Por Thiago Velozo
Adaptado por Artur Eduardo
A controvérsia
entre Agostinho e Pelágio acerca das doutrinas do pecado e da graça
tomara tal proporção que se fez necessária a realização de sínodos que
reunissem a liderança da Igreja para solucionar o problema. Isso não é
verdade apenas pelo fato de Agostinho ter-se afastado da doutrina dos
primevos pais, mas também porque os ensinamentos de Pelágio
representavam igualmente um afastamento daquilo que a Igreja ensinara
nos séculos anteriores. É verdade que “ambos expunham elementos que já
estavam presentes nos escritos dos Primitivos Pais da Igreja”,[1] mas a ênfase dada por eles assumia extremos opostos sem precedentes na igreja antiga.
Celéstio,
discípulo de Pelágio, refugiou-se em Cartago quando da invasão de Roma
pelos visigodos, em 410. Pelágio o acompanhou, mas em seguida foi para a
Palestina. Celéstio permaneceu no norte da África, onde introduziu as
ideias pelagianas.[2] Se
por um lado, os ensinos de Agostinho pareciam roubar do homem sua
responsabilidade, o sistema pelagiano parecia uma completa negação da
graça de Deus. Esse ponto, em especial, causou mal estar nas igrejas
norte-africanas. Por isso, em 412, foi convocado o primeiro sínodo para
tratar da questão, em Cartago. Ali, Celéstio foi condenado por heresia,
tendo sido excomungado após se recusar a retratar-se.[3] Partiu, então, para Éfeso, onde conseguiu sagrar-se presbítero.[4]
Três anos depois, em 415, Pelágio também foi acusado de heresia pelos sínodos de Jerusalém e Dióspolis,[5] na
Palestina, embora tenha conseguido satisfazer seus juízes, sendo,
portanto, inocentado. Ao ser pressionado em Dióspolis acerca da sua
doutrina de que o homem pode viver sem pecado sem a ajuda da graça
divina, Pelágio disse: “eu os anatematizo como insensatos, não como
heréticos, visto não ser caso de dogma”.[6] Em
virtude da condenação de Celéstio, buscou desassociar-se dele: “Mas as
coisas que declarei não serem minhas, eu, de acordo com a opinião da
santa igreja, reprovo, pronunciando um anátema a todo aquele que se
opuser”.[7] Brown faz referência à “falta de escrúpulos” de Pelágio ao condenar seu próprio discípulo.[8] Com isso Pelágio foi pronunciado ortodoxo (perfectus catholicus), mas perdeu a credibilidade que tinha diante dos seus seguidores.[9] Jerônimo,
insatisfeito com a absolvição de Pelágio, em uma carta a Agostinho,
referiu-se ao sínodo palestino como “sínodo miserável”.[10]
Em 416, os sínodos de Mileve e Cartago condenaram o pelagianismo.[11] O
papa Inocêncio recebeu cartas de cinco bispos norte-africanos,
incluindo Agostinho, e uma carta de Pelágio. Aprovou a condenação de
Pelágio e Celéstio: “Declaramos, em virtude da nossa autoridade
Apostólica, que Pelágio e Coelestius estão excluídos da comunhão da
Igreja até que se libertem das armadilhas de Satanás”.[12] É oportuno observar que até esse momento, Agostinho ainda não havia enrijecido sua teologia.[13] Assim,
a condenação do pelagianismo, ou mesmo a adoção das propostas de
Agostinho, não trazia consigo as ideias predestinista posteriores do
bispo de Hipona.
Com a morte do papa Inocêncio em 12 de março de 417, Zózimo assumiu o pontificado.[14] Ele
recebeu de Pelágio uma confissão de fé, e de Celéstio uma síntese de
submissão. Evitou pressionar Celéstio e acolheu calorosamente Pelágio:
‘Ah, se ao
menos pudésseis ter estado presentes, meus amados irmãos’, disse Zózimo
aos africanos; ‘Quão profunda foi a emoção de cada um de nós! Quase
nenhum dos presentes pôde reprimir as lágrimas, ante a ideia de que
pessoas de tão genuína fé pudessem ter sido caluniadas’.[15]
Não
aceitando o posicionamento de Zózimo, a igreja africana convocou um
concílio geral em Cartago, em 418, com a presença de duzentos bispos.[16] Em 1º de maio iniciou-se o concílio [sínodo] que condenou o pelagianismo em vários cânones:
Cân. 1. Foi
decidido por todos os bispos... reunidos no Santo Sínodo da Igreja de
Cartago: Quem disser que Adão, o primeiro homem, [foi] criado mortal, de
modo que, pecasse ou não pecasse, teria corporalmente morrido, isto é,
teria deixado o corpo não por causa do pecado, mas por necessidade
natural, seja anátema.[17]
Cân. 2.
[...] De fato, não se pode compreender de outro modo o que diz o
Apóstolo: ‘Por um só homem entrou o pecado no mundo (e pelo pecado a
morte), e assim passou a todos os homens; nele todos pecaram’ [cf. Rm 5,12],
no sentido no qual a Igreja católica, difundida por toda parte, sempre o
tem entendido. Por causa desta regra da fé, também as crianças, que por
si mesmas ainda não puderam cometer nada de pecaminoso, todavia são
verdadeiramente batizadas para remissão dos pecados, para que pela
regeneração venha a ser purificado nelas o que contraíram quando foram
geradas.[18]
Cân. 5.
Igualmente foi decidido: Quem disser que a graça da justificação nos é
dada para que mais facilmente cumpramos, mediante a graça, o que pelo
livre-arbítrio nos é mandado fazer, como se, não nos sendo dada a graça,
todavia pudéssemos sem ela cumprir os mandamentos divinos, embora não
com facilidade, seja anátema. De fato, quando estava falando dos frutos
do mandamento, o Senhor não disse: Sem mim podeis fazer algo, mas com
mais dificuldade, ele disse: ‘Sem mim nada podeis fazer’ [Jo 15,5].[19]
O sínodo,
além de afirmar a doutrina do pecado original e a necessidade da graça,
lançou diversos anátemas contra as doutrinas de Pelágio, como por
exemplo, o seu ensino de que a súplica por perdão na oração do Senhor –
“Perdoa-nos as nossas dívidas” (Mt 6.12) – feita pelos santos expressa
somente humildade, e não verdadeira necessidade de perdão.[20] Zózimo, que outrora “havia entregue a Pelágio um certificado de ortodoxia, em 418”,[21] aprovou
a decisão do sínodo africano, publicando uma epístola de retratação por
meio da qual requeria que todos os bispos subscrevessem aos cânones de
Cartago. Dezoito bispos se recusaram, mas apenas um não se retratou
posteriormente: Juliano, bispo de Elcano.[22] Agostinho,
a pedido do papa Bonifácio (sucessor de Zózimo), combateu Juliano até o
fim dos seus dias. Exonerado do episcopado, Juliano refugiou-se com
Celéstio em Constantinopla, sendo recebido pelo patriarca Nestório
[Nestor] em 429.[23]
Em 22 de junho de 431, reuniu-se em Éfeso o Terceiro Concílio Ecumênico,[24] convocado pelo imperador Teodósio II, cuja pauta foi praticamente cristológica. O patriarca de Constantinopla, Nestório,
rejeitava o uso do termo theotokos (mãe de Deus) aplicado à Virgem Maria porque isto parecia exaltá-la indevidamente.[25] Sugeriu a palavra Christotokos como
alternativa, lembrando que Maria foi apenas a mãe do lado humano de
Cristo. Para chegar a isto, ele fez de Cristo um homem em quem, a
exemplo de gêmeos siameses, as naturezas divina e humana estavam
combinadas numa união mais mecânica do que orgânica. Cristo era, então,
apenas um homem perfeito moralmente associado à divindade. Ele era mais
portador de Deus do que Deus-homem.[26]
A heresia
nestoriana foi condenada pelo Concílio: “Nosso Senhor Jesus Cristo, por
ele [Nestório] blasfemado, estabeleceu, pela boca deste santíssimo
Sínodo, que o mesmo Nestório está excluído da dignidade episcopal e de
todo e qualquer colégio sacerdotal”.[27] O mesmo Concílio promulgou uma sentença condenatória ao pelagianismo de Celéstio, companheiro de Nestório em Constantinopla:
1. Se,
desligando-se deste santo e ecumênico Sínodo... o metropolita de uma
província partilhou ou no futuro partilhar as ideias de Celestino
[Celéstio], não poderá de modo algum agir contra os bispos da sua
província, sendo, segundo as disposições deste Sínodo, excluído de toda
comunhão eclesiástica e exonerado de seu poder...
4. Se,
porém, alguns clérigos apostasiarem e ousarem, em particular ou em
público, partilhar as ideias de Nestório ou de Celestino, fica decidido
pelo sagrado Sínodo que também estes estão depostos.[28]
O Concílio
de Éfeso, bem como os sínodos locais que o precederam, não afirmou o
entendimento final de Agostinho sobre o pecado e a graça, apenas
condenou a heresia pelagiana.
Charles
Hodge, em nome de duas Assembleias Gerais da Igreja Presbiteriana dos
Estados Unidos, afirmou em uma carta na qual expôs os motivos pelos
quais declinava do convite do papa Pio IX aos protestantes para enviarem
delegados ao Primeiro Concílio Vaticano (1869-1870), que a razão não
era qualquer desacordo em relação aos artigos da fé católica, tais como
o Credo dos Apóstolos e as decisões dos seis primeiros
concílios ecumênicos da Igreja – com os quais as igrejas protestantes
concordam –, mas sim os princípios pelos quais os pais da Reforma foram
excomungados e anatematizados pelo Concílio de Trento: as Escrituras do
Antigo e do Novo Testamento como única e infalível regra de fé e
prática; o direito de julgamento individual (responsabilidade pessoal),
e; o sacerdócio universal dos crentes.
Hodge diz ainda que as igrejas presbiterianas recebem
todas
aquelas doutrinas concernentes ao pecado, à graça e a predestinação –
conhecidas como Agostinianas – que foram sancionadas não apenas pelo
Concílio de Cartago e outros Sínodos provinciais, mas também pelo
Concílio Ecumênico de Éfeso (431 AD.), e por Zózimo, bispo de Roma.[29]
O teólogo
presbiteriano comete um erro muito comum no meio calvinista ao entender
que as decisões sinodais e conciliares confirmaram as doutrinas maduras
de Agostinho, como por exemplo, a graça irresistível e predestinação.
Mas a igreja
não decidiu a questão em favor de Agostinho, como interpretaram alguns
de seus seguidores. Embora o pelagianismo crasso já não fosse uma opção
aceitável para os cristãos católicos e ortodoxos depois de 431, muitos
teólogos buscaram posições intermediárias entre o monergismo de
Agostinho e as obras de justiça defendidas por Pelágio.[30]
É interessante que o mesmo Charles Hodge, em sua Teologia Sistemática,
se refira ao “Sínodo Geral reunido em Éfeso”, não como sancionando as
doutrinas da graça e da predestinação de Agostinho, mas condenando os
pelagianos.[31] Nisso,
Berkhof o segue de perto: “Finalmente, em 431, o Concílio de Éfeso, que
condenou o Nestorianismo, também baixou sentença condenatória contra o
pelagianismo”.[32] Mais
recentemente, o calvinista Sproul também se limitou a dizer que “o
terceiro conselho ecumênico em Éfeso (431 d.C.), realizado um ano após a
morte de Agostinho, condenou o pelagianismo”.[33]
Cairns diz
que mesmo com a condenação das ideias de Pelágio em 431, “nem a Igreja
ocidental, nem a oriental aceitaram plenamente as ideias de Agostinho”.[34]
As decisões
dos sínodos provinciais e do Concílio de Éfeso não excluíram a
necessidade de maiores esclarecimentos. A heresia pelagiana foi
condenada, mas alguns elementos doutrinais não foram sistematizados,
deixando lacunas. Assim, o semipelagianismo ganhou força, pois a
doutrina da predestinação agostiniana não gozava de grande aceitação.
Bettenson diz:
Muitos
opinaram então, como muitos opinam hoje, que Pelágio, de maneira geral,
estava certo em suas afirmações (responsabilidade humana, necessidade de
cooperação humana com a graça, que há significado em chamar ‘Deus
justo’ etc.) e errado em suas negações (disposição para o pecado
herdado, necessidade do batismo infantil, atual estado pecaminoso da
humanidade). João Cassiano e Fausto de Régio [Riez], na Gália, tentaram
evitar os exageros de ambas as posições.[35]
Sob a influência de Cassiano e Fausto, em 473,[36] o Sínodo de Arles condenou as seguintes proposições:
O trabalho da obediência humana não precisa cooperar com a graça.
Depois da queda do primeiro homem, o livre arbítrio [arbitrium voluntatis][37] ficou totalmente extinto.
Cristo não morreu pela salvação de todos.
A presciência de Deus violentamente compele o homem à perdição: os que perecem, perecem pela vontade[voluntas] divina.
O homem que, após o batismo, pecar em ‘Adão’ morre [em Adão = causa do pecado original].
No intervalo entre Adão e Cristo, nenhum gentio foi salvo em vista da vinda de Cristo, [adventum Christi] mediante a primeira graça de Deus [isto é, mediante a lei natural], porquanto em Adão perderam totalmente o seu livre arbítrio.
Antes dos tempos da salvação, os patriarcas, os profetas e os santos já moravam no paraíso.[38]
[O concílio acrescentava a seguinte declaração:]
Concebemos a
graça de Deus de tal maneira que o esforço e diligência do homem devem
cooperar com ela, pois a liberdade de escolha do homem [libertatum voluntatis][39],
embora atenuada e enfraquecida, não está extinta. Portanto, ainda está
em perigo aquele que se salvou e ainda pode ser salvo aquele que se
perdeu.[40]
O Sínodo ainda faz a seguinte afirmação:
[...]
Cristo, nosso Deus e Salvador, no que concerne às riquezas da sua
bondade, ofereceu o preço da morte por todos e não quer que ninguém se
perca, ele que é o Salvador de todos os homens, de modo particular dos
que creem, rico para com todos que o invocam [Rm 10.12]. E,
dado que a respeito de realidade tão importante se deve dar a satisfação
à consciência, recordo-me de ter dito anteriormente que Cristo viera
somente para aqueles dos quais tinha presciência de que acreditariam [alegando Mt 20.28; 26.28; Hb 9.27][41].
Agora, porém, com base na autoridade dos sagrados testemunhos que se
encontram em abundância nos textos das divinas Escrituras, trazidos à
luz pela reflexão da doutrina dos antigos,[42] de
bom grado professo que Cristo veio também por aqueles que se perderam,
pois foi contra a sua vontade [de Cristo] que se perderam. De fato, não é
lícito [dizer] que as riquezas da imensa bondade e os benefícios
divinos sejam restritos somente aos que, pelo que se vê, são salvos.
Pois, se dizemos que Cristo trouxe os remédios somente para aqueles que
foram remidos, parece que absolvemos os não remidos, dos quais consta
que devem ser punidos por desprezarem a redenção.[43]
Tais
palavras dão conta de que a morte expiatória de Cristo objetivou a
salvação de todos os homens, sendo eficaz somente para os que
voluntariamente aceitaram seu benefício. O Sínodo de Arles, então,
defendeu as seguintes doutrinas: 1) o livre-arbítrio permanece após a
queda, embora enfraquecido; 2) a morte de Cristo tem o propósito de
salvar todos os homens; 3) a presciência divina não violenta a vontade
humana; 4) aqueles que se perdem não se perdem por vontade de Deus; 5) o
fiel pode se perder, caso não persevere em santidade; 6) Deus deseja a
salvação de todos os homens. O Sínodo de Lião (475) também condenou a
doutrina da predestinação, tendendo ao semipelagianismo.[44]
Desta forma, temos o seguinte quadro dos sínodos locais e do Concílio Ecumênico realizado em Éfeso:
Tabela 1: Sínodos locais e Concílio de Éfeso
Sínodo / Concílio
|
Ano
|
Decisões
|
Sínodo de Cartago
|
412
|
Condenação do pelagianismo; excomunhão de Celéstio.
|
Sínodo de Jerusalém
|
415
|
Absolvição de Pelágio.
|
Sínodo de Dióspolis
|
415
|
Absolvição de Pelágio.
|
Sínodo de Mileve
|
416
|
Condenação do pelagianismo.
|
Sínodo de Cartago
|
416
|
Condenação do pelagianismo.
|
Sínodo de Cartago
|
418
|
Condenação do pelagianismo.
|
Concílio de Éfeso
|
431
|
Condenação do nestorianismo e do pelagianismo.
|
Sínodo de Arles
|
473
|
Condenação da doutrina da predestinação; defesa do semipelagianismo.
|
Sínodo de Lião
|
475
|
Condenação da doutrina da predestinação; defesa do semipelagianismo.
|
Note-se que
nenhum dos sínodos, nem tampouco o Concílio de Éfeso, defendeu as
doutrinas de Agostinho, porém excetuando os sínodos realizados no ano
415, todos rejeitaram o sistema pelagiano. Nas regiões da Gália
(França), a proposta semipelagiana ganhou força, tendo êxito sobre as
doutrinas da graça e da predestinação de Agostinho.[45] Não
obstante, a questão permaneceu aberta, exigindo uma palavra final da
Igreja para encerrar de uma vez a disputa entre agostinianos e
semipelagianos.
[Texto gentilmente cedido pelo autor]
Fonte: capítulo 11 do livro A gênese da predestinação na história da teologia cristã. Uma análise do pensamento agostiniano sobre o pecado e a graça. São Paulo: Fonte Editorial, 2014, pp. 175-186
[24] Os
dois primeiros Concílios Ecumênicos da Igreja se reuniram,
respectivamente, em Niceia (325) e Constantinopla (381). O primeiro
condenou a heresia cristológica antitrinitária de Ário, presbítero da
Igreja de Antioquia. Ele defendia que o Verbo era o primogênito de Deus
(sua primeira criatura), reduzindo Cristo a um semideus não eterno
(GONZÁLEZ, 2009, pp. 42-44). O segundo anatematizou as heresias dos
eunomianos, eudoxianos, pneumatômacos, sabelianos, marcelianos,
fotinianos, e dos apolinaristas (DENZINGER, op. cit., pp. 67-68). O
espaço não permite tratar dessas heresias condenadas. Para um breve
exame, consultar: BLAISING. Concílio de Constantinopla. In: ELWELL (ed.), 1988, pp. 306-308.
[26] CAIRNS,
op. cit., p. 109. Erickson observa que “estudiosos de destaque,
entretanto, julgam que Nestório mesmo não era ‘nestoriano’, mas que
algumas terminologias mal escolhidas, combinadas com uma oposição
agressiva, levaram a uma condenação injusta de suas ideias” (1997, p.
302). O próprio Nestório, posteriormente, professou concordar com a
formulação de Calcedônia (451), embora preferisse pensar em uma
“conjunção” das duas naturezas ao invés de pensar em duas naturezas
unidas em uma pessoa (ibid.). Todavia, as afirmações de Nestório foram
interpretadas como pretendendo dividir o Deus-homem em duas pessoas
distintas, e tal entendimento foi condenado como heresia cristológica.
[27] DENZINGER,
op. cit., p. 102. Cairns observa que, mesmo após a condenação do
Concílio de Éfeso, “os seguidores de Nestório continuaram seu trabalho
na seção oriental do Império e levaram o Evangelho, como o concebiam, à
Pérsia, Índia e China em 635 por Alopen. O Nestorianismo foi destruído
na China pelo final do século nono” (op. cit., pp. 109-110).
[35] BETTENSON, op. cit., p. 113. Alguns estudiosos questionam se, de fato, João Cassiano defendeu que o initium fidei se encontra em poder do pecador. É certo que Fausto de Riez sustentou a primazia do livre-arbítrio em Da graça e do livre-arbítrio,
mas talvez o ponto mais crítico do semipelagianismo não possa ser
atribuído a Cassiano. Olson, por exemplo, diz que as afirmações
registradas na Terceira conferência do abade Queremom são
ambíguas, pois não se pode ter certeza se as crenças de Cassiano são
expressas pelo abade Queremon ou pelo abade Germano, seu parceiro no
diálogo (2001, p. 287). Embora seja provável que a resposta de Queremon
represente a opinião de João Cassiano, deve-se considerar que no final
da conferência o abade diz que os santos padres determinaram três
princípios sobre a graça e o livre-arbítrio: 1) “é pelo dom de Deus que
surge em nós o desejo de todo o bem, mas nossa liberdade permanece livre
de inclinar-se para um ou outro lado”; 2) “é por efeito da graça que
praticamos as virtudes, mas sem que nosso livre-arbítrio seja a isso
coagido”; 3) “uma vez adquirida a virtude, perseverar na mesma ainda é
um dom de Deus, embora nossa liberdade, empenhada nesse esforço não se
torne prisioneira” (CASSIANO, op. cit., pp. 181-182). De qualquer forma,
entre o agostinianismo e o pelagianismo havia espaço para alguma forma
de sinergismo que negasse ao homem o initium fidei.
[38] Era comum a crença de que os santos do Antigo Testamento aguardavam no limbus patrum (“limbo
dos pais”) – o compartimento dos justos no mundo subterrâneo dos mortos
– a redenção operada por Cristo no calvário, quando então, Ele desceu
ao inferno para resgatar os santos que estavam neste lugar. Tal doutrina
não encontra base bíblica, e os textos geralmente usados em sua defesa
não resistem a uma cuidadosa exegese.
[45] É
interessante que o monergismo agostiniano não teve espaço justamente na
mesma região onde Ireneu exerceu o bispado no século II. Como já foi
observado, o bispo de Lião defendia uma posição sinergista do
relacionamento entre a graça de Deus e vontade do homem. Certamente suas
ideias criaram raízes nas regiões da Gália. Fonte: Arminianismo