De acordo com uma cosmovisão
genuinamente bíblica, todos nós estamos diante de Deus, igualmente, de modo
individual e também como instituições. Abraham Kuyper, em seu livro Calvinismo (que, apesar do título, não
trata tanto de teologia, mas sim de cultura e cosmovisão), explicita uma noção
bíblica que precisamos resgatar e valorizar: a soberania das “esferas”. A
família é uma esfera; a igreja, outra; o governo, outra; o comercio, outra, e
assim por diante. Cada esfera tem sua atribuição e está diante de Deus em pé de
igualdade com as outras. A família nutre emocionalmente, transmite valores e
prepara os indivíduos para a vida. A igreja testemunha Cristo no mundo, através
da evangelização, do ensino, do acompanhamento pastoral etc. O comercio supre
as necessidades concretas das pessoas, promove a prosperidade e faz a economia
crescer. O governo tem poder da “espada”, como explica Paulo em Romanos 13: as
leis servem a Deus na medida em que atuam para reprimir o mal, através da
coação pela força e punição (e é por isso que o apostolo ordena a sujeição a
autoridade, a não ser que a ordem seja contraria aos mandamentos de Deus.
Em todos os países
comunistas e socialistas, os cristãos são brutalmente perseguidos ou, no
mínimo, reprimidos. A simples crença em Deus, o simples consenso da existência
do Deus cristão, que é autoridade sobre toda terra, torna relativo o poder do
Estado, pois os homens são vistos como iguais perante uma autoridade suprema,
Quando essa crença se esvai, o autoritarismo cresce, e isso é o que tem
acontecido em todo o mundo ocidental, não do modo antigo, soviético ou chinês,
mas através da ideologia politicamente correta.
O modo mais claramente
autoritário de opressão política está desaparecendo na medida em que o
pensamento politicamente correto se afirmar, pois é bem mais fácil controlar um
povo que deseja ser controlado. De que forma isto é feito? Assim como no
comunismo, a ideologia politicamente correta estabelece como prioridade o
cuidado com grupos sociais considerados minorias, frágeis e necessitadas de
proteção como negro, pobre, mulheres e homossexuais, quanto mais esses grupos
se percebem como vítimas e exige proteção, mais o Estado pode crescer,
estabelecendo leis, transformando valores a força e punindo o pensamento
dissidente.
Líderes desonestos e autoritários
podem assim usar o ressentimento desses grupos vulneráveis para implantar
políticas assistencialistas (bolsas, direito ao aborto, cotas nas universidades
etc.). Já vivemos em uma cultura que faz de tudo para não discriminar ninguém.
E foi o cristianismo que permitiu essa liberdade ao criar espaço para a
consciência individual: todo ser humano é responsável por si diante de Deus.
Abordaremos de forma
objetiva, 4 aspectos que caracterizam a perversidade da famosa idolatria ao
estado: fim da responsabilidade
individual, paternalismo estatal,
atomização da sociedade e o igualitarismo.
·
Fim da responsabilidade individual: A responsabilidade individual é uma
noção bíblica, cada pessoa comparece diante de Deus com seus pecados, para
perdão ou condenação. Transposta para a política, essa noção serviu de base
para as modernas instituições jurídicas, que penalizam cada culpado por seu
crime, de modo proposicional. Mas uma cultura que se seculariza sempre anda
para trás. Hoje, o politicamente correto tem solapado a noção de
responsabilidade individual, culpabilizando os considerados “ grupos
opressores” (ricos, brancos, homens, pais, policia, cristãos) e justificando os
grupos considerados “oprimidos” (pobres, negros, mulheres, filhos, bandidos,
não-cristãos). O fim da responsabilidade pessoal cria uma atmosfera
insuportável, em que o ladrão, o corrupto, o estuprador, o assassino etc. está
sempre justificado caso tenham tido uma infância pobre e difícil. Desse jeito
as pessoas não são culpadas por ações concretas, mas por pertencerem a classes.
·
Paternalismo Estatal: Alguns cristãos de esquerda justificam
sua opção política mencionando a ideia que o Estado deve ser uma espécie de
“pai” (Mt 17. 24-27), Mas há uma diferença importante. Herbert Schlossberg
diferencia o cuidado paterno do paternalismo da seguinte forma, “ Os bons pais
são aqueles que preparam os filhos para a independência, treinando-os para
tomar decisões responsáveis, e sabem que prejudicam os filhos quando não os
ajudam a sair de casa. O Estado paternal não. Ele perde poder, desse modo o
Estado acaba se tornando um parasita. O estado e seus dependentes marcham
simbolicamente para a destruição. ” Rousseau afirma que os homens nascem bons,
mas a sociedade os corrompe. O povo é visto como uma massa de crianças que
precisam ser educadas, tendo cuidado com a chantagem emocional que fazem
conosco quando somos corretamente contra certas intervenções de um governo paternalista,
sendo chamados de racistas, odiadores de pobres, homofóbicos etc. Devemos entender que quando o Estado ocupa o
papel de segurança paternalista ele deixa de ocupar o seu verdadeiro papel,
aquele que Deus lhe dá, que é o da justiça, e ainda se torna gerador de mais
injustiça.
·
Atomização: Há algo muito importante que precisamos
entender quando pensamos nessa dicotomia direita e esquerda, ou conservador e
progressista. A oposição entre individualismo e coletivistas é falsa,
Schlosseberg cita uma frase da filosofa Hannah Arendt aonde ela afirma o
seguinte: “Movimentos totalitários são massas organizadas de indivíduos
isolados e atomizados. ” Para exemplificar essa atomização, vamos recapitular
as esferas. A mais primaria e básica de todas é a família. Nos países
comunistas, é comum o controle estatal da educação, para que as crianças
cresçam debaixo da doutrinação e sejam tão leais a essas doutrinas que,
idealmente, denunciariam os próprios pais, caso eles mostrassem deslealdade ao
Estado, dentre outras interferências na soberania das esferas. A lealdade que
compete com a idolatria estatal é a que prestamos a Deus. Isso é muito triste!
Da mesma forma, em nosso país, que quase sempre conta com políticos de
orientação comunista ou socialista, a tendência é adotar formas de governo em
que o Estado ocupa um lugar grande demais, sufocando as outras esferas.
·
Igualitarismo:
O igualitarismo parece uma
bandeira democrática, mas só é válida nas mãos de Deus, o Deus que não faz
acepção de pessoas. Deus sabe como ser justo em todos os sentidos. O
igualitarismo a força da lei, promovido pelo Estado, só gera injustiça. Em
geral, “igualitarismo” não significa elevar as pessoas a posições melhores,
como geralmente se prega, mas sim rebaixar os que estão acima. Ou seja,
condenar a todos a mesma pobreza, ao mesmo controle, a mesma mentalidade, aos
mesmos valores. Isso já foi documentado em muitos países onde se implantaram
regimes comunistas. Há outro motivo para que nós cristãos tomemos cuidado com o
mito da igualdade: ele está na raiz do pecado original. Com o nosso desejo de
querer ser “como Deus” desobedecendo a Deus (Gn 3), a diferença entre Criador e
criatura foi destruída no nosso coração, e nós passamos a adorar a criatura no
lugar do Criador. E, como nós refletimos nossos ídolos, passamos a nos
confundir com aspectos da criatura (Rm 1).
A ideologia politicamente
correta é como um mutante que produz mutantes: absorve as três tendências
pós-modernas, cientificismo, paganismo e marxismo, na pretensão de formar o “homem
novo”. Uma cultura como a nossa, que coloca toda a esperança de mudança,
prosperidade, educação e paz nas lideranças políticas está realizando um culto
profano que é mais perigoso que o culto pagão antigo, pois hoje a ambição de
poder total se alia a uma tecnologia e uma falsificação filosófica mais
sofisticada, fomentando ainda mais a pretensão humana de ser Deus e agir de
modo autônomo e soberano.
Nesse momento, você leitor,
pode pensar: “Eu não participo da idolatria ao Estado, porque vivo reclamando
do governo. ” Isso de certa forma também caracteriza-se como uma adoração
negativa que parte de pessoas que desejo ver no governo este salvador da pátria
que ele não foi vocacionado a ser. É muito difícil escapar disso aqui no
Brasil, onde temos historicamente o habito de lideranças paternalistas, que
prometem esse tipo de redenção. Mas Deus é poderoso para nos transformar!
NORMA BRAGA
Extraído do livreto visão cristã sobre
cristianismo e cultura
Ed. Visão Cristã