luís Figo pelo de Tony
Blair, o que acontece? Acontece que as premissas continuam verdadeiras
mas a conclusão é falsa. E essa é a única coisa que não pode acontecer
num argumento válido. Portanto, é inválido.
Para
tornar mais clara a noção de validade, podemos mesmo prescindir de
qualquer nome, seja ele Luís Figo ou Tony Blair, e construir um
argumento com a seguinte forma:
Todo o A é B.
c é A.
Logo, c é B.
Seja
o que for que A, B e c signifiquem, este argumento é claramente válido.
Admitindo que as premissas são verdadeiras, a sua conclusão não pode
ser falsa. Mas como sabemos que este argumento é válido se não sabemos
ainda o que significam A, B e c? Sabemos isso porque a validade de um
argumento não depende daquilo que nele se afirma, isto é, do seu
conteúdo, mas da sua forma lógica. Para sabermos se um argumento é
válido nada mais temos de fazer senão atender à forma como está
estruturado. É por isso que um argumento pode ser válido mesmo que nele
se afirmem as coisas mais inverosímeis do mundo. Um bom exemplo disso é o
seguinte:
Se as bananas têm asas, o ouro é um fruto seco.
Acontece que as bananas têm asas.
Logo, o ouro é um fruto seco.
Também
aqui a conclusão terá de ser verdadeira, caso as premissas o sejam.
Contudo, dificilmente alguém estaria disposto a aceitar um argumento
destes. O que acontece é que não é suficiente um argumento ser válido
para termos de o aceitar, mostrando assim que nem todos os argumentos
válidos são bons. Não estamos interessados em aceitar a conclusão de um
argumento válido quando essa conclusão é inferida de falsidades.
Queremos também que um argumento seja sólido. Ou seja, que, além
de ser válido, tenha premissas verdadeiras. Assim, se um argumento for
válido e tiver premissas verdadeiras, somos, racionalmente, obrigados a
aceitar a sua conclusão. Se não quisermos aceitar a conclusão de um
argumento válido, só nos resta, então, mostrar que alguma das premissas é
falsa.
Pelo que disse até aqui, dir-se-ia que apenas existem argumentos válidos e inválidos. E que os inválidos, ao contrário dos válidos, apresentam uma forma que não permite preservar sempre na conclusão a verdade das premissas. Assim, a lógica seria apenas o estudo da forma dos argumentos, ocupando-se exclusivamente dos argumentos válidos. Só que isso não corresponde à verdade. Há outros tipos de argumentos cuja aceitabilidade não depende da forma que apresentam. Tais argumentos fazem, por isso, parte da chamada “lógica informal”.
Que tipos de argumentos há?
Os argumentos de que tenho falado até aqui são também conhecidos como argumentos dedutivos.
O melhor que se pode dizer dos argumentos dedutivos é que se trata
daquele tipo de argumentos cuja forma garante a verdade da conclusão, no
caso de as premissas serem também verdadeiras. A sua forma lógica é,
portanto, decisiva. O mesmo não se pode dizer de outros tipos de
argumentos, residindo aí a diferença entre lógica formal e lógica
informal. Para além dos argumentos dedutivos temos então os argumentos:
- Por analogia
- Indutivos (generalizações a partir de exemplos)
- Sobre causas
- De autoridade
Juntamente com os argumentos dedutivos, os argumentos por analogia são os mais utilizados pelos filósofos. Os argumentos por analogia costumam apresentar a seguinte forma:
Os x têm as propriedades A, B, C, D.
Os y, tal como os x, têm as propriedades A, B, C, D.
Os x têm ainda a propriedade E.
Logo, os y têm também a propriedade E.
Podemos resumir e dizer:
Os x, como os y, têm as propriedades A, B, C, D.
Os x têm ainda a propriedade E.
Logo, os y têm a propriedade E.
Resumindo ainda mais:
Os x são E.
Os y são como os x.
Logo, os y são E.
Os
argumentos por analogia partem da ideia de que se diferentes coisas são
semelhantes em determinados aspectos, também o serão noutros. Veja-se o
exemplo seguinte:
Os soldados de um batalhão têm de obedecer às decisões de um comandante para atingir os seus objectivos.
Uma equipa de futebol é como um batalhão.
Logo, os jogadores de uma equipa de futebol têm de obedecer às decisões de um comandante (treinador) para atingir os seus objectivos.
O
termo “como” na segunda premissa está destacado. Esse termo indica que
estamos a estabelecer uma comparação entre situações análogas,
característica dos argumentos por analogia. Mas será que apenas pela
forma do argumento ficamos a saber se é aceitável ou não? Para tornar
clara a resposta a esta pergunta, compare-se o argumento anterior com o
seguinte:
Os soldados de um batalhão andam armados quando treinam.
Uma equipa de futebol é como um batalhão.
Logo, os jogadores de futebol andam armados quando treinam.
A
primeira coisa que se torna evidente é que, ainda que o primeiro
argumento possa ser aceitável, este último não o é com toda a certeza.
Acontece, porém, que ambos exibem exactamente a mesma forma. Concluímos,
assim, que a mera inspecção da sua forma não nos permite classificar os
argumentos por analogia como bons ou maus. Portanto, a qualidade destes
argumentos não depende da sua forma lógica. Encontramos com a mesma
forma bons e maus argumentos por analogia. Por isso é que tais
argumentos não fazem parte da lógica formal. Por isso também não dizemos
que um argumento por analogia é válido ou inválido, coisa que só se
aplica aos argumentos dedutivos. Recordo a definição de validade,
segundo a qual é logicamente impossível obter conclusões falsas de
premissas verdadeiras, o que não acontece nos argumentos por analogia.
Nos argumentos por analogia nunca podemos garantir logicamente que de
premissas verdadeiras se obtêm sempre conclusões verdadeiras. Isto é, os
argumentos por analogia não possuem a característica de preservar
logicamente a verdade. Assim, não temos outro remédio senão olhar para
aquilo que as premissas e a conclusão afirmam, de pouco servindo a
análise do seu aspecto formal. Repare-se no seguinte argumento:
Os bombeiros dividem-se em batalhões, obedecem a uma hierarquia e têm um quartel, como os polícias.
Os polícias usam farda.
Logo, os bombeiros usam farda.
Vimos
que um argumento por analogia não é válido ou inválido, mas que nem
todos os argumentos por analogia são maus. Costuma-se dizer que os
argumentos por analogia são fortes ou fracos. Como
distinguimos uns dos outros? O argumento anterior é constituído por
premissas e conclusão verdadeiras. Aparentemente é um argumento forte
por analogia. Mas veja-se agora um outro argumento por analogia (com a
mesma forma do anterior, claro) com premissas também verdadeiras, mas
cuja conclusão é manifestamente falsa:
Os bombeiros dividem-se em batalhões, obedecem a uma hierarquia, têm um quartel e usam farda, tal como os polícias.
Os polícias usam arma.
Logo, os bombeiros usam arma.
Este
argumento é, sem dúvida, fraco. Até porque a conclusão é falsa. Ao
avaliar um argumento por analogia no sentido de saber se é forte ou
fraco, temos de estar atentos a três critérios, os quais se manifestam
nas seguintes perguntas:
- As semelhanças apontadas nos casos que estão a ser comparados são relevantes para a conclusão que se quer inferir?
- A comparação tem por base um número razoável de semelhanças?
- Apesar das semelhanças apontadas, não haverá diferenças fundamentais entre os casos que estão a ser comparados?
Aplicando
os critérios patentes nas perguntas anteriores, podemos verificar se
uma analogia é forte ou fraca. No caso do argumento anterior, por
exemplo, verificamos que falha os critérios 1e 3. As semelhanças entre
os bombeiros e os polícias são muitas, mas não são relevantes para a
conclusão que se quer tirar. Nenhuma delas está sequer relacionada com o
uso de arma, falhando assim o critério 1. Mas também falha o critério 3
porque existe uma diferença fundamental entre os bombeiros e os
polícias. Estes fazem parte de uma força da ordem, necessitando por isso
dos meios para a restabelecerem quando é perturbada; aqueles são
membros de uma força de paz, não necessitando de quaisquer meios de
coacção.
A seguinte analogia também é claramente fraca:
Os franceses, como os ingleses, têm vários filósofos famosos.
Os franceses estudam filosofia no ensino secundário.
Logo, os ingleses estudam filosofia no secundário.
É
discutível se a semelhança referida é ou não relevante para a
conclusão, mas não há qualquer dúvida que o critério (ii) não é
satisfeito. Não podemos inferir seja o que for sobre o ensino da
filosofia em Inglaterra baseados apenas numa semelhança com o caso
francês.
Um famoso argumento por analogia a favor da existência de Deus é o seguinte:
Todas as máquinas têm um criador que as põe a funcionar de forma precisa, regular e inteligível.
O mundo é como uma máquina.
Logo, o mudo tem um criador.
Será
um argumento forte? Não é difícil admitir que as semelhanças são
relevantes para a conclusão, passando satisfatoriamente o critério 1.
Também não é difícil admitir que as semelhanças entre as máquinas e a
natureza são numerosas, passando também no critério 2. E quanto ao
critério 3? Será que há diferenças fundamentais? Parece-me que há uma
diferença que não pode ser desprezada: enquanto as máquinas não se
modificam nem evoluem com o tempo, a não ser pela intervenção de alguém,
os seres naturais modificam-se e aperfeiçoam-se constantemente por si
próprios. Esta diferença é determinante para pôr em causa a necessidade
de um criador para a natureza. O argumento falha, portanto, o critério
3. Por isso é um argumento fraco.
Se
os argumentos dedutivos e por analogia são muito utilizados na
filosofia, o mesmo já não acontece com os argumentos a partir de
exemplos — mais conhecidos como argumentos indutivos ou generalizações.
Contudo, são os argumentos mais utilizados fora da filosofia. Grande
parte das opiniões das pessoas resulta de processos indutivos de
raciocínio. É o que se verifica em afirmações comuns como “os
alentejanos são preguiçosos”, “os alemães são racistas”, “todos os seres
humanos morrem”, “o Sol vai nascer amanhã”, “as mulheres são mais
sensíveis do que os homens”, etc. A forma dos argumentos indutivos é a
seguinte:
Alguns A são B.
Logo, todos os A são B.
Neste
caso a premissa é apenas o resumo de um conjunto mais ou menos extenso
de casos particulares. Mas por muito extenso que seja o número de
exemplos de que se parte num argumento indutivo, nunca temos a garantia
lógica de que a conclusão seja verdadeira. Também aqui corremos o risco
de encontrar premissas verdadeiras e conclusão falsa. Portanto, os
argumentos indutivos, como já acontecia com os analógicos, não são
válidos ou inválidos. Veja-se o seguinte exemplo:
Os cisnes observados até agora são brancos.
Logo, todos os cisnes são brancos.
Note-se que a premissa, ao referir todos “os cisnes observados até agora”, está a referir apenas alguns cisnes
e não todos os que existem. Apesar disso, dificilmente diremos que não
constitui uma boa razão para concluir que todos os cisnes são brancos.
De facto, durante muito tempo se pensou que todos os cisnes eram brancos
até ao dia em que se descobriu um lugar até então desconhecido (a
Austrália) em que os cisnes são pretos. Bastava, aliás, que um só cisne
fosse de outra cor para tornar falsa a conclusão anterior. Mas será que
alguém considera fraco o argumento seguinte?
Até agora todas as esmeraldas encontradas são verdes.
Logo, todas as esmeraldas são verdes.
É claro que este é um bom argumento. Não é logicamente impossível que a conclusão seja falsa. Mas é improvável. Assim, uma indução é forte se, e só se, for improvável, mas não logicamente impossível, que a sua conclusão seja falsa.
Caso contrário a indução é fraca. Tudo depende, como é óbvio, da força
com que as premissas apoiam a conclusão. Os argumentos indutivos não
são, de resto, invulgares nas ciências empíricas. Algumas das
descobertas científicas são o resultado de generalizações fortemente
apoiadas em observações e experiências realizadas. O que não significa
que essas generalizações não tenham de ser constantemente testadas pelos
próprios cientistas. Uma vez que sabem que não é logicamente impossível
que as suas conclusões sejam falsas, ainda que apoiadas em numerosas
observações, os cientistas procuram testá-las procurando os
contra-exemplos que as podem tornar falsas. No caso dos cisnes o
contra-exemplo acabou por aparecer, mas isso não significa que todos os
argumentos indutivos sejam maus. Tudo o que devemos evitar é fazer
generalizações apressadas sem procurar avaliar se as premissas que
sustentam as nossas conclusões são suficientemente fortes para isso.
Também frequentes nas ciências empíricas são os argumentos sobre causas.
Neste tipo de argumentos o que se faz é procurar conexões entre
fenómenos de modo a estabelecer uma relação causal entre eles. A célebre
experiência do cão de Pavlov, a qual levou à descoberta do reflexo
condicionado, é um exemplo deste tipo de argumento. Pavlov submeteu o
cão a determinados estímulos, estudando as suas reacções. Dessa forma
Pavlov conseguiu explicar a relação que existia entre o estímulo
produzido e o salivar do cão. Apesar de este tipo de argumento não ser
habitual em filosofia, há, ainda assim, um cuidado a ter: não concluir
que um fenómeno é causado por outro porque a este se segue sempre
aquele. Este é um raciocínio muito frequente mas incorrecto. Trata-se,
pois, de uma falácia. Essa falácia é conhecida como post hoc. Um exemplo disso é:
O trovão vem sempre depois do relâmpago.
Logo, o relâmpago é a causa do trovão.
Mesmo
sendo verdade que o relâmpago antecede o trovão, é falso que este seja
causado por aquele. De facto, tanto o relâmpago como o trovão são
causados pelo mesmo fenómeno: uma descarga eléctrica.
Resta-me falar dos argumentos de autoridade.
Este tipo de argumento é principalmente utilizado quando queremos
apresentar resultados que não são do domínio geral e que dependem de
alguma forma de competência técnica ou de conhecimento especial. Nesses
casos, nada melhor do que invocar o que os especialistas na matéria em
causa afirmam. A sua forma costuma ser:
X afirma que P.
Logo, P.
Estes
argumentos nem sempre são maus. Mas são frequentemente utilizados de
forma abusiva. Eis um exemplo de um bom argumento de autoridade:
Carl Sagan diz que há mais estrelas do que grãos de areia em todas as praias da Terra.
Logo, há mais estrelas do que grãos de areia em todas as praias da Terra.
Por que razão é este um bom argumento de autoridade? Porque obedece aos dois critérios seguintes:
- A autoridade invocada é reconhecida como tal pelos seus pares;
- os especialistas não divergem entre si.
São
estes mesmos critérios que tornam falaciosos os argumentos de
autoridade em filosofia. Como se sabe, seja qual for o assunto, os
filósofos discordam entre si. Por isso, ainda que o critério 1 fosse
satisfeito, o critério 2 nunca o seria. Utilizar argumentos de
autoridade em filosofia é incorrer numa falácia: a falácia do apelo à
autoridade. Contudo, quando, por exemplo, os filósofos enfrentam
determinados problemas cuja discussão depende de informação científica
disponível, não só podem mas devem apoiar-se naquilo que os
especialistas nessa matéria dizem. Mas sempre com o cuidado de referir
claramente quando e onde é que o especialista afirmou tal coisa.
Gostaria
ainda de referir uma outra falácia que de alguma forma está relacionada
com a autoridade de quem argumenta. Só que, neste caso, para a
desvalorizar. Essa falácia é conhecida como ad hominem. Em vez de
se discutir o argumento, critica-se a pessoa que o produz. Assim se
procura combater as ideias atingindo as pessoas que as defendem. Atacar
as pessoas em vez das suas ideias é uma falácia, infelizmente muito
frequente. Na verdade, mesmo as piores pessoas do mundo podem utilizar
bons argumentos. E os argumentos não são bons ou maus consoante as
pessoas que os produzem.
Quando é que um argumento é bom?
Em
termos gerais, um argumento é bom quando as suas premissas nos oferecem
boas razões para aceitar a conclusão. Mas isto pode não ser
inteiramente esclarecedor. Já
vimos que há argumentos válidos inaceitáveis e que há argumentos que
não são válidos mas são aceitáveis. Temos, portanto, maus argumentos
válidos e bons argumentos não válidos. Sabemos também que todos os
argumentos inválidos são maus. Mas nós não estamos apenas interessados
em argumentos válidos; estamos, principalmente, interessados em bons
argumentos. Ou seja, estamos interessados em todos os argumentos que nos
conseguem persuadir de forma racional. O que não se verifica apenas com
os argumentos válidos. Verifica-se também com argumentos de outros
tipos, sejam eles por analogia, indutivos, sobre causas ou de
autoridade. Em conclusão: nem todos os argumentos válidos são bons e nem
todos os argumentos não válidos são maus.
Vejamos novamente o caso dos argumentos válidos, procurando, desta vez, distinguir os bons dos maus. Ninguém
estaria disposto a deixar-se convencer por um argumento com premissas
falsas, mesmo que tal argumento fosse válido. Frequentemente rejeitamos,
como maus, argumentos válidos, simplesmente porque discordamos de
alguma das suas premissas. Exigimos, pois, que um bom argumento válido
tenha premissas verdadeiras. Sem premissas verdadeiras, um argumento não
pode ser sólido. Por exemplo, o seguinte argumento é válido mas não é
sólido:
A eutanásia deve ser permitida.
A eutanásia não deve ser permitida.
Logo, deus existe.
Por
estranho que pareça, o argumento anterior é válido. Neste argumento
nunca ocorre aquilo que não pode ocorrer num argumento válido: premissas
verdadeiras e conclusão falsa. Não sabemos qual o valor de verdade da
conclusão e nem é preciso. Basta-nos saber que as premissas não podem
ser ambas verdadeiras. Se a primeira é verdadeira, a segunda tem de ser
falsa e vice-versa. Isto significa que as premissas são inconsistentes.
Mas não há aqui nada de novo em relação ao que disse atrás acerca da
solidez dos argumentos, pois podemos rejeitá-lo como mau por ter
obrigatoriamente uma premissa falsa. Daí os argumentos com premissas
inconsistentes serem maus, apesar de serem sempre válidos.
Veja-se agora um outro exemplo, também ele de um argumento válido:
Se a minha teoria é verdadeira, então deus existe.
Se a tua teoria é verdadeira, então deus não existe.
Mas as nossas teorias são ambas verdadeiras.
Logo, deus existe e não existe.
Não
há qualquer circunstância possível em que a conclusão seja verdadeira;
ela é obrigatoriamente falsa porque é uma proposição inconsistente. Mas
dado que o argumento é válido, pelo menos uma das premissas tem de ser
falsa. Caso contrário, teríamos premissas verdadeiras e conclusão falsa,
o que não é permitido num argumento válido. É fácil de ver que, neste
caso, a premissa falsa é a terceira: “as nossas teorias são ambas
verdadeiras”. Concluímos, então, que a inconsistência, quer entre
premissas quer da conclusão, torna qualquer argumento válido num mau
argumento.
Mas vejamos agora outro argumento também ele válido, desta vez sem premissas nem conclusão inconsistentes:
Portugal é um país europeu.
Portimão fica no Algarve.
Logo, o diabo existe ou não existe.
Mais
uma vez, parece estranho que este argumento seja válido. E agora nem
sequer temos premissas inconsistentes, até porque são ambas verdadeiras.
Mas nem sequer precisamos de saber se as premissas são verdadeiras ou
falsas. Basta verificar que a conclusão em circunstância alguma pode ser
falsa. Diz-se, nesse caso, que a conclusão é uma tautologia. E
se a conclusão é tautológica, isto é, se é verdadeira em todas as
circunstâncias possíveis, também não pode acontecer as premissas serem
verdadeiras e a conclusão falsa. Eis a razão pela qual este argumento
tem de ser válido. Ainda assim, ninguém terá dúvidas em considerá-lo um
mau argumento.
Note-se
que não só é válido como tem premissas verdadeiras. Qual é, então, o
defeito deste argumento? O defeito é que as suas premissas são
irrelevantes para a conclusão. Como tal, não oferecem boas razões para
aceitar a conclusão inferida. Temos, pois, um problema de irrelevância das
premissas. A conclusão não se segue das premissas, ainda que as
premissas sejam verdadeiras e o argumento válido. A conclusão é
verdadeira por si mesma, por isso é que se trata de uma tautologia. Por
mais disparatadas que sejam as premissas, a verdade da conclusão está
sempre garantida independentemente delas. Estamos
agora em condições de acrescentar que um bom argumento válido tem de
ser sólido. Só que, para além do que foi dito atrás, a solidez de um
argumento implica que a sua conclusão não seja tautológica. Uma
conclusão tautológica torna as premissas irrelevantes. Proponho que se verifique se um argumento é sólido respondendo às seguintes três perguntas:
- É válido?
- Todas as suas premissas são verdadeiras?
- A conclusão é tautológica?
A
resposta esperada num argumento sólido é “sim” para as primeira e
segunda perguntas e “não” para a terceira. O “sim” da primeira
garante-nos que o argumento apresenta uma forma lógica correcta; o “sim”
da segunda (juntamente com o “sim” da primeira) garante-nos que a
conclusão não se segue de falsidades e que não há premissas nem
conclusão inconsistentes; o “não” da terceira garante-nos que as
premissas não são irrelevantes. Se alguma das respostas não for a
esperada, então o argumento não é sólido. E se não é sólido, também não é
bom.
Mas,
como já referi, há outros argumentos bons que não são válidos. Esses
são os argumentos fortes, sejam eles argumentos por analogia, indutivos,
sobre causas ou de autoridade. Resumindo o que disse atrás, as
analogias fortes são aquelas em que as semelhanças apontadas dizem
respeito a aspectos relevantes para a conclusão que se quer inferir; as
induções fortes são aquelas em que a força das premissas torna altamente
improvável, embora não logicamente impossível, que a conclusão seja
falsa; os argumentos sobre causas são fortes se a sua conclusão sugere
não apenas causas possíveis mas a causa mais provável, ao mesmo tempo
que explica como a causa conduz ao efeito; os argumentos de autoridade
são fortes se se referem a domínios de conhecimento muito
especializados, se a autoridade invocada é reconhecida como tal entre os
seus pares, se os especialistas não discordam entre si, e se a
autoridade e a fonte onde a informação foi colhida estiverem devidamente
identificadas. Podemos agora concluir que os argumentos bons são todos os argumentos sólidos e todos os argumentos fortes.
De que serve, afinal, estudar lógica?
Será
que as pessoas que não estudam lógica não conseguem argumentar nem
pensar consequentemente? É óbvio que o conseguem, tal como muitas
pessoas analfabetas falam o português, aplicando correctamente muitas
das regras gramaticais que elas próprias desconhecem. O mesmo se passa
em relação à matemática. Há muitas pessoas que nunca estudaram
aritmética e que dificilmente se deixam enganar nas contas. Se, com
relativo sucesso, somos intuitivamente capazes de pensar de forma lógica
e consequente, porquê então estudar lógica? Penso que há três razões principais:
- O estudo metódico e sistemático da lógica desenvolve uma técnica que, na medida em que o fazemos de maneira explícita e consciente, nos permite pôr à prova muitos dos nossos juízos intuitivos.
- O treino do uso explícito das regras da lógica dá-nos a possibilidade de aperfeiçoar o raciocínio.
- O domínio da lógica permite avaliar a racionalidade de algumas das nossas opiniões, na medida em que as premissas dos nossos argumentos exprimem opiniões nossas e as suas conclusões aquilo que tais opiniões nos levam a afirmar (novas opiniões).
Conceitos principais
Os seguintes conceitos aparecem destacados quando são referidos pela primeira vez no texto:
O que é um argumento?
Argumento, Premissa, Conclusão, Premissa suprimida.
O que é uma proposição?
O que é a validade?Proposição, Frase declarativa, Condições de verdade, Valor de verdade.
Validade, Forma lógica, Argumento sólido.
Que tipos de argumentos há?
Argumento dedutivo, Argumento por analogia, Argumento indutivo, Argumento sobre causas, Argumento de autoridade, Argumento forte, Argumento fraco, Falácia.
Quando é que um argumento é bom?
Inconsistência, Tautologia, Irrelevância.
Exercícios
Exercício 1: Identifique as premissas e conclusões dos seguintes argumentos, tornando explícitas quaisquer premissas suprimidas:
- O pavilhão de Portugal na Expo’98 foi desenhado por Siza Vieira. Por isso é bonito, já que tudo o que é desenhado por Siza Vieira é bonito.
- Sartre era nacionalista, pois pertenceu à resistência e as pessoas que pertenceram à resistência eram nacionalistas.
- Gosto muito de arte, uma vez que vou frequentemente a exposições.
- O Aguiar foi multado porque foi apanhado sem os documentos do carro.
- Pavarotti é italiano, portanto é latino.
- Não podes ser um bom filósofo se não sabes argumentar. Ora, tu sabes argumentar, portanto podes ser um bom filósofo.
- Ou a minha teoria não é verdadeira ou a tua teoria não é verdadeira, pois se a minha teoria é verdadeira, deus existe. Mas se a tua teoria é verdadeira, deus não existe.
Exercício 2: Diga quais das seguintes frases exprimem proposições:
- Existe vida fora da Terra.
- 2+2=5.
- O vinho é um metal raro.
- Aceitam-se listas de casamento.
- Silêncio!
- Tenho uma dor de dentes.
- Ver Veneza e morrer.
- Esta frase não exprime uma proposição.
- Duas frases declarativas exprimem a mesma proposição se, e só se, têm as mesmas condições de verdade.
- A China é um país distante.
- Lisboa não é a capital de Portugal.
Exercício 3: Consegue atribuir um valor de verdade a cada uma das frases declarativas anteriores. Porquê?
Exercício 4: Diga quantas frases declarativas se encontram na lista que se segue. E quantas proposições?
- Dois mais três é igual a cinco.
- Três mais dois é igual a cinco.
- Espera aí!
- Dois mais três é igual a cinco.
- Cinco é igual a dois mais três.
- Prometo que vou tirar positiva no teste de lógica.
- Teixeira Gomes foi o autor de Agosto Azul.
Exercício 5: Dê um exemplo de um argumento válido com premissas e conclusão falsas.
Exercício 6: Dê um exemplo de um argumento inválido com premissas e conclusão verdadeiras.
Exercício 7: Dê um exemplo de um argumento sólido.
Exercício 8: Identifique o tipo de cada um dos seguintes argumentos e diga se os considera fortes ou fracos:
- Os ingleses são violentos, pois basta olhar para os hooligans.
- Os grandes criadores musicais permitem certas dissonâncias nas suas sinfonias com a finalidade de realçar as partes harmoniosas. Ora, o mundo é como uma sinfonia. Daí que o criador do mundo permita a existência do mal com a finalidade de realçar o bem.
- Impedir alguém que não é cristão de fazer aborto em nome da santidade da vida é como impedir os cristãos de comer carne de vaca em nome da divindade das vacas para os hindus. Ora, é errado impedir os católicos de comer carne de vaca porque os hindus consideram que as vacas são sagradas. Logo, é errado impedir os que não são cristãos de fazer aborto em nome da santidade da vida.
- O Papa diz que as relações sexuais antes do casamento estão na origem de muitos conflitos familiares. Logo, as relações sexuais antes do casamento conduzem a muitos conflitos familiares.
- Sartre afirma que o homem está condenado a ser livre, portanto o homem não pode deixar de ser livre.
- Vários estudos mostram que sempre que baixam as taxas de juro aumenta o preço das casas. Logo, a baixa das taxas de juro provoca o aumento do preço das casas.
- Nenhuma pessoa até hoje viveu mais de 150 anos. Logo nenhuma pessoa vive mais de 150 anos.
Exercício 9: Diga quais dos seguintes argumentos não são bons e porquê:
- Se tudo é arte, então este argumento é uma obra de arte e se este argumento é uma obra de arte, o seu autor é um artista. Assim, se tudo é arte, o autor deste argumento é um artista.
- O diabo existe, mas deus foi o seu criador. Logo o diabo existe ou não existe.
- O Paulo responde a este exercício e não responde a este exercício. Logo, o Paulo não sabe lógica.
- Todos os portugueses são latinos. Luís Figo é latino, portanto Luís Figo é português.
- Faro fica no Algarve e o ferro é um metal. Logo, Fernando Pessoa não ganhou o Prémio Nobel da literatura.
- Bill Gates afirma que dentro de cinco anos os aparelhos de televisão irão passar a ter as mesmas funções que os computadores actuais. Logo, dentro de cinco anos os aparelhos de televisão passarão a ter as mesmas funções que os computadores actuais.
- Todos os espanhóis são toureiros. Plácido Domingo é espanhol. Logo, Plácido Domingo é toureiro.
Fonte: Crítica na Rede