Há um mito que circula no meio
evangélico que diz que os calvinistas não se preocupam em fazer evangelismo
pessoal ou missões. Segundo os expoentes dessa lenda, isso ocorre porque os
calvinistas creem na doutrina da predestinação e, uma vez que, segundo sua visão
dessa doutrina, Deus já tem os seus eleitos a quem fatalmente irá salvar, não
há nenhuma necessidade de evangelizar as pessoas, nem mesmo de orar para que
alguém se converta.
Realmente, a soteriologia
calvinista defende com unhas e dentes a santa doutrina da predestinação. E isso
por uma razão muito simples: poucas doutrinas bíblicas são tão claras como
essa. De fato, mesmo representando um atentado contra a orgulhosa lógica humana
(Rm 9.19-21), a Bíblia é pródiga em suas afirmações referentes à
soberania absoluta de Deus na salvação, que alcança graciosamente quem quer e
endurece a quem lhe apraz (Jo 1.13; Rm 8.29-30; 9.18; Ef 1.5). É
somente por isso que os calvinistas não abrem mão desse ensino tão
controvertido que os torna alvo de constantes acusações falsas.
A questão, então, permanece:
essa aceitação da doutrina da predestinação não inibe o trabalho de evangelismo
dos calvinistas? Surpreendentemente, a resposta é um enfático não. Aliás,
é até o oposto o que acontece! Com efeito, tanto a Bíblia como a
história do cristianismo mostram que a doutrina da predestinação tem se
constituído num dos maiores incentivos à evangelização do mundo!
Considere-se, em primeiro
lugar, o ensino bíblico. De que forma a Escritura destaca a eleição
divina como um estímulo ao trabalho de pregação do evangelho? Basicamente, o
texto sagrado faz isso de duas maneiras: afirmando que os eleitos de Deus estão
espalhados pelas diversas comunidades ao redor do mundo; e ensinando que eles
fatalmente atenderão à mensagem das Boas Novas em Cristo.
Jesus foi o primeiro a mostrar
essas duas maravilhosas realidades. A certa altura do Evangelho de João, o
evangelista conta que o Mestre fez uma intrigante afirmação: “Tenho outras
ovelhas que não são deste aprisco [isto é, não são de Israel]. É
necessário que eu as conduza também. Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só
rebanho e um só pastor” (Jo 10.16). Em seguida, para mostrar que havia
grande distinção entre esse grupo espalhado pelo mundo e as demais pessoas não
escolhidas, ele dirigiu-se aos seus oponentes dizendo: “... vocês não
creem, porque não são minhas ovelhas” (Jo 10.26). O Senhor ensinou, assim,
que ele tem um povo espalhado pelo mundo, que as pessoas que compõem esse povo
ainda estão por ser alcançadas, e que elas fatalmente atenderão ao convite da
fé. Como um evangelista pode ser desencorajado diante disso?
O Evangelho de João insiste
nessas verdades também em seu Capítulo 11. Ali, o evangelista comenta
algumas palavras pronunciadas pelo sumo sacerdote, dizendo: “Ele não disse
isso de si mesmo, mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus
morreria pela nação judaica, e não somente por aquela nação, mas também pelos
filhos de Deus que estão espalhados, para reuni-los num povo” (Jo 11.51-52).
É mais do que claro aqui que Deus tem “filhos” dispersos pelo mundo. Esses
“filhos” ouvirão a mensagem da cruz e serão, afinal, reunidos num povo.
Ora, com essas concepções em
mente, seria possível um evangelista desanimar? É claro que não! Na verdade,
sabendo disso, o missionário trabalhará ainda mais confiante, ciente de que as
ovelhas de Jesus, os “filhos de Deus que estão espalhados”, cedo ou tarde,
seguirão o Bom Pastor; sim, amanhã ou depois, serão reunidos pelo Pai. Além
disso, o obreiro que aceita essas verdades não se sentirá fracassado ou
frustrado no ministério quando não crerem na sua pregação. Antes, entenderá que
os que a rejeitaram fizeram-no por não serem ovelhas do Senhor e seguirá
avante, certo de que as ovelhas com certeza ouvirão e o alvo do Pai de reunir
seus filhos num só povo será finalmente alcançado. Poderia haver estímulo maior
para o trabalho evangelístico?
Na história de missões, quem
primeiro se sentiu estimulado por essas verdades foi o apóstolo Paulo. Isso
aconteceu quando ele esteve pregando em Corinto, um foco tenebroso da
multiforme religião pagã, centro cosmopolita marcado por excessos de
imoralidade e por todo tipo de devassidão. Corinto, talvez fosse, ao mesmo
tempo, o maior desafio e o mais terrível pesadelo de qualquer missionário cristão;
uma boa desculpa para o abandono do trabalho evangelístico.
Paulo esteve ali em cerca de
50 a.D., por ocasião da sua Segunda Viagem Missionária (At 18.1-18). Logo de
início, sua presença e mensagem despertaram a oposição da comunidade judaica
local que trabalhou intensamente para dificultar ainda mais a obra missionária
em Corinto (At 18.6,12-13). Paulo, porém, não desistiu. Onde o apóstolo
encontrou estímulo para continuar sua obra num ambiente tão difícil? A resposta
é surpreendente: ele foi incentivado pela doutrina da eleição! O texto bíblico
diz que, certa noite, o Senhor apareceu a Paulo numa visão e disse: “Não tenha
medo, continue falando e não fique calado, pois estou com você, e ninguém vai
lhe fazer mal ou feri-lo, porque tenho muita gente nesta cidade” (At
18.9-10).
Durante os dias do seu
ministério terreno, o Senhor havia dito que tinha outras ovelhas que viviam em
vários apriscos fora de Israel. Agora, o mesmo Senhor se manifesta a Paulo
revelando que muitas dessas ovelhas estavam em Corinto. O apóstolo não devia,
portanto, recuar. A realidade de que as ovelhas já estavam ali, somente
esperando ouvir a voz do Supremo Pastor, devia incentivá-lo. Elas atenderiam a
pregação e seriam salvas. Paulo ouviu isso tudo e permaneceu firme. Foi assim
que a santa doutrina da eleição fez o apóstolo perseverar por mais um ano e
seis meses no trabalho missionário em Corinto (1Co 18.11).
Cerca de dez anos mais tarde,
Lucas escreveu essa e outras histórias de Paulo na obra que recebeu o título de Atos
do Apóstolos. Foi, talvez, por perceber que a doutrina da eleição servia
como estímulo para a evangelização que Lucas fez questão de frisar, justamente
numa obra de história de missões, que os que acolhiam a pregação de Paulo eram
somente os que faziam parte do rebanho de Cristo espalhado pelo mundo. “...
E creram todos os que haviam sido designados para a vida eterna” (At 13.48),
escreveu ele. Vê-se, assim, que o primeiro historiador da igreja aprendeu, por
meio de suas pesquisas, que a eleição não somente estimula o trabalho do
pregador, mas também garante o seu sucesso.
Conclui-se, assim, que, à luz
da Bíblia, a doutrina da predestinação não desencoraja a obra missionária,
fazendo exatamente o oposto. Deve-se, agora, observar como, em 2 mil anos de
cristianismo, essa doutrina serviu como fonte de ânimo para os sucessivos
propagadores da santa fé.
Se o argumento que diz que a
doutrina da eleição desestimula a pregação do evangelho não se sustenta à luz
da Bíblia, tampouco esse mito pode se manter de pé diante da análise
histórica. Com efeito, se o ensino bíblico acerca da predestinação gerasse
desmazelo no evangelismo, seus expoentes nada teriam feito em prol da expansão
da fé e ficariam fechados dentro de suas igrejas, aguardando sua fatal
extinção. No entanto, não é isso que se vê na história. Antes, um zelo ardente
por missões moveu os expoentes da doutrina da eleição, conduzindo-os como
pioneiros e mártires aos rincões mais distantes do mundo, sempre à procura das
ovelhas dispersas que fatalmente ouviriam a voz do Pastor Divino.
O primeiro exemplo vem do
próprio Calvino. Em suas Institutas da Religião Cristã, o grande
reformador citou Agostinho de Hipona, dizendo:
“Porque não sabemos quem
pertença ao número dos predestinados, ou não pertença, assim nos convém tratar
que a todos queiramos venham a ser salvos. Assim acontecerá que, quem quer que
seja que se nos haverá de deparar, esforcemo-nos por fazê-lo participante de
nossa paz. Mas, nossa paz repousará somente sobre os filhos da paz (Mt 10.13; Lc
10.6). Portanto, quanto a nós concerne, deverá ser a todos aplicada, à
semelhança de um remédio... A Deus, porém, pertencerá fazê-la eficaz a quem
preconheceu e predestinou” (AGOSTINHO DE HIPONA. De correptione et gratia, XIV-XVI. In CALVINO
João. As Institutas ou tratado da religião cristã, III:XXIII, 14. São
Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989. Volume III, p. 426).
Calvino, contudo, não somente
ensinou essas coisas. Ele também as pôs em prática. Uma prova disso está no
fato de que, em Genebra, cidade onde atuou como pastor e estadista, foi criado,
após 1545, o Fundo Francês, uma instituição que tinha como propósito
central dar apoio material aos franceses pobres ali refugiados por causa da
perseguição em sua terra natal. Calvino contribuía prodigamente para esse fundo
e é provável que tenha sido um dos seus criadores. Ainda que os objetivos
principais da instituição fossem no campo humanitário, é sabido que o Fundo
Francês era também usado para fins missionários, sustentando pastores em
Genebra que deveriam ser enviados à França.
É também preciso destacar que,
em meados do século 16, havia em Genebra 38 tipografias, com cerca de 2 mil
empregados, cujo trabalho dominante era imprimir literatura evangélica
destinada aos países vizinhos, especialmente a França. Por conta disso, na
década de 1540, Paris foi inundada pela literatura produzida em Genebra e as
conversões começaram a ocorrer. Isso despertou a atenção e o desagrado do
parlamento parisiense, o qual emitiu sucessivas listas de livros proibidos, nas
quais eram incluídas quaisquer obras que expusessem ideias calvinistas. As
gráficas de Genebra, porém, não paravam de lançar novos títulos, numa
velocidade que o parlamento não podia acompanhar. Assim, as listas de livros
censurados estavam sempre desatualizadas e as obras de Calvino continuavam a
ser vendidas e lidas pelo povo francês.
Além disso, sendo impossível
um controle absoluto sobre o comércio de literatura por parte das autoridades
de Paris, os livros proibidos procedentes de Genebra eram vendidos no mercado
negro. O resultado era que as conversões à fé evangélica não paravam de ocorrer
na França. Os registros históricos apontam que, em 1562, dois anos antes de
Calvino morrer, existiam pelo menos 1.250 congregações calvinistas naquele
país, abrangendo mais de 2 milhões de membros! Foi, certamente, por causa
desses extraordinários avanços que a Venerável Companhia de Pastores,
outra instituição da Genebra de Calvino, enviou 151 missionários à França só no
ano de 1561! (para mais detalhes, veja-se McGRATH, Alister. A vida de João
Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 203-222).
A obra missionária de Calvino
também abrangeu a fundação da Academia de Genebra (1559) criada para
treinar pastores e suprir a demanda que o crescimento do número de igrejas
impunha aos reformadores. Muitos alunos dessa academia eram estrangeiros
refugiados (franceses, ingleses, holandeses, italianos e alemães) que, depois
de formados, voltavam para seus países de origem ensinando o que ali haviam
aprendido. Entre esses alunos esteve John Knox, o grande reformador escocês.
Foi assim que a escola fundada por Calvino tornou-se um grande centro
missionário, irradiando a fé evangélica para o mundo inteiro.
É preciso ainda lembrar que os
primeiros missionários protestantes que chegaram ao Brasil foram enviados
precisamente por João Calvino. Eles vieram, a pedido de Nicolas Durand de
Villegaignon (1510-1571), com o objetivo de ensinar a fé reformada aos
colonizadores franceses do Rio de Janeiro e evangelizar os indígenas. O grupo
chegou em março de 1557, mas, menos de um ano depois, foi expulso devido a
conflitos doutrinários com Villegaignon. Esses conflitos resultaram na produção
da Confissão de Fé da Guanabara (1558), um documento de orientação
reformada escrito por cinco calvinistas leigos aprisionados por Villegaignon.
Desses cinco, quatro foram estrangulados, pondo fim ao trabalho missionário de
Calvino no Brasil (mais informações sobre os calvinistas enviados de Genebra ao
Brasil, bem como acerca do conteúdo da Confissão de Fé da Guanabara,
veja-se NASCIMENTO, Adão Carlos e MATOS, Alderi Souza de. O que todo
presbiteriano inteligente deve saber. Santa Bárbara d’Oeste: SOCEP, 2007.
p. 39-48).
No século 17, o Brasil, mais
uma vez, foi cenário da atividade missionária calvinista. Isso aconteceu como
resultado indireto dos conflitos políticos entre Espanha e Holanda. Movido por
esses conflitos, Filipe II, da Espanha, proibiu as relações comerciais entre os
holandeses e todas as áreas de dominação espanhola, o que abrangia a América do
Sul. Nessa época, a Holanda dominava a distribuição de açúcar na Europa e não
podia abrir mão do comércio com a empresa açucareira nordestina. Por isso, em
1621, foi criada a Companhia das Índias Ocidentais, com sede em Amsterdã, cujo
objetivo era a exploração mercantil na América.
A companhia promoveu duas
invasões holandesas ao Brasil: uma na Bahia (1624-1625) e outra em Pernambuco
(1630-1654). Esta última foi a mais bem sucedida e, para garantir a paz e os
seus interesses no Brasil, a companhia enviou um representante, o conde João
Maurício de Nassau, que governou o Brasil Holandês de 1637 a 1644.
Maurício de Nassau era crente,
membro zeloso e assíduo frequentador da Igreja Cristã Reformada. Seu governo
foi brilhante, cobrindo uma área que ia do Sergipe até o Maranhão. Ocorreu,
porém, que a Companhia das Índias passou a adotar políticas que desagradavam os
senhores de engenho, exigindo o pagamento imediato de empréstimos e impondo
certos limites à liberdade religiosa. Quando, então, Nassau pediu demissão de
seu cargo, iniciou-se a luta contra os holandeses. A chamada Insurreição
Pernambucana (1645-1654) resultou na expulsão dos invasores que passaram a
produzir açúcar nas Antilhas.
Foram os holandeses que
trouxeram para o Brasil a igreja calvinista. Seu nome oficial era Igreja Cristã
Reformada e contava com 22 congregações locais espalhadas pelo Brasil Holandês.
Ela adotava confissões de fé calvinistas, além de outros credos ortodoxos
antigos, e realizou uma intensa obra missionária, especialmente entre os
índios. O primeiro pastor dessa igreja a se envolver com a evangelização dos
nativos foi Vincentius Joaquimus Soler. A princípio, ele pregou na aldeia
Nassau, no Recife (atual Bairro das Graças) e somente mais tarde, a pedido dos
nativos da capitania da Paraíba, dedicou-se à evangelização dos índios. Cabe,
porém, a David Doreslaer, cujo trabalho iniciou-se em 1638, o título de
primeiro pastor missionário de tempo integral entre os nativos do Brasil.
O trabalho missionário dos
calvinistas holandeses cresceu muito, a ponto de, em 1641, ser celebrada a
primeira Ceia do Senhor na aldeia do cacique Pedro Poti. Várias tribos pediam
que a Igreja Cristã Reformada lhes enviasse pregadores e congregações indígenas
foram abertas. Até os antropófagos tapuias pediram o envio de missionários.
Infelizmente, nem sempre essas solicitações podiam ser atendidas, até mesmo em
virtude da instabilidade decorrente dos conflitos entre Holanda, Espanha e
Portugal. Apesar disso, 17% do trabalho pastoral era dedicado aos índios,
graças, inclusive, à iniciativa pessoal de vários ministros que viam a pregação
aos nativos como parte obrigatória do seu ministério.
Em seu trabalho, os pastores
calvinistas ganhavam a confiança dos nativos dando-lhes assistência social
(remédios, alimentos, proteção, etc.), traduziam partes da Escritura para
o tupi, produziam literatura reformada em português e em tupi, primavam pela
educação e formação de professores índios (alguns se tornaram “consoladores” ou
evangelistas) e zelavam não somente pelo ensino doutrinário, mas também pelo
ideal de santidade que deve acompanhar a fé. De fato, o puritanismo holandês
via a Bíblia como norma de fé e prática (norma credendi et agendi) e
isso foi transmitido aos índios.
Infelizmente, com a expulsão
dos holandeses do Brasil, em 1654, a Igreja Cristã Reformada também partiu. Os
índios convertidos foram incluídos no “Perdão Geral” promulgado pelos
portugueses. Contudo, sem acreditar nesse perdão, os índios membros da primeira
igreja evangélica verdadeiramente brasileira fugiram para a Serra de Ibiapaba,
no Ceará, a 750 km do Recife. O local tornou-se, então, o que o padre jesuíta
Antonio Vieira chamou de “Genebra de todos os sertões do Brasil”, repleta de
índios calvinistas que consideravam o catolicismo uma fé falsa.
No mesmo ano da expulsão dos
holandeses, os índios da Serra de Ibiapaba enviaram uma pequena delegação a
Holanda, suplicando socorro em prol do povo que havia abraçado a fé calvinista.
Porém, a Igreja Cristã Reformada viu-se atada pelas negociações de paz entre
Portugal e Holanda e não enviou auxílio. Por isso, a igreja indígena morreu.
Aos poucos, seus membros foram novamente submetidos a Roma ou massacrados como
hereges. Foi assim que terminou um dos capítulos mais belos da história da
igreja reformada no Brasil; e esse capítulo prova quão falaciosa é a acusação
de que os calvinistas não se importam com a evangelização dos povos sem Deus.
(A obra mais completa sobre o tema, escrita em português, é, sem dúvida, a de
Franz Leonard Schalkwijk: Igreja e Estado no Brasil Holandês: 1630-1654.
São Paulo: Vida Nova, 1989. O autor é pastor reformado holandês e ministrou
muitos anos no Brasil, tendo realizado profundas pesquisas tanto aqui como em
sua terra natal).
As provas históricas do
empenho evangelístico dos calvinistas são inumeráveis. Porém, para concluir
esse assunto, é suficiente apontar somente mais dois personagens: George
Whitefield e Charles Haddon Spurgeon, sem dúvida os maiores pregadores de todos
os tempos, ambos fervorosos expoentes da fé reformada, com sua ênfase na
doutrina da predestinação dos santos (Informações mais completas sobre George
Whitefield podem ser obtidas em LLOYD-JONES, D.M. Os Puritanos: suas
origens e sucessores. São Paulo: PES, 1993).
George Whitefield nasceu em
Gloucester, na Inglaterra, em 1714, e morreu em Newbury Port, nos Estados
Unidos, em 1770. Ele viveu menos de sessenta anos, mas dificilmente a história
poderá mostrar um homem mais zeloso no trabalho de proclamação das Boas Novas
aos perdidos. De fato, Whitefield foi o maior pregador da Inglaterra no século
18 e, certamente, um dos mais notáveis evangelistas de todos os tempos. Com
certeza, ele foi o principal líder do Grande Avivamento evangélico que varreu a
Inglaterra há mais de duzentos anos.
Whitefield começou a pregar em
1736 e, já no ano seguinte, era capaz de reunir grandes multidões em Londres
dispostas a ouvi-lo. A ele cabe a honra de ter sido o primeiro evangelista da
igreja moderna a pregar ao ar livre, rompendo antigas tradições eclesiásticas
em prol da expansão da fé. Whitefield usou essa estratégia pela primeira vez em
1739, motivado pelas terríveis informações que lhe chegaram acerca da vida
depravada dos trabalhadores das minas de carvão que viviam numa vila perto de
Bristol. A princípio ele pregou ao ar livre para um grupo de cem homens daquela
vila, mas seu impacto foi tão grande que logo o número passou para 5 mil,
superando mais tarde os 20 mil ouvintes. Aquelas pessoas nunca tinham entrado
numa igreja e, mesmo cansadas e sujas em virtude do trabalho nas minas de
carvão, não iam para casa, preferindo ficar de pé ouvindo a pregação de
Whitefield.
A partir de então e até o fim
da vida, Whitefield se dedicou à pregação em lugares abertos, alcançando
dezenas de milhares de pessoas tanto na sua terra natal como na Escócia, onde
esteve catorze vezes. A partir de 1738, Whitefield fez também diversas viagens
aos Estados Unidos a fim de pregar o evangelho ali. Ele morreu
durante sua sétima visita àquele país. Sua coragem em atravessar o oceano treze
vezes em suas idas e vindas à América, enfrentando todos os perigos que essa
viagem representava no século 18, mostra o zelo missionário desse pastor
calvinista que, em 34 anos de ministério, pregou cerca de 18 mil sermões!
Proclamando suas mensagens ao
ar livre ao longo de toda a vida, Whitefield enfrentava qualquer situação,
mesmo as mais difíceis. Frio, calor, chuva e neve, nada disso o impedia de
anunciar a Palavra às multidões que, também sob essas condições se
ajuntavam para ouvi-lo. Ele pregava cerca de seis vezes por dia e fez isso por
mais de três décadas! Não tinha descanso no trabalho, submetendo seu corpo a
severas tensões. Foi por isso que, extremamente exausto, após árduos esforços
para pregar uma última vez, faleceu em Newbury Port, Massachusetts, com apenas
56 anos de idade.
Ninguém mais do que George
Whitefield provou como a fé calvinista move o crente ao evangelismo. Sendo
árduo defensor da doutrina da eleição soberana de Deus, ele foi um evangelista
incomparável, superando todos do seu tempo no nobre trabalho de alcançar os
escolhidos do Senhor. Whitefield pregou para a aristocracia inglesa, para os
homens humildes do campo e das minas e para as crianças dos orfanatos, tanto em
sua terra natal como em regiões distantes dali. A fé reformada não o
desencorajava. Muito pelo contrário. Foi essa fé que se constituiu na base de
todo o seu empenho, por décadas a fio, até a morte. Hoje, os que dizem que
calvinistas não evangelizam, devem estudar a vida de George Whitefield. Isso,
certamente, os fará mudar de opinião!
Uma dramática mudança de
opinião acerca do zelo evangelístico calvinista também ocorrerá no crítico da
fé reformada que estudar a vida de Charles Haddon Spurgeon (1834-1892), notável
pastor batista inglês conhecido como o “Príncipe dos Pregadores” (sobre a vida
de Spurgeon, leia Gigantes da fé, de Franklin Ferreira, publicado pela
Editora Vida, páginas 270 a 278).
Mesmo pertencendo a uma
família de tradição protestante e sendo criado sob a forte influência de seu
avô, um pastor congregacional, Spurgeon só se converteu realmente aos dezesseis
anos de idade. Logo no início de sua vida cristã, ele mostrou grande
preocupação pelas almas, dedicando-se à distribuição de folhetos, ao ensino na
escola dominical e, eventualmente, à pregação. Aos poucos, porém, suas
habilidades como comunicador da Palavra de Deus começaram a aflorar e
Spurgeon viu sua fama de pregador crescer quando ainda era bem jovem.
Em 1852, ele se tornou pastor
e, dois anos depois, assumiu o ministério na Capela Batista de New Park
Street, em Londres. Seu desempenho ali como pregador e evangelista atraiu
tantas pessoas que as ruas ao redor da igreja logo se tornaram intransitáveis
por conta da multidão que afluía para ouvir o jovem pastor. Em pouco tempo, a
igreja teve de se mudar para Newington, onde, em 1861, foi construído o
Tabernáculo Metropolitano, que abrigava cerca de 12 mil pessoas. O local ficava
repleto de homens e mulheres desejosos de ouvir os sermões ardentes de Spurgeon
que anunciava o Evangelho com uma paixão e clareza nunca vistas em nenhum outro
pregador daqueles dias.
Charles Spurgeon era
calvinista convicto e seus sermões são prova cabal desse fato (no Brasil, os
sermões de Spurgeon têm sido publicados especialmente pela Editora Fiel e pela
PES: Publicações Evangélicas Selecionadas). Defendendo vigorosamente a doutrina
da predestinação dos santos e a eleição incondicional, ele foi, ao mesmo tempo,
um zeloso evangelista de renome mundial, pregando em diversos países da Europa,
tanto em igrejas ou em amplos salões como ao ar livre. Ele pregava de oito a
doze vezes por semana e chegou a falar para um público de mais de 23 mil
pessoas, no Crystal Palace, em Londres.
Tantas foram as pregações de
Spurgeon que, quando seus sermões passaram a ser publicados, a partir de 1855,
a obra abrangeu 63 volumes, com mais de 3.500 homilias. Desejoso de que a
mensagem de Cristo alcançasse o maior número possível de pessoas, Spurgeon se
esforçava para que as publicações dos sermões fossem semanais, revisando ele
próprio os textos antes que chegassem ao público. Como resultado dessa imensa obra
evangelizadora, Spurgeon batizou cerca de 15 mil pessoas ao longo de quarenta
anos de ministério pastoral. Mais tarde, seus sermões foram traduzidos para
diversos idiomas, transformando vidas em todo o mundo.
Sempre preocupado com a
divulgação da mensagem cristã, Spurgeon também começou um trabalho de
treinamento de evangelistas e pastores, o que deu origem ao posteriormente
chamado Spurgeon’s College. Essa instituição existe até hoje, adotando a
mesma visão do seu fundador e formando evangelistas, missionários e pastores.
Charles Spurgeon adotava uma
concepção ortodoxa das Sagradas Escrituras e, por isso, passou a ser
fortemente criticado pelos membros liberais da União das Igrejas Batistas da
Inglaterra da qual sua igreja fazia parte. Por causa disso, em 1887, ele se
desligou da união e, sob severa oposição, viu sua saúde minguar. Spurgeon tinha
gota, reumatismo e uma enfermidade crônica degenerativa incurável chamada
Doença de Bright. Ele morreu aos 57 anos. Grandes cortejos foram
realizados em Londres por ocasião de seu sepultamento no cemitério de Norwood.
Naquele dia, 31 de janeiro de 1892, o Senhor tomou para si um dos maiores
evangelistas de todos os tempos.
Quem conhece a vida e os
sermões de Spurgeon vê quão grande é o impulso que a doutrina da eleição
incondicional dá ao evangelismo. Nota-se que, encorajado pelo precioso ensino
acerca da predestinação dos santos, os homens de Deus se lançam com maior
empenho na busca daqueles que o Senhor escolheu e trazem para o seio da igreja
os convertidos verdadeiros em quem a graça de Deus realmente atuou.
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria
Soli Deo gloria