ORAÇÃO. ENCONTRANDO UM DEUS PESSOAL




Se Deus fosse impessoal, como ensinam as religiões orientais, o amor — algo que só pode acontecer entre duas ou mais pessoas — seria uma ilusão. Podemos ir além e afirmar que mesmo se Deus fosse apenas unipessoal, não haveria como o amor ter surgido até Deus começar a criar outras coisas. Significaria que, em essência, Deus seria mais poder do que amor. O amor não seria tão importante quanto o poder.

A doutrina cristã da Trindade, no entanto, ensina que existe um Deus em três pessoas que se conhecem e amam umas às outras desde antes do alvorecer dos tempos. Se Deus é triúno, então as palavras e a linguagem são vistas sob nova luz. Em João 14 a 17 Jesus se refere à sua vida no contexto da divindade antes de vir à terra, quando fala da “glória que eu tinha com [o Pai] antes que o mundo existisse” (Jo 17.5) e das “palavras” que recebera do Pai (Jo 17.8). Dentro da Trindade, desde a eternidade, existe comunicação por meio de palavras – o Pai fala com o Filho, o Filho fala com o Pai, e o Pai e o Filho falam com o Espírito. Em João 17, temos um vislumbre desse falar na oração de Jesus a seu Pai. Trata-se de um discurso divino.

Muitos filósofos afirmam que, por Deus ser um espírito puro, é inadequado dizer que ele fala. Contudo, Jesus disse: “Céu e terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão” (Mt 24.35). O filósofo Nicholas Wolterstorff e outros negam a ideia de que Deus não possa falar e não o faça. Wolterstorff aplica a teoria dos atos de fala de J. L. Austin, a qual salienta que palavras também são atos. As palavras não apenas dizem coisas, elas as realizam. Se Deus existe e tem poder para agir, não há motivo para que não possa falar, pois palavras também são atos. Além disso, uma vez que a divindade contém uma comunidade de pessoas, e como a linguagem é intrínseca ao relacionamento entre pessoas, há todos os motivos para se esperar que Deus se comunique por intermédio de palavras.

Assim, a oração cristã não é um mergulho no abismo do desconhecido nem um estado de hiperconsciência sem palavras. Esta última condição é criada não pelas palavras em si, mas por sons. “As técnicas que preparam para [o estado de meditação com mantras chamado samadhi] dão especial atenção a sons, visões ou atos repetitivos. O pensamento analítico é hipnotizado a fim de privilegiar a consciência intuitiva, um estado de relaxamento em que se suspende a consciência de identidade individual da pessoa.” A oração cristã, por sua vez, é uma comunhão com o Deus pessoal que nos torna amigos por meio do discurso. O padrão bíblico envolve meditação nas palavras das Escrituras até respondermos a Deus com nosso ser inteiro, dizendo: “Dá-me um coração íntegro, para que […] eu possa louvá-lo, Senhor meu Deus, de todo o coração” (Sl 86.11,12).

Timothy Keller