Um estudo recentemente publicado confirma o perigo de que muita gente
já desconfiava, mas ao qual faltava fundamentação: o uso inadequado das
redes sociais acompanha o declínio estatístico na frequência às
igrejas. O cientista Allen Downey, da Olin College de Engenharia da
Computação, em Massachussets (EUA), encontrou fortes indícios de que a
queda na filiação religiosa tem ligações com o aumento do uso da
internet e, particularmente, de ferramentas como Facebook e Twitter, que
não só tomam tempo excessivo das pessoas como as expõem a uma série de
informações, conceitos e comportamentos prejudiciais à fé cristã. "O
aumento do uso da rede mundial nas últimas duas décadas causou grande
impacto na filiação religiosa", defende o pesquisador. Ele traçou
paralelos entre a importância crescente das redes sociais no cotidiano
das pessoas e a sua expressão de fé – e a correlação entre uma e outra
ficou clara – em alguns cruzamentos de dados, o absenteísmo à igreja,
entre usuários cristãos ativos de redes sociais, beira os trinta por
cento. "É fácil imaginar que uma pessoa que foi educada em uma
determinada religião possa se afastar dela, mas a proporção atual foge
das tendências ao longo da história", conclui Downey.
Isso é apenas uma ponta do iceberg. Desde que as redes sociais
entraram no ar para valer – a maior delas, o Facebook, acaba de
completar dez anos e já contabiliza 1,2 bilhão de usuários –, seu uso,
para todos os fins, só faz crescer. Pesquisa da Intel mostrou que os
brasileiros são os que mais discutem religião na internet móvel e nas
redes sociais. Tamanha multiplicidade de possibilidades tem tornado
possíveis mudanças em diferentes aspectos relacionados à vida humana –
inclusive, claro, a fé e a espiritualidade. "Já se pode falar em uma
'religiosidade cibernética', formato para expressão da fé surgida com o
avanço da internet e das novas tecnologias", aponta a jornalista e
doutora em Comunicação Social Magali do Nascimento Cunha, membro da
Igreja Metodista e professora do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Para ela, no
ambiente virtual, isso significa uma nova dimensão no controle do
sagrado e da doutrina, prerrogativa secularmente consolidada nas mãos da
instituição religiosa e do líder espiritual. "Basta ter uma conta sem
custo nas mais populares redes sociais digitais, como Facebook ou
Twitter, e o espaço está garantido para a livre manifestação".
Nessa FaceChurch sem templo e sem púlpito, prossegue Magali, as
tradições teológicas passaram a ser relativizadas, bem como a autoridade
dos líderes clássicos. "Questionamentos são feitos a todo tempo,
doutrinas e posturas teológicas contrários às perspectivas
denominacionais são pregadas". Já é possível encontrar, por exemplo,
comunidades virtuais como a Igreja Evangélica Virtual Deus
Todo-poderoso, que oferece serviços como pedido de oração e
aconselhamento. Entre os católicos, qualquer fiel já pode realizar o
sacramento da confissão ou acender velas virtuais nas páginas do Face, e
que procura algo mais moderninho – para dizer o mínimo – pode
acessar a página do grupo Cristãos Libertos, cujo objetivo, dizem os
mantenedores, é "demonstrar que o sexo antes e fora do casamento não é
pecado". Nos comentários, é possível encontrar coisas de todo tipo,
desde acusações de perversão sexual até elogios à postura "ousada e
libertadora" do grupo. CRISTIANISMO HOJE tentou contato com os
responsáveis pelo Cristãos Libertos, mas não obteve resposta. Já o
responsável pela página da Igreja Evangélica Virtual, Dagoberto Prata,
diz que realiza o trabalho sem nenhum interesse pessoal e que age
sozinho, sem vínculo com igreja ou religião.
É claro que grande parte das pessoas que interage espiritualmente
através das redes sociais tem a melhor das intenções e deseja, apenas,
aprender mais sobre o Cristianismo e compartilhar a fé, discutir temas
ligados à espiritualidade e manter contato com irmãos de perto e de
longe. A pesquisa da Intel revelou que 39% dos entrevistados afirmaram
ter o hábito de tratar do tema religião em celulares e tablets. Outro
fator revelado pelo estudo é o grande número de brasileiros que admitem
manter, no ambiente virtual, uma personalidade diferente daquela da vida
real – cerca de 33 por cento. E outros 23% admitem postar informações
falsas nas redes sociais de que participam. "A falta de ética e respeito
pelos valores cristãos torna as redes sociais um caminho perigoso que
pode levar até ao afastamento da fé e à apostasia", adverte o pastor e
escritor João Chinelatto, de Brasília, que faz de sua página no Face e
do Twitter, no qual diz ter 75 mil seguidores, uma extensão de seu
ministério. "Existem obreiros fraudulentos, que usam essa ferramenta
para enganar e se aproveitar da boa fé de muitos evangélicos."
BOATOS E HERESIAS
Segundo a Socialbakers, uma das maiores empresas de análise de
público e tecnologia digital do mundo, o país é o vice-líder em acessos
no Facebook, reunindo quase 80 milhões de usuários registrados na
bilionária rede social. Líderes evangélicos já descobriram que as redes
sociais são uma extensão praticamente ilimitada de seus púlpitos. Hoje,
pastores já contabilizam milhões de seguidores no Twitter e têm suas
páginas no Face acessadas por multidões que jamais caberiam numa igreja.
O pastor e conferencista Cláudio Duarte, conhecido por suas mensagens
bem humoradas sobre vida cristã e sexualidade, tem quase 1,7 milhão de
fãs. Os polêmicos bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, e pastor Silas
Malafaia, da igreja Vitória em Cristo, também arrastam multidões no
Face e no Twitter. No microblog, tem aumentado exponencialmente as
discussões sobre religião. A R18, empresa de monitoramento e análise de
dados sediada em São Paulo, aferiu o pertencimento religioso de quem faz
postagens desse tipo: 41% são veiculadas por católicos e 28,7%, por
evangélicos, o que representa um aumento percentual ainda maior do
segundo grupo.
"Não há nenhum outro grupo no Brasil com mais poder de mobilização na
rede social do que os evangélicos", destaca o blogueiro Danilo
Fernandes, editor do site Genizah, especializado em apologética e
informação para o público cristão. "Há um enorme poder multiplicador, e
as notícias, entre nós, se propagam rapidamente". De acordo com Danilo,
isso acontece porque o crente, em geral, dá muita credibilidade ao que
outros evangélicos dizem. Assim, uma notícia, novidade ou simples boato
pode ganhar força de verdade. Foi assim, por exemplo, quando correu no
Facebook a notícia de que o presidente americano, Barack Obama, teria
anunciado que apenas as pessoas que tivessem implantado um microchip sob
a pele teriam acesso a serviços de saúde no país. Alardeado pelos
crentes como a marca da besta, prevista no Apocalipse, o boato mobilizou
as páginas dos evangélicos até sucumbir por falta de comprovação. Muita
gente também postou retumbantes "glórias a Deus" ante a informação de
que 16 pessoas mortas nas enchentes na Região Serrana do Rio de Janeiro,
há três anos, haviam ressuscitado graças às orações das igrejas locais.
Infelizmente, nem elas e nem nenhuma outra das quase mil vítimas fatais
voltaram à vida.
Para Danilo Fernandes, um dos maiores perigos dessa busca religiosa
pelas redes sociais é justamente a falta de controle e a disseminação de
heresias. "Isso está em todo lugar. Até gente com perfis fake atraem
seguidores", aponta. Conhecido por sua mensagem radical, o blogueiro
Julio Severo é um desses livre-pensadores que expõem, na grande rede, as
mais diversas ideias. Ninguém conhece seu verdadeiro nome, como se
sustenta e como vive sua fé. A pregação furiosa contra o homossexualismo
já lhe rendeu diversos problemas – em entrevista a CRISTIANISMO HOJE,
há cerca de cinco anos, ele se disse perseguido pelo governo brasileiro e
ameaçado de morte – e sua homepage reúne os próprios textos, além de
colaborações e citações de outros autores. "Ele é o cara que ninguém
sabe, ninguém viu, mas faz um barulho danado", brinca Danilo. Mesmo
assim, tem muilhares de seguidores – gente que não só reproduz o que
posta, criando verdadeiros virais, como defende com unhas e dentes.
"A grande questão a ser considerada é a motivação com que o
internauta utiliza a rede social", pondera o teólogo Ricardo Agreste,
mestre em Missões Urbanas e pastor da Comunidade Presbiteriana Chácara
Primavera, em Campinas (SP). "E este é o aspecto mais crítico e que
precisa ser considerado com cuidado por todos que fazem uso dessas
mídias". Ativo no Facebook, Agreste observa que, neste verdadeiro big
brother cotidiano, a ânsia por ser notado e ouvido faz com que muitas
pessoas se exponham demais. "O desejo de ser e fazer notícia e saber
acerca da intimidade alheia move milhões de usuários das mais variadas
faixas etárias, classes sociais e confissões religiosas. No Facebook,
qualquer indivíduo pode deixar o anonimato, mostrando ao maior número de
pessoas o que faz, o que come, como se sente, o que veste e, na minoria
das vezes, o que pensa".
Daí para o exagero e o pecado é um pulo, como adverte Augustus
Nicodemus Lopes, ministro presbiteriano e professor de Teologia: "As
mesmas pessoas que postam declarações de fé e amor a Jesus também
transmitem conteúdo com palavras chulas e palavrões do pior tipo – até
mesmo, fotos eróticas", critica. Com mais de 3 mil amigos na sua rede
social, mas acessado por muito mais gente que procura suas reflexões e
artigos publicados, Nicodemus defende que essa vulgarização é reflexo da
superficialidade do Cristianismo brasileiro. "A pureza e a santidade
requeridas na Bíblia para os cristãos abrangem não somente seus atos
como também seus pensamentos e suas palavras."
"MÁS REFERÊNCIAS"
O professor Rafael Shoji, com pós-doutorado em Ciências da Religião,
aponta especialmente os grupos neopentecostais como os que mais
rapidamente têm se adaptado às redes. Pesquisador do Centro de Estudo de
Religiões Alternativas (Ceral), entidade ligada à Pontifícia
Universidade Católica (PUC) de São Paulo, ele frisa que o marketing tem
migrado para a internet e existem várias técnicas de comunicação
específicas desse meio, tanto do ponto de vista de produção da mensagem
quanto do acompanhamento das reações, opiniões e dos sentimentos
provocados. "Qualquer um que queira ter um impacto social hoje tem de
atuar também no mundo digital", diz. O pastor Justin Vollmar é um dos
religiosos que tiveram impacto na vida de muitos cristãos. Criador de
uma página no Face intitulada Virtual Deaf Church ("Igreja
virtual para surdos") e utilizando a linguagem de sinais, ele fazia
pregações, divulgava material de cunho teológico e ganhou enorme
visibilidade. Só que, recentemente, anunciou o fim de seu ministério com
uma justificativa bombástica: tornou-se ateu. Em vídeo também divulgado
pela rede, Vollmar admite que não crê mais em Deus e que está
abandonando tudo. "Minha mente mudou completamente para o outro lado",
diz. "No final, eu estou completamente convencido de que não há
verdadeiramente nenhum Deus. É tudo bobagem".
"É preciso ter sinceridade de dizer que não temos boas referências
produzidas pelos evangélicos. Então, buscamos verificar as tendências
das grandes marcas e adesão do público, inclusive em âmbito
internacional, para assim incluir a Igreja em projetos que busquem sua
relevância no mundo, o que é mais importante", defende o diretor de
Comunicação da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo, Thiago
Crucitti. "É um erro ficar aderindo a todas as novidades que aparecem
sem senso crítico". Um estudo publicado na revista Science confirma a
tendência. Segundo os pesquisadores, um post que recebe aprovação dos
leitores tem muito mais chance de receber as chamadas curtidas de outras
pessoas, independentemente do conteúdo. Mas há quem use a maior rede
social do planeta para ganhar almas no mundo virtual e trazê-las para a
comunidade presencial. Uma das "manias" cristãs dos últimos tempos no
Facebook é a campanha intitulada Lançai a Palavra. O desafio,
lançado no início deste ano, tem feito milhares de internautas cristãos
ligarem a webcam e pegar a Bíblia. "Em vez de ficar postando bobagens,
os jovens estão compartilhando a Palavra de Deus", elogia o militar
Phelippe da Silveira Knupp, crente batista de Campinas (SP).
Entusiasmado com a proposta, Knupp faz pelo menos uma postagem por
semana. Suas passagens favoritas são extraídas dos evangelhos. "As
pessoas ficam impressionadas quando leio alguma coisa sobre o sermão do
monte ou os milagres que ele realizava". A iniciativa tem dado tantos
resultados que Knupp já recebeu, em sua igreja, a visita, em carne e
osso, de amigos virtuais que fez através do Lançai a Palavra. "Dois deles já manifestaram o desejo de seguir a Cristo", comemora. (Colaborou Carlos Henrique Silva)