Há um tal de Bauman, filósofo e sociólogo, para quem tudo é "líquido". Estaríamos no tempo dos "relacionamentos líquidos", "instituições
líquidas"... e tudo líquido, fluídico, passageiro. Isso seria o que
mais caracterizaria a "pós-modernidade". Bem, qualquer análise da "pós
modernidade", ao meu ver começa errando pelo fato de tratar nossa época
por um termo que, penso, não subsiste.
"Líquida" -
seja lá o que isso signifique exatamente -, em termos do que geralmente
se entenda, volátil, passageiro, mutável, não é senão a Modernidade,
cujos princípios têm regido a sociedade ocidental há 300 anos. A
Modernidade, chamada de "ponto de virada" por alguns estudiosos, veio
com a força de mil bombas atômicas para uma mentalidade anterior, que se
caracterizava pela repressão dos impulsos inerentes à Razão, como o
questionamento, a inquirição. Aquela época anterior, a qual chamamos
hoje de "Medieval", era aridamente "sólida" e contrária àquilo que
surgiria a partir do século XVII, inicialmente com o revisionismo
essencial do significa o próprio conhecimento.
Nestes termos, percebe-se que o conhecimento permanece como "a bola da
vez", e isso por 300 anos. São as novas formas de pensar o conhecimento
que reescrevem continuamente a Modernidade e algumas daquelas são tão
elásticas e fortuitas que têm-se a impressão de que passamos para uma
nova fase, um novo tempo, uma nova época, que merece ser chamada de algo
novo. Como "neomodernidade" poderia não fazer jus às pretensões de
classificação dos analistas mais ávidos, preferiu-se um termo aonda mais
radical: "pós-modernidade". E, incrivelmente, o veio que inaugurou a
Modernidade parace ser o que mais falta aos pensadores da
"pós-Modernidade", ou seja, o conhecimento se si própria. E este é um
dos motivos do grande equívoco deste termo.
É esta falta do conhecimento do continuísmo essencial da Modernidade que
não nos permitiu enxergar nossa elevada presunção. Ao taxarmos nossa
época de "pós alguma coisa" decidimos, intrinsecamente, que a
nomenclatura que define nosso tempo carrega um significado que a
diferencia estrutural e consequentemente da Modernidade, o que, entendo,
não se justifica. Pelo contrário, o projeto da Modernidade parece ter
chegado à maturidade, passando pelos percalços, críticas e ceticismo do
seu sucesso. Isto fica mais fácil de entender quando substituímos alguns
termos inerentes do otimismo moderno por outros mais, digamos, atuais:
- "Mecanizado" por "Tecnologizado";
- "Racional" por "Psicologia filosófica";
- "Estado Novo" por "República Democrática";
- "Supressão política" por "Totalitarismo";
- "Positivismo antropológico" por "Sociologia";
- "Humanismo ético" por "Ateísmo prático"
E por aí vai.
Percebe-se, portanto, que a Modernidade reconfigurou-se, realinhou
parâmetros, adequou-se à tecnologização onipresente nas sociedades, mas
ao mesmo tempo consolidou objetivos e perspectivas, em meio a tudo. A
transformação pela qual passou a Modernidade está mais para os estágios
de desenvolvimento de uma pessoa, da tenra idade à adulta, do que a
mudança de uma coisa em outra. Apesar de parecer uma transformação
essencial, na verdade é uma mudança da realidade circunspecta, não
essencial. A Modernidade "cresceu" e chegou ao estágio de compreender-se
a si própria e, incrivelmente, não é o que tem acontecido, senão uma
confusão atual sobre forma e conteúdo.
Diante do exposto, insisto: a Modernidade, e nenhuma outra coisa, porque nada há "além" desta, segue sendo nosso maior desafio.