Há algum tempo o Pr. e prof. Gaspar de Souza, amigo de longas datas,
traduziu um artigo do blog “Reformed Apologist” para seu blog
pessoal, “Eis Nosso Tempo” (http://profgaspardesouza.blogspot.com.br/2013/08/molinismo-problemas-problemas-e.html). O referido
texto/artigo é intitulado “Molinismo – problemas, problemas, problemas”.
Temos posicionamentos teológicos e filosóficos diferentes quanto à questão do
“Determinismo Teológico”. Apesar de nossos eventuais “embates” (debates em
rádios, tv ou mesmo pela Internet), aprendemos a respeitar-nos e centrarmos
nossos esforços filosófico-apologéticos no combate às ideias (não às pessoas),
por mais absurda ou ridícula que uma afirmação ou posicionamento possa parecer
para o outro. Este texto passará por uma análise nossa – cujas observações
estarão em negrito
vermelho), pois, pelo que vi, expressam de um modo geral a crítica calvinista à
questão do “Determinismo”, conforme defendida pelo eminente apologista cristão
William L. Craig, além de outros grandes nomes, na História. O que se
caracteriza por “Molinismo” é, na verdade, um somatório de construções
argumentativas e deduções lógicas que se formaram ao longo dos séculos da era
cristã. Vamos ao texto e às nossas considerações:
Molinistas e Calvinistas concordam sobre a validade do argumento a
seguir, onde X é uma escolha pessoal (Nota: chamaremos de “Argumento 1″):
1. Necessariamente, se
Deus conhece X de antemão, então X acontecerá;
2. Deus conhece X de
antemão
3. Então, X acontecerá.
Molinistas e Calvinistas até concordam que o seguinte argumento, como
escrito, é falacioso (Nota:
chamaremos de “Argumento 2″):
1. Necessariamente, se
Deus conhece X de antemão, então X acontecerá
2. Deus conhece X de
antemão.
3. Então, X acontecerá
necessariamente.
Nota:
de fato, o argumento é falacioso. Chama-se “Falácia da Necessidade do
Consequente”. Filósofos medievais, como aponte o dr. William L. Craig,
“…reconheceram essa falácia e a classificaram como uma confusão entre necessitas
consequentiae (necessidade das consequências ou da inferência) e necessitas
consequentis (necessidade do consequente)…” (CRAIG, W.L; MORELAND, J.P. Filosofia
e Cosmovisão Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2005, pg. 75).
A falácia em vista é aquela de transferir a necessidade da inferência
para a conclusão. Todavia, o Molinista não aceitará que a falácia possa
desaparecer em um número de modos diferentes. Um modo é por estabelecer que uma
condição necessária para a presciência de Deus sobre X é a necessidade de X. Os
Molinistas afirmam que X ocorrerá, não necessariamente, mas contingentemente.
Claro, um X contingente, por definição, possivelmente pode não ocorrer.
Então, os Molinistas são deixados com Deus conhecendo que X pode não ocorrer
enquanto sabe que X ocorrerá – mas estas são verdades contraditórias e, então,
impossível para Deus conhecer. Assim, a presciência de Deus de X pressupõe a
necessidade de X pela simples razão que pode e será
semanticamente antitético e é verdade que X ocorrerá. Conseqüentemente, se X
ocorrerá, então é falso de que [talvez] possa ocorrer (Nota: chamaremos de
“Argumento 3″).
1. Necessariamente, se
Deus conhece X de antemão, então X acontecerá
2. Necessariamente, Deus
conhece X de antemão
3. Então, X
necessariamente acontecerá.
Nota:
perceba que aqui houve um erro, aliás, dois erros graves. O primeiro é insistir no
termo “molinismo”, quando a questão já era prevista e considerada desde Boécio
(480-525), no seu “Do Consolo pela Filosofia“. Bem, Tomás de Aquino
(1225-1274) foi um dos que melhor tratou a questão da inferência do consequente
e Luis de Molina (1535-1600) deu uma roupagem mais sofisticada, trabalhando a
hipótese dos três tipos de conhecimento onisciente de Deus: o natural,
o médio e o livre. A ideia central do chamado
“molinismo” é, em suma, conciliar a presciência de Deus e sua ação através
das ações “livres” dos homens, estabelecendo-se, portanto, uma teoria que
não prescinde da soberania de Deus em prol da liberdade humana, ou
vice-versa, não prescinde da liberdade humana em prol da soberania divina. Há
questões complexas no molinismo, e não concordo com todas, mas é inegável que,
a exemplo de seus predecessores, o molinismo possui uma resposta elegante e
racional para a questão livre-agência humana x soberania divina.
O
outro erro da questão é de contradição. Observe que se admitiu, no início que
o “Argumento 2″, que este era falacioso. Agora, o autor afirma que “não é
mais falacioso”, pois, segundo escreveu, a premissa “Deus conhece X de antemão”
é IDÊNTICA a esta outra, “Necessariamente, Deus conhece X de antemão”. Ele
afirma que o conhecimento prévio de X IMPLICA NECESSARIAMENTE no
acontecimento de X, e, consequentemente, no acontecimento de X, ou seja,
justamente a forma que se sabe ser falaciosa. Em outras palavras: para o autor
do artigo, o “Argumento 2″ é a mesma coisa que o “Argumento 3″, algo do
que discordo logicamente. O conhecimento prévio de X NÃO
IMPLICA no acontecimento de X (necessariamente), pois, abre-se a questão
da possibilidade. Esta abertura nos remete à ideia de várias
possibilidades, todas contingentes, as quais Deus sabe (este é ponto
central da verdadeira onisciência). A questão não é que Deus sabe previamente
de UM ACONTECIMENTO X, o que obviamente implicaria necessariamente
neste acontecimento X: Deus sabe de TODOS os ACONTECIMENTOS
POSSÍVEIS, inclusive o acontecimento X, que só pode existir
contingentemente. E o pior: mesmo admitindo a falácia da inferência do
consequente, alguns calvinistas esforçam-se para afirmar que isto “não é
fatalismo”!!! Bem, para mim, “cheira”, parece, tem a forma e todas as demais
características do mais frio fatalismo.
Os Molinistas negam que Deus necessariamente conhece X de
antemão. De fato, o papa do Molinismo, Willian Lane Craig, afirma que “a
Teologia Cristã sempre tem mantido que a criação do mundo é um ato livre de
Deus, que Deus poderia ter criado um mundo diferente – no qual X não ocorre –
ou até nem [criado] um mundo. Dizer que Deus necessariamente conhece um evento
X de antemão implica que este é o único mundo que Deus poderia ter criado e,
assim, nega-se a liberdade divina”.
Apenas de passagem, observe que os Molinistas não são tipicamente bem
vistos nas áreas de Teologia Reformada Sistemática e Histórica, do
Protestantismo Reformado. Na parte IV, seção VII do Clássico de Jonathan
Edwards, The Freedom of the Will, Edwards tem muito a dizer sobre este assunto
sob o título “Acerca da Necessidade da Vontade Divina”.[1]
Edwards, eloqüentemente, afirma que “ninguém discute qualquer dependência da
vontade de Deus, que sua suprema sábia volição é necessária, que isto infere
uma dependência de seu ser, que sua existência é necessária. Se for alguma
coisa muito insignificante para o Supremo Ser ter sua vontade determinada pela
necessidade moral, assim [será] tão necessária em todo caso a vontade santa e
ditosa em mais alto grau. Então, por que também não é insignificante para ele
ter sua existência, e a perfeição infinita de sua natureza, e sua infinita
felicidade, determinada por necessidade. Não é mais desonra para Deus ser
necessariamente sábio do que ser necessariamente santo… e, em todo caso, agir
mais sabiamente ou fazer as coisas mais sábias de todas; pois a sabedoria é,
também, em si mesmo excelente e honorável… mais uma coisa a ser observada antes
de concluir esta seção. Que, se isto em nada invalida da glória de Deus
necessariamente determinada pela condição superior em alguma coisa; então,
também não deve ser assim determinada em todas as coisas.
Meu apelo a Edwards como um
representante da Teologia Reformada Ortodoxa é simplesmente mostrar que a
observação de Craig é, no mínimo, injustificável. Pensadores reformados
consideram as escolhas livres libertárias uma irracionalidade filosófica, da
mesma forma que a noção metafísica boba pertencente ao homem, mas como também
pertencente a Deus. Não apenas Molinistas como Craig não percebem que a
necessidade da vontade divina é sustentada por um vasto número de Calvinista,
[mas] observam também a imprecisão das observações de Craig onde ele fala de
liberdade. Molinistas não fazem distinção alguma entre a liberdade (ou seja, a
capacidade de escolher como se quer) e o poder de escolha contrária, que é a
alegada capacidade de agir de forma contrária à forma como se queria
(livre-arbítrio libertário). Os dois [tipos] são os mesmos para o Molinista; no
entanto, a primeira ideia é pertencente à responsabilidade moral, enquanto a
última é uma noção metafísica que no fim destrói a responsabilidade moral. É
triste ter que perguntar, mas alguém já leu um Molinista que tenha interagido
como a noção de liberdade, que é a própria sede da responsabilidade moral? Por
que a habilidade de escolher como se quer não é uma condição suficiente para
responsabilidade moral? O Molinista nos diz por que a liberdade é insuficiente?
Não, eles simplesmente ignoram a questão da liberdade e fazem afirmações brutas
de que nós somos capazes de escolher contrário ao que nós queríamos, a fim de
ser agentes moralmente responsáveis. O que é, afinal, ser capaz de escolher X,
quando nós pretendemos escolher não-X? Se isto é uma caricatura da liberdade
libertária, então [como] um Molinista explicará esta noção metafísica à luz do
problema do regresso infinito que é inerente à noção?
Nota: aqui há várias
confusões, talvez oriundas das muitas generalizações a esmo que faz o autor do
artigo. Sutil, mas talvez inconsequentemente, o autor do artigo passa a
questionar o “livre-arbítrio libertário” que, para alguns defensores do
livre-arbítrio, é algo existente no Homem, como em Deus. Particularmente,
discordo desta premissa, pois, parafraseando Agostinho, “se nasço escravo do
pecado, e nasço, meu arbítrio não é tão livre assim”. De fato, o grande
problema é a insistência desta ala reformada (principalmente os calvinistas
modernos) de especularem as ações de Deus, seu pensamento, se “decreto”,
seus propósitos, seu “projeto”, tudo “em função de….”, e aí normalmente
eles apresentam-nos Deus como um ser qualquer, em termos filosóficos, ou seja,
como se tudo o mais que viesse a caracterizar Deus (por exemplo, seus atos
divinos) fossem categorias do ser divino, assim como os acidentes
são categorias dos seres contingentes. Esta questão de “em função de…” (seu
“ser”, por exemplo) é complicado quando aplicamos a Deus, pois não vejo nada em
Deus que é “em função de….”. Os projetos de Deus são tão em função do
ser divino, quanto o ser divino é função dos projetos de Deus. Explico: em
Deus não há qualquer tipo de potencialidade. Deus é “ato puro”,
como bem afirmou Tomás de Aquino. Em Deus, nada é a posteriori. Os
calvinistas (principalmente os mais modernos) admitem algo como uma “substância
primária”, o Ser Divino, em função do qual tudo o mais é feito. É por isso que
eles se sentem confortáveis com afirmações como essa: “O decreto divino é em
função de sua natureza”. Esta CLARA e INEQUÍVOCA hierarquia categórica
no ser de Deus não faz sentido algum. Deus decidiu sabendo, soube decidindo,
escolheu (o que quis escolher) prevendo, previu escolhendo, e não somente isso:
como ser ilimitado, Deus pensou tudo o que poderia ser pensado, em
todas as nuances, concebendo todos os mundos possíveis e todos seus infinitos
desdobramentos, EM UM ÚNICO MOMENTO, O MOMENTO “ETERNO”, haja vista
que Deus não QUALQUER potencialidade. Sendo assim, o ato de Deus só pode ser
considerado “perfeito” em todo e qualquer aspecto, justamente porque quaisquer
outros atos seriam menos perfeitos do que o ato escolhido por Deus.
Esta é a verdadeira beleza de levarmos a perfeição de Deus – ou seja, sua
ilimitação – até às últimas consequências. Se Anselmo de Cantuária (1033-1109)
estava certo, quando deu a forma do Argumento Ontológico da
existência de Deus, no “Prologion”, ou seja, que “Deus é o ser acerca do qual
nada de maior pode ser concebido”, e consigo conceber um Deus que é “maior” do
que este “Deus”, cujas ações “são em função de seu ser”, então fico com Anselmo
e com a concepção de um Deus que, ao meu ver, faz maus jus àquilo que está
escrito, por exemplo, no Sl. 139, em Is. 9 e em Êx. 3: um Deus que se nos é
apresentado como ILIMITADO e, portanto, PERFEITO.
Insistente, deveríamos ver que a
premissa menor, que “necessariamente, Deus conhece de antemão X” é, de
fato, verdadeira. Se a presciência de Deus sobre X não era necessária, então
ela era contingente. Esqueça por um momento que os futuros contingentes – sendo
verdadeiramente contingentes – desafiam os verdadeiros valores eternos com
respeito ao seu resultado, (como os Teístas Abertos têm demonstrado. Nota: “demonstrado” não, “argumentado”). Qual a simples verdade de que todas as coisas eternas (Deus e seus
pensamentos) devem ser necessárias? Afinal, Deus deliberou? Ele moveu-se do
não-saber para o saber? Além disso, onde está fundamentado “X acontecerá” se
não na determinação eterna de Deus? E caso contrário, o que significa
determinar X sem determinar a causa de X? Será que causas contingentes
determinam o decreto eterno de Deus, o que inclui a noção arminiana de
“certezas contingentes”?
Uma terceira maneira de se livrar da
falácia é utilizar fatos que estão gramaticalmente no passado [e] contemplá-los
como no futuro. A progressão abaixo não toma atalhos, então pode parecer um
pouco entediante, mas cada passo é apropriado.
Nota: observem o perigo
do fatalismo, disfarçado da inferência de que “Deus conhece X” é a
mesma coisa que “Necessariamente Deus conhece X” e que, portanto,
implicam em “Logo, necessariamente X acontecerá”: Se Deus previu todos os atos
pecaminosos, logo – por esta “lógica” fatalista e determinista – Deus os
“determinou”. Assim, Deus determinou todos os atos, inclusive os
pecaminosos, pois segundo o determinismo irrestrito, se Deus anteviu, de certa
forma determinou. Como no determinismo irrestrito TUDO acontece em
função do decreto divino, que por sua vez existe em função do ser
divino, os deterministas não se preocupam muito com as implicações da
causalidade, apelando para conceitos abstratos e complexos como “a soberana e
inefável vontade e a sabedoria inalcançável de Deus”. É sabido em lógica que,
quando a solução de determinado problema gera mais e maiores problemas e é mais
complexa do que o problema em si, deve ser descartada como falsa. As
implicações ético-morais de se afirmar que “a necessidade do conhecimento
divino é em função de seu ´decreto´” são enormes e, ao meu ver,
insuperáveis. Simplesmente, é antibíblico afirmar que Deus
“determinou os atos pecaminosos” dos homens, além do que, a ontologia divina,
sob este prisma, torna-se completamente irreconhecível à luz das Escrituras. É
mais fácil, coerente, lógico e principalmente bíblico falar que Deus sabe
de todas as possibilidades e que, como pensou tudo o que poderia ser
pensado, em quaisquer aspectos, sabe exatamente como criar um mundo (possível,
isto é, este, o nosso mundo), no qual as ações humanas (em seu pouco spectro de
possibilidade de livre-agência, por causa do pecado) coincidam e
existam em função de um projeto divino, no qual a vontade de Deus é plenamente
satisfeita e jamais vituperada. Este mundo “possível” é o nosso, e não é à toa que
podemos chamá-lo de “melhor mundo possível”, a exemplo de Leibniz (1646-1716).
Mas, vamos aos próximos argumentos do determinista:
Estabelecer a
necessidade de crença de Deus sobre a escolha de Tom (Nota: chamaremos de “Argumento 4″):
1. 100 anos atrás, Deus
sabia que Tom escolheria X amanhã
2. Se X é crido no
passado, então agora é necessário que X seja crido então.
3. Então, agora é
necessário que 100 anos atrás Deus acreditava que Tom fará X amanhã.
Nota: Tudo depende do
que se inferiu a partir do “Argumento 4″. Sutil (ou inconsequentemente), o
autor admite que “Deus sabia 100 anos atrás que Tom faria X amanhã” e,
posteriormente, admite que “se X é ´crido´no passado, então agora é necessário
que X seja ´crido´”, ou seja, “P →◘P” (lê-se “Se P, então necessariamente “P”).
O problema é o mesmo já discutido, mas, para explicarmos ainda melhor o
problema das premissas, coloquemos as mesmas com a notação lógica:
Assim ficaria o
“Argumento 4″
1. P
(Deus sabia que Tom escolheria
amanhã, 100 anos atrás)
2. P → ◘P
(Se X é crido (ou “sabido”) no passado, então agora é necessário que X
seja crido (ou “sabido”)).
Logo,
◘P
(Agora, é necessário que 100 anos
atrás Deus acreditava (ou “sabia”) que Tom fará amanhã).
Qual o problema?
A verdade da premissa 2. Simplesmente não é verdade que,
se Deus sabe de algo 100 anos atrás, então isto acontecerá necessariamente.
Voltemos à questão dos mundos possíveis: Deus pode saber da
possibilidade de algo (pois, tudo o que não é Deus, é possível,
não necessário), o que implicará ou não no acontecimento de algo. A
notação correta para expormos a presciência de Deus e a relação com os
acontecimentos futuros seria, portanto:
1. P
2. P → (P V ¬P)
(Se, há 100 anos, Deus sabe de algo que vai acontecer amanhã
[possivelmente], então ou acontecerá amanhã ou não acontecerá amanhã).
Logo,
P V ¬P
(Algo acontecerá ou não
acontecerá amanhã).
Vejam este exemplo
bíblico: Deus chega-se a Moisés e, após mais um ato de rebeldia do povo de
Israel no deserto, diz ao legislador e profeta que, dele, faria uma grande
nação e extirparia todo o povo rebelde: “Disse o Senhor a Moisés: “Então o
Senhor disse a Moisés: “Desça, porque o seu povo, que você tirou do Egito,
corrompeu-se. Muito depressa se desviaram daquilo que lhes ordenei e
fizeram um ídolo em forma de bezerro, curvaram-se diante dele, ofereceram-lhe
sacrifícios, e disseram: ‘Eis aí, ó Israel, os seus deuses que tiraram vocês do
Egito’ “. Tenho visto que este povo é um povo obstinado. Deixe-me agora, para
que a minha ira se acenda contra eles, e eu os destrua. Depois farei de você
uma grande nação”. Moisés, porém, suplicou ao Senhor, o seu Deus,
clamando: “Ó Senhor, por que se acenderia a tua ira contra o teu povo, que
tiraste do Egito com grande poder e forte mão? Por que diriam os egípcios:
‘Foi com intenção maligna que ele os libertou, para matá-los nos montes e
bani-los da face da terra’? Arrepende-te do fogo da tua ira! Tem piedade, e não
tragas este mal sobre o teu povo! Lembra-te dos teus servos Abraão, Isaque
e Israel, aos quais juraste por ti mesmo: ‘Farei que os seus descendentes sejam
numerosos como as estrelas do céu e lhes darei toda esta terra que lhes
prometi, que será a sua herança para sempre’ “. E sucedeu que o Senhor
arrependeu-se do mal que ameaçara trazer sobre o povo” Êxodo 32:1-14.
Havia uma possibilidade
real de o povo ser destruído por Deus e recomeçar com Moisés, que era
descendente de Abraão. A promessa, embora tardasse um pouco mais, seria
cumprida, ou seja, a descendência de Abraão conquistaria a Terra. Mas, após a
oração de Moisés, Deus tem misericórdia do povo (o que o autor sagrado descreve
com o verbo “arrepender-se”) e não o destrói. Creio piamente que Deus revelou a
Moisés que “se arrependera” de destruir o povo e que ouvira a oração o profeta,
e foi justamente por isso que Moisés escreveu tal coisa no livro do Êxodo. Se
só houvesse a possibilidade de o povo ser destruído, jamais Deus teria
voltado atrás naquilo que propunha a Moisés (destruir o povo, pois seria ou um
Deus não onisciente ou seria um Deus sádico e mentiroso, que propunha algo
que Ele sabia que jamais aconteceria, o que é um absurdo.
Estabelecer a necessidade da
escolha de Tom, dada a necessidade da crença de Deus (Nota:
chamaremos de “Argumento 5″):
4. Necessariamente,
se 100 anos atrás, Deus sabia que Tom faria X amanhã, então Tom fará X amanhã.
5. Se p (i.e, a crença
histórica de Deus sobre a escolha de Tom) agora é necessária (3), também
necessariamente se p, então q; então q (i.e, a escolha de Tom de X
amanhã;[consequente de 4]) agora é necessário [transferido do princípio da
necessidade].
6. Então, agora é
necessário que Tom fará X amanhã [3, 4 e 5]
Estabelecer que Tom
não agiu livremente, dado a necessidade da escolha de Tom (Nota: chamaremos de “Argumento 6″).
7. Se agora é necessário
que Tom fará X amanhã, então Tom não pode fazer outra coisa.
8. Então, Tom não pode
fazer outra coisa que não X amanhã.
9. Se [Tom] não pode
fazer outra coisa, então [Tom] não age livremente.
10. Então, quando Tom
fizer X amanhã, ele não fará livremente.
Nota: como o leitor já
deve ter percebido, o malabarismo lógico é justamente para se chegar à
conclusão (n. 10), do “Argumento 6″, que curiosamente, o
determinista afirma não ser fatalismo….. ué, então o que é?….
Rsrsrsrs.
Molinistas novamente aceitarão a
validade do argumento, mas terão problemas com algumas premissas, ou seja, 5 e,
possivelmente também 2. Com respeito a 2, um Molinista pode querer afirmar que
a necessidade do passado não se aplica ao passado todo, mas isso é uma censura
arbitrária. Um Molinista pode também objetar a premissa 5, onde uma mudança de
modalidade ocorre segundo necessidades acidentais (necessidades sobre o
passado) são mescladas com necessidades metafísicas que têm a ver com as ações
de escolher. Isso, no entanto, representa um caso clássico de distinção sem
diferença relevante. A objeção Molinista é a transferência do princípio da
necessidade, ainda que eles permitam o mesmo princípio da lógica quando tratam
com a validade do argumento 3. Realmente, suas objeções deveriam ser apenas
às premissas 2 do argumento 4, mas eles estão preparados para argumentar que o
passado é contingente e não necessário?
Dado a objeção de transferência do
princípio da necessidade, a posição Molinista reduz-se a: a escolha de Tom de X
necessariamente ocorrerá, mas contingentemente. O que significa X ocorrer
necessariamente por meios contingentes? Em outras palavras, o que significa uma
ocorrência necessária ocorrer contingentemente!? (novamente, “vontade=poder”
para o Molinista)
Em suma, o lamento de Craig com o
argumento 3 é que ninguém pode provar a necessidade do conhecimento de
Deus. Se alguém puder provar a necessidade, então sou conduzido a crer por sua
palavra que ele aceitaria a conclusão do argumento 3 acima, que afirma a
natureza não-contingente da escolha. Consequentemente, o problema com Craig e
seus discípulos durante a prova de 10-passos não deveria ser superior a
qualquer alteração na modalidade no passo-5, desde que o mesmo tipo de mudança
na modalidade ocorre no argumento 3 sem objeção! A objeção de Craig ao
argumento 3 não é uma objeção de mudança de modalidade, mas sim, estritamente
uma objeção metafísica pertencente à liberdade de Deus. Não tendo nenhuma
objeção modal ali, os Craiguitas não deveriam encontrar nenhum argumento em 4
também. Consequentemente, Craig e seus discípulos deveriam ao menos começar a conceder
que, com o tempo, o pré-conhecimento de Deus torna-se necessário (passo 3 –
argumento 4), que os conduziriam a abraçar todos os argumentos válidos como
sendo sólido dado que não há objeção modal para o argumento 3. Então, por que
eles não fazem? Porque o assunto é ético, não intelectual. Essa é a razão. Deus
ocultou dos Arminianos as gloriosas doutrinas da graça e é por isso que eles
dizem coisas tais como “como Deus pode encontrar culpa, pois quem pode resistir
à sua vontade?”. Temo que os Arminianos não reconheçam que Romanos 9 está
falando a eles.[2]
Nota:
bem, não sou “arminiano”, nem “craiguita” (rsrs), mas há muito do que discordar
aqui. Em primeiro lugar, vejamos o que ele quer dizer com “passado necessário”.
Segundo Aristóteles, o passado é necessário quanto a asserções de verdade –
dada uma discutida tese de que, para Aristóteles, a verdade implica
necessidade (ver DE MORAES, Lafayette. ALVES, Roberto Carlos Teixeira.
A Modalidade a Respeito dos Contingentes Futuros em Aristóteles, De
Interpretatione 9. Cognitio, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 243-266,
jul./dez. 2009. Neste artigo também se observa a forma completamente errada,
segundo os autores, de “P → ◘P”). A “premissa 2 do argumento 4″, à qual se
refere o autor no parágrafo retrasado, é justamente esta: “Se X é crido no
passado, então agora é necessário que X seja crido” (ou, P → ◘P). A objeção
para os que, como eu, afirmam que esta forma está completamente errada, é
que, no caso de Deus, se Ele cria em X no passado, então este X deve
ser crido necessariamente“. Mas aqui o autor comete um erro um tanto comum
acerca do que é necessário. Não há um só tipo de necessidade: há a
“necessidade lógica” e a “necessidade como operador modal”. Vejamos: “Sócrates
é grego” e “os gregos são mortais”, logo, deve-se concluir necessariamente que
“Sócrates é mortal”. Esta é a necessidade lógica. Isto é diferente de “Necessariamente, Sócrates
é mortal”. Esta é a necessidade do operador modal. É fácil vermos a distinção
com outro exemplo:
1.
Todos os homens nascidos de mulher não são eternos.
2.
Jesus nasceu de uma mulher.
Logo,
3.
Jesus não é eterno.
É
correto concluirmos, pelo argumento, ou seja, necessariamente, que
“Jesus não é eterno”. Mas, como bem sabemos, Jesus é eterno. A necessidade
lógica tem a ver como o argumento é construído. É completamente diferente de
dizer que “Necessariamente, Jesus é eterno”. Vejamos esta outra
construção:
1.
Se o que acontecer amanhã às 11:00 é sabido, então é necessário que o
que acontecer amanhã seja sabido.
2. Há
mil anos, Deus sabia o que acontecerá amanhã às 11:00.
Logo,
È
necessário que Deus saiba o há mil anos o que irá acontecer amanhã às
11:00.
Forma
lógica:
1.
P → ◘P
2
P
Logo,
◘P.
A
forma lógica está correta… mas, a forma do argumento NADA tem a dizer
sobre a verdade das premissas do argumento. Com esta forma – que já vimos
redundar numa conclusão falsa, porque uma premissa é absurda (a primeira) -,
podemos dizer que “é necessário concluir necessariamente P“, mas
isso não significa que o “necessariamente P” esteja certo!! Vejamos outro
exemplo, só que absurdo:
1.
Se eu quiser beber água, necessariamente beberei água.
2.
Eu quero beber água.
Logo,
3.
Necessariamente, beberei água.
Vejam,
a forma lógica está correta. (1.P → Q, 2. P, logo 3. Q). Logicamente, está
correto dizer, pela premissa 1, que se eu tiver a condição “quero beber água”
(premissa 2), então eu “necessariamente, beberei água” (premissa 3). Mas, vejam
que esse necessariamente está errado. Seu eu quiser beber água, mesmo assim
posso beber um suco. E de onde vem o erro? Da falsidade da premissa 1 (P → ◘P).
Esta premissa tem um operador modal mal colocado, o que a torna falsa. A
conclusão será modalmente falsa.
[1] Disponível em: < http://www.ccel.org/ccel/edwards/will.pdf>
[2] A objeção ao Dr. Craig, bem
como a crítica ao Arminianismo, em nada diminui as contribuições que ambos têm
prestado ao Cristianismo, nem tampouco venho a considerá-los como
“não-Cristãos”. Mantenho meu respeito e admiração pela irmão Dr. Craig e pelos
irmãos Arminianos. As palavras do Dr. Cornelius Van Til são-me úteis e
diretivas: “Somos gratos e nos alega o trabalho feito por arminianos no
testemunho do evangelho. Alegres, por causa do fato de que, a despeito da
inconsistência de sua apresentação o testemunho cristão, algo, com muita
frequência, da verdade do evangelho brilha para os homens, e eles são salvos“(VAN
TIL, Cornelius. O Pastor Reformado e o Pensamento Moderno. São Paulo: Cultura
Cristã, 2010. p.55)[Nota do Tradutor]”.
Sei
que a questão é complexa e exige um certo domínio de princípios de lógica.
Mas, grosso modo, a verdade dos questionamentos ao posicionamento
determinista apresentam barreiras intransponíveis, tanto no campo da teologia,
quanto no da filosofia e no da lógica. Por estes e outros motivos, receio que,
apesar do apelo piedoso e do fato de querer a todo custo salvaguardar a
soberania divina em detrimento de qualquer ingerência humana, o pensamento
determinista é errado, incoerente e não respeita a lógica, da qual ele mesmo
procura valer-se. Há um ditado que diz: “Abandonamos aquilo que é bom, quando
encontramos algo melhor”. O determinismo tem muitos aspectos bons, mas os que
admitem uma resposta mais moderada encontraram um viés lógico, filosófico e
teológico bem melhor.
Fonte:
BLOG FATOS EM FOCO