por
Alderi Souza de Matos
A questão de como se
relacionam o calvinismo e o capitalismo tem sido objeto de enorme controvérsia,
estando longe de produzir um consenso entre os estudiosos. O tema
popularizou-se a partir do estudo do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920)
intitulado A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, publicado em
1904-1905. Numa tese oposta à de Karl Marx, Weber concluiu que a religião
exerce uma profunda influência sobre a vida econômica. Mais especificamente,
ele afirmou que a teologia e a ética do calvinismo foram fatores essenciais no
desenvolvimento do capitalismo do norte da Europa e dos Estados Unidos.
Weber partiu da constatação de
que em certos países da Europa um número desproporcional de protestantes
estavam envolvidos com ocupações ligadas ao capital, à indústria e ao comércio.
Além disso, algumas regiões de fé calvinista ou reformada estavam entre aquelas
onde mais floresceu o capitalismo. Na sua pesquisa, ele baseou-se
principalmente nos puritanos e em grupos influenciados por eles. Ao analisar os
dados, Weber concluiu que entre os puritanos surgiu um "espírito
capitalista" que fez do lucro e do ganho um dever. Ele argumenta que esse
espírito resultou do sentido cristão de vocação dado pelos protestantes ao
trabalho e do conceito de predestinação, tido como central na teologia
calvinista. Isso gerou o individualismo e um novo tipo de ascetismo "no
mundo" caracterizado por uma vida disciplinada, apego ao trabalho e
valorização da poupança. Finalmente, a secularização do espírito protestante
gerou a mentalidade burguesa e as realidades cruéis do mundo dos negócios.
Calvino de fato interessou-se
vivamente por questões econômicas e existem elementos na sua teologia que
certamente contribuíram para uma nova atitude em relação ao trabalho e aos bens
materiais. A sua aceitação da posse de riquezas e da propriedade privada, a sua
doutrina da vocação e a sua insistência no trabalho e na frugalidade foram
alguns dos fatores que colaboraram para o eventual surgimento do capitalismo.
Mesmo um crítico contundente da tese de Weber como André Biéler admite:
"Calvino e o calvinismo de origem contribuíram, certamente, para tornar
muito mais fáceis, no seio das populações reformadas, o desenvolvimento da vida
econômica e o surto do capitalismo nascente" (O Pensamento Econômico e
Social de Calvino, p. 661).
Todavia, esse e outros autores
têm ressaltado como a ética e a teologia do reformador divergem radicalmente
dos excessos do capitalismo moderno. Por causa das difíceis realidades
econômicas e sociais de Genebra, Calvino escreveu amplamente sobre o assunto.
Ele condenou a usura e procurou limitar as taxas de juros, insistindo que os
empréstimos aos pobres fossem isentos de qualquer encargo. Ele defendeu a justa
remuneração dos trabalhadores e combateu a especulação financeira e a
manipulação dos preços, principalmente de alimentos. Embora considerasse a
prosperidade um sinal da bondade de Deus, ele valorizou a pessoa do pobre,
considerando-o um instrumento de Deus para estimular os mais afortunados à
prática da generosidade. A tese de que as riquezas são sinais de eleição e a
pobreza é sinal de reprovação é uma caricatura da ética calvinista. Para
Calvino, a propriedade, o lucro e o trabalho deviam ser utilizados para o bem
comum e para o serviço ao próximo.
Em conclusão, existe uma
relação entre o calvinismo e o capitalismo, mas não necessariamente uma relação
de causa e efeito. Provavelmente, mesmo sem o calvinismo teria surgido alguma
forma de capitalismo. Se é verdade que a teologia e a ética reformadas se
adequavam às novas realidades econômicas e as estimularam, todavia, o tipo de
calvinismo que mais contribuiu para fortalecer o capitalismo foi um calvinismo
secularizado, que havia perdido de vista os seus princípios básicos. Entre
esses princípios está a noção de que Deus é o Senhor de toda a vida, inclusive
da atividade econômica, e, portanto, esta atividade deve refletir uma ética
baseada na justiça, compaixão e solidariedade social.