A IMPORTANCIA DO ESTUDO DAS LÍNGUAS ORIGINAIS DA BÍBLIA


Introdução

Na mesma proporção em que valorizamos o evangelho, sejamos zelosos em segurar as línguas [bíblicas]. Pois não foi sem propósito que Deus fez com que Suas Escrituras fossem estabelecidas nessas duas línguas somente – o Antigo Testamento em Hebraico1, o Novo em Grego. Agora, se Deus não desprezou-as mas escolheu-as sobre todas outras línguas deste mundo, então nós também deveríamos honrá-las sobre todas as outras. S. Paulo declarou era uma glória peculiar e distinta do hebraico, o fato de que a Palavra de Deus foi dada nesta língua, quando ele disse em Romanos 3, “Que vantagem ou lucro têm os que são circuncidados? Muitos em muitas coisas. Primeiramente porque a Palavra de Deus foi confiada a eles.” O Rei Davi também gloria-se no Salmo 147, “Ele declara sua Palavra a Jacó, seus estatutos e ordenanças a Israel. Não fez assim com nenhuma outra nação ou revelou a elas suas ordenanças”. Desta forma, também, A língua hebraica é chamada sagrada. E S. Paulo, em Romanos 1, chama-a “as santas escrituras”, certamente levando em conta a santa palavra de Deus a qual é aqui compreendida. Similarmente, a língua Grega também pode ser chamada sagrada, porque ela foi escolhida sobre todas as outras como a língua na qual o Novo Testamento foi escrito, e porque por isso outras línguas também tem sido santificadas como se o Grego estendesse sua santidade a elas como uma fonte em meio a tradução. (Martinho Lutero. The Importance das Línguas Bíblicas. Tirado de: To the Councilment of All Cities in Germany That They Estabilish and Maintain Christian Schools” (1524)).2


Eclesiastes 3.1

`~yIm"V'h; tx;T;î#p,xe-lk'l. t[ew> !m"z> lKol;

laKKöl zümän wü`ët lükol-Hëºpec TaºHat haššämäºyim

Há para tudo tempo específico e momento, Há para tudo, vontade debaixo dos céus


Daniel 4.32

`HN:)nIT.yI aBec.yI yDI-!m;l.W av'n"a] tWkl.m;B. ay"L'[i jyLiv;-yDI( [D:n>ti-yDI( d[;

`ad Dî|-tinDa` Dî|-šallî† `illäyä´ Bümalkût ´ánäšä´ ûlüman-Dî yicBë´ yiTTüninnah 3

...até que conheças que o poder [é] do Altíssimo no reino do homem e a quem quiser dará



Gálatas 4.4

o]te de, h=lqe to. plh,rwma tou/ cro,nou evxape,steilen o` Qeo.j to.n Ui`o.n auvtou/ geno,menon evk gunaiko,j geno,menon u`po. no,mon

hóté dé êlthé tó plêróma tú chrónu éksapéstéilén hó Théós tón Huión autú guénóménon ék guinaikós guenóménón hypó nómón

quando, porém, ao chegar a plenitude do tempo, enviou Deus o Seu Filho, nascido de mulher, nascido sob lei...

Todos esses textos indicam o senhorio de Deus sobre a história humana, todos os acontecimentos estão no controle e sob a direção Dele. Principalmente em Gl 4.4 entendemos que o acontecimento de maior importância histórica, o nascimento de Jesus, a encarnação do verbo se deu no que o apóstolo chama de Plenitude do Tempo (to. plh,rwma tou/ cro,nou tó plêróma tú chrónu), embora essa expressão ainda seja motivo de debate4, a idéia mais importante é que o nascimento de Cristo é o cumprimento (to. plh,rwma tó plêróma), a completude, do tempo (tou/ cro,nou tú chrónu).

A visão do Antigo Testamento é que Deus tem um tempo determinado para todas as coisas e tudo se cumpre conforme o tempo de Deus, em termos escatológicos, há um tempo determinado para o cumprimento dos propósitos redentores de Deus. O momento escatológico mais importante nessa visão é a vinda do Messias, o Cristo, o ungido de Deus. Esse é o tempo exposto por Paulo, denominado de Plenitude do Tempo.

Não temos escritos inspirados antes de Moisés, embora o próprio Moisés possa ter recebido as tradições sobre o Gênesis e as histórias patriarcais de forma escrita5 , de qualquer forma, Deus não escolheu nenhuma dessas línguas pré-mosaicas para inspirar suas Escrituras Sagradas6, mas no momento preciso da história, quando o hebraico já era língua desenvolvida, Deus utilizou-se de Moisés como instrumento de sua inspiração, e a língua escolhida foi o hebraico.7

1.1 o hebraico bíblico

O hebraico bíblico8 tem características peculiares para o tipo de revelação necessária para aquele momento histórico, é uma língua objetiva na sua construção nominal, ou seja, possui poucas construções adjetivais, tornando a expressão linguística mais direta e menos subjetiva; a ênfase da língua está em suas construções verbais de profunda riqueza estilística e características próprias inigualáveis.

O verbo no hebraico bíblico possui nuanças inexistentes em outras línguas o que a torna sui generis, somente após alguns anos de estudo é que se pode entender as peculiaridades dessa língua e as aplicações da mesma na interpretação e aplicação da mensagem do Antigo Testamento.

Essas características tornaram a mensagem bíblica do AT muito direta, clara e precisa, evitando que a subjetividade humana9 interferisse na compreensão dessa mensagem e preparando o caminho para a vinda do Messias.

1.2 o aramaico bíblico

Quanto ao aramaico bíblico10, somente pequenas porções das Escrituras Sagradas foram escritas nesse idioma, Gn 31.47 (duas palavras); Jr 10.11; Dn 2.4-7.28; Ed 4.8-6.18; 7.12-26; contudo, há um misto de influências aramaicas em algumas outras construções estilísticas e de vocabulário do hebraico bíblico.

O aramaico bíblico mantém as peculiaridades do hebraico bíblico com algumas diferenças gramaticais, vocabulares e de estilo. Foi usada em um período em que a língua aramaica era a língua franca de comunicação internacional, como depois viria a ser o grego koiné. Tem importância principalmente escatológica, principalmente nos texto de Daniel, mas sua abrangência envolve o entendimento de várias outras passagens da Bíblia Hebraica e ainda no estudo das construções, vocabulário, sintaxe e outras influências linguísticas no grego do NT.11

1.3 O grego do Novo Testamento

O grego do Novo Testamento12, chamado de koiné ou helenístico, era a língua usada pelo império grego e depois absorvida pelo romano como língua internacional. Foi a língua usada na revelação das Escrituras Sagradas do Novo Testamento13. Embora compartilhe de todas as características do grego koiné de sua época e posteriores, possui outras peculiaridades distintas de outras literaturas em koiné.

Algumas observações sobre essas peculiaridades são óbvias; todos os escritores do NT, exceto Lucas14, são judeus, dessa forma, ainda que tenham escrito em koiné suas formas de pensamento e língua materna era o aramaico e sua influência teológica e também linguística-escriturística era o hebraico bíblico; tais características são claramente perceptíveis em um estudo mais detalhado no grego do NT.15

Observando o que foi dito acima, o grego do NT mantém muitas das características linguísticas do hebraico e aramaico bíblicos, mas usa também das particularidades específicas da língua grega, ou seja, o conceito de casos, ausente no hebraico e aramaico bíblico é utilizado no grego do NT como expressão precisa e ampla de significados. Também o sistema verbal do grego do NT é profundo em sentidos de ação verbal, tornando a mensagem do Evangelho Cristo profunda e marcante.

  1. As línguas bíblicas como veículo de compreensão da mensagem divina

A Bíblia é a mente do Altíssimo expressa em linguagem humana e se queremos entender a mente de Cristo precisamos entender a linguagem em que ela está expressa. As traduções da Bíblia permitem a todos o acesso ao conhecimento da vontade de Deus para o homem, suas lições, mandamentos, ações na história. Mas pelo fato de Deus ter escolhido as línguas originais (grego, hebraico e aramaico) como instrumentos de comunicação, são essa línguas que precisam ser entendidas para se entender precisamente o que o Senhor quis nos ensinar nas Escrituras.

Muitos fazem um uso errado das línguas originais, utilizam dela para demonstrar conhecimentos, ostentar status social, desenvolver ensinos duvidosos16 e até promover facções e heresias. Outros pensam ser desnecessário o uso dos estudos das línguas originais já que temos traduções confiáveis e muitos comentário exegéticos já foram feitos, basta consultá-los.

Há ainda aqueles que querem escolher o caminho mais fácil e dizem que muito estudo teológico não leva a nada, um discurso que na verdade esconde preguiça e desleixo com a aplicação e esmero na dedicação ao ministério.17

Mas se entendermos o estudo das línguas originais como necessidade de entendimento, com precisão, da mensagem divina, talvez nos apliquemos mais ao estudo e deixemos de lado as desculpas “esfarrapadas”. Então conheçamos, e prossigamos em conhecer ao SENHOR; a sua saída, como a alva, é certa; e ele a nós virá como a chuva, como chuva serôdia que rega a terra. (Os 6.3).

As línguas originais possibilitam um entendimento mais profundo da mensagem divina e um contato mais de perto com a cultura e pano de fundo histórico dos autores e leitores dessa mensagem, possibilitando assim uma maior facilidade de transmissão e aplicação dessa mensagem em nosso viver diário, em nossa pregação e ensino.


  1. A compreensão das línguas bíblicas como instrumento apologético

É notório que as seitas se utilizam em larga escala das línguas bíblicas para defender suas ideias e falsos ensinos. Embora o uso que fazem dessas línguas seja ingênuo e desvirtuado, acaba por ser um instrumento para engano do incautos e neófitos e algumas vezes até dos mais conhecedores e experientes, que desconhecendo as línguas originais também se deixam levar pelos argumentos dos líderes dessas seitas.

Quem nunca se deparou com um TJ à porta de sua casa utilizando-se dos “originais” para alegar que as nossas traduções estão erradas e a deles é a mais correta porque no “original” é assim ou assado. Como uma grande parte das pessoas desconhecem esse tal “original” não têm como responder às alegações desses russellitas e a discussão pende para o lado deles.18

Adventistas, discípulos de Yehoshua, homossexuais e espíritas19 utilizam-se das línguas bíblicas para validar seus discursos contra a interpretação de textos feita pelos evangélicos.

Vejamos alguns exemplos:

SILVA (2002, p. 84) diz o seguinte:

~yti(Meh;-la, vrEÞdow> = Vedorêsh el-hametim20 (significa e quem exija a presença dos “mortos”):
A maioria traduz dorêsh él-hametim como consulta aos “mortos”, no entanto, acima já existe o verbo consultar (shoel) utilizado antes das palavras “necromantes e adivinho”. Porém, antes da palavra “mortos” observe que o verbo muda para (lidrôsh) e o primeiro significado do verbo lidrôsh, em hebraico, é EXIGIR, daí, a tradução correta do texto se: exigir a presença dos mortos. Se este verbo tivesse o mesmo significado de consultar, não teria razão de, no versículo, o autor sagrado troca o verbo “shoêl por dorêsh” antes da palavra “hametim”, (mortos).


O argumento parece consistente, mas a falácia está em escolher uma das possíveis traduções de um verbo para defender a doutrina, mas façamos uma breve análise do texto:

Deuteronômio 18.11
`~yti(Meh;-la, vrEÞdow> ynIë[oD>yIw> ‘bAa laeîvow> rb,x'_ rbEßxow>

Possíveis traduções:

[nem com] o que ajunta um encantamento e [nem com] o que consulta (o que pergunta, o que requer, o que pede) espírito familiar (era considerado um tipo de magia, necromante) e [nem com] o que é sábio (do tipo que usa de conhecimentos para entrar em contato com o mundo invisível) e [nem com] o que procura (consulta, investiga, inquire, investiga) os mortos.


A versão grega Grega do AT (chamada Septuaginta ou LXX)21 traduz a expressão ~yti(Meh;-la, vrEÞdow> como ...evperwtw/n tou.j nekrou,j (dos consultadores, questionadores, buscadores dos mortos e a versão latina do AT (chamada Vulgata) traduz a mesma expressão como ...et quaerat a mortuis veritatem (os que buscam, procuram dos mortos a verdade). Não há como negar a proibição de qualquer contato com os mortos no texto. É evidente que haviam variações de práticas religiosas de consulta aos mortos, entretanto, a Bíblia proíbe todas as formas, o que inclui hoje os vários tipos de espiritismo e qualquer outra religião que queria praticar isso.

Outro exemplo, os Tjs fazem a seguinte tradução do texto de João 1.1:

No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com o Deus, e a Palavra era [um] deus.22

Esequias Soares da SILVA (2007, p. 123), diz sobre a justificativa dessa tradução dada pelos Tjs no Apêndice da Interlinear do Reino, edição de 1969 23,

Razão pela qual eles vertem a palavra grega para “divino” e não “Deus”, é porque se trata de substantivo grego theos sem o artigo definido, portanto, um theos anartros. O Deus com quem estava originalmente a Palavra ou Logos é designado aqui pela expressão grega o` Qeo,vj theos precedido pelo artigo definido ho, portanto, um theos articular. Tradutores cuidadosos reconhecem que a construção articular do substantivo aponta para uma identidade, uma personalidade, enquanto que uma construção não articular uma qualidade acerca de alguém. Isso é o que indica A Manual Grammar of the Greek New Testament por Dana e Mantey, faz notar na página 140, parágrafo vii. De igual modo, na página 148, parágrafo (3), diz esta mesma publicação, a respeito do sujeito duma oração copulativa que, por vezes, numa oração copulativa o artigo torna o sujeito distinto do predicativo.

O texto original é como segue:

VEn avrch/| h=n o` lo,goj( kai. o` lo,goj h=n pro.j to.n qeo,n( kai. qeo.j h=n o` lo,gojÅ

O argumento acima exposto pelos Tjs é que por não haver o artigo o` (hó) antes do substantivo qeo.j (Théós), justifica a tradução um deus. Pela lógica dos Tjs sempre que se omite o artigo deve-se subentender que não se trata do único Deus e deve-se colocar o artigo indefinido um.

Também parece um argumento razoável, mas é da mesma forma uma falácia, vejamos, em Jo 1.6 a Tradução do Novo Mundo traz:

Surgiu um homem enviado como representante de Deus: seu nome era João.24

O original traz:

VEge,neto a;nqrwpoj avpestalme,noj para. qeou/( o;noma auvtw/| VIwa,nnhjÅ
Nessa passagem, também não há artigo25 antes de Théós e mesmo assim os Tjs não traduziram da parte de um deus. Percebe-se a falácia da seita para tentar encontrar subsídio para suas ideias heréticas.26
Por meio desses exemplos fica evidente que os que não se dedicarem ao estudo das línguas originais estarão desarmados no debate e na evangelização de grupos sectários e em alguns casos serão até envergonhados.

Há uma frase muito profunda do Instituto Cristão de Pesquisas: Vamos fazer pela verdade o que as seitas fazem pela mentira.

  1. A compreensão das línguas bíblicas como instrumento de ensino do Evangelho de Cristo

Todos os que ensinam Bíblia sabem das dificuldades de alguns textos e vez por outra nos sentimos constrangidos pelos alunos a responder questões a respeito do significado de certas passagens obscuras ou polêmicas. O conhecimento da hermenêutica ajuda a resolver grande parte dos problemas, mas uma hermenêutica sem as línguas originais é uma hermenêutica “caolha”, resolve alguns problemas e às vezes cria outros dois, como no mito grego da hidra
A hermenêutica com o conhecimento das línguas originais ajuda-nos a minimizar os problemas de interpretação27 e a resolver algumas dúvidas de nossos alunos na Escola Dominical ou em qualquer tipo de ensino.

Temos hoje uma infinidade de versões da Bíblia, alguns acham um avanço na compreensão dos textos bíblicos, eu creio ser um problema para os professores e pastores. A falta de concordância nas versões torna difícil o ensino na igreja. Quem nunca teve algum tipo de problema com algum aluno dizendo: “pastor, na minha Bíblia está diferente.” É quando lembramos da necessidade de ter estudado as línguas originais.
MOREIRA (2009, in: http://teo-filo-lit-wm.blogspot.com/2009/07/por-que-estudar-as-linguas-biblicas.html28) faz uma importante reflexão sobre essa questão:

A primeira razão é porque, existindo mesmo muitas e boas traduções, quando elas diferem entre si, como se saberá com precisão qual delas reflete melhor o texto original? Isto não é simplesmente um assunto que se resolva com uma votação para que a escolha da melhor tradução fique à mercê de uma maioria. Uma comunidade cristã espera que o seu líder esteja habilitado para ajudá-la a compreender o texto. Daí a necessidade do exegeta saber avaliar qual a melhor ou melhores traduções.
Cada dia mais isso é uma verdade, em uma mundo de alta tecnologia e de muitos avanços em todas as áreas da ciência, o crescimento da quantidade de informação disponível e a facilidade de acesso às multimídias dos tempos pós-modernos. Tudo isso traz ao ensinador cristão uma necessidade de preparo cada vez maior e direta ou indiretamente os membros das igrejas exigem de seus discipuladores a capacitação inerente ao exercício do cargo.

  1. A compreensão das línguas bíblicas como instrumento homilético na pregação do Evangelho de Cristo

Os pregadores expositivos estão em extinção, aliás, os pregadores estão em extinção. O que temos são contadores de histórias (verdadeiros Forest Gumps da fé), curandeiros, brincalhões, contadores de piadas evangélicas, marqueteiros da fé, vendedores de ilusões, místicos da música, da pregação, um verdadeiro show da fé.29

Não estamos nem exigindo profundos pregadores exegetas, já que a velocidade da vida atual impede que nos dediquemos como “spurgeons”, e poucas igrejas conseguem na atualidade bancar um pastor integralmente com um salário digno.30

Os padrões de pregação estão em baixa, não se ensina a Bíblia, os ministros não a leem e muito menos os membros. A pregação não é mais uma “feijoada” em que possamos sair de nossas igrejas de barriga cheia, está mais próxima de um “miojo” ou comida de micro-ondas, não é mais aquela comida da mamãe ou da vovó, é o self-service da fé em que você pode escolher que tipo de alimento quer.

O padrão de pregações está em um nível tão baixo que quando alguém usa um texto qualquer e prega um sermão tópico, muitos já se sente alimentado, pois já é um “miojo” com uma lata de sardinha. Não sustenta mas pelo menos já engana o estomago. O profeta Oseias nos diz:

O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos. (Os 4.6)

A ênfase desse texto sempre é dada na questão do povo não conhecer, mas no contexto da passagem a ênfase é sobre o sacerdote que rejeita o conhecimento, visto que os sacerdotes e levitas eram responsáveis pelo ensino da Palavra do Senhor ao povo; na época de Oseias o ministério sacerdotal estava corrompido pela corrupção moral e espiritual31, assim, pelo fato do sacerdote rejeitar o conhecimento isso gerava um povo sem conhecimento bíblico, o texto original deixa claro que o resultado da falta de conhecimento do povo é a rejeição da busca de conhecimento pelo sacerdote.

Alguns entendem erroneamente os objetivos da compreensão dos textos originais para a pregação, pensam que devem aprender o grego, aramaico e o hebraico para ficar pronunciando palavras estranhas para seu público, longe disso.

A importância do estudo das línguas originais não é uma forma de demonstração de conhecimento, nem mais uma ferramenta para insuflar o ego; estudamos as línguas originais para compreender a mensagem original do autor sagrado, para saber como os ouvintes daquela mensagem a entenderam e quais as aplicações dessa mensagem sagrada para nossa vida prática hoje.

Muitos acham que é extremamente trabalhoso preparar uma mensagem expositiva com base nas línguas originais e o tempo gasto seria inviável e impossível de realizar semanalmente. Em parte concordamos, mas a verdade é que ao preparar uma mensagem expositiva com base nas línguas originais teremos material para vários sermões e ainda sobra para muitos estudos.

O maior benefício, entretanto, da pregação expositiva com base nos textos originais é o crescimento espiritual do pregador e da igreja na qual ele exerce seu ministério, uma igreja bem alimentada tem menos problemas em todas as áreas; uma igreja “raquítica” de Bíblia inventa problemas.

  1. A compreensão das línguas bíblicas como instrumento de reflexão teológica

A quantidade de material de reflexão teológica em terras brasileiras é vergonhosa, estamos começando a ler materiais publicados há cerca de 100 anos atrás (é o caso da Teologia Sistemática de Strong).
Em vias de normalidade lemos reflexões teológicas e material de qualidade em todas as áreas do conhecimento com cerca de 5 anos de atraso e é muito simples fazer essa verificação, basta pegar qualquer livro de Teologia ou outra área do conhecimento e verificar o ano de copyright do original e o ano de publicação em português. Graças a Deus esse atraso tem diminuído em alguns casos para 2 ou 3 anos.
Quando queremos nos aprofundar em qualquer área do conhecimento temos que aprender o inglês, francês ou alemão, línguas nas quais estão escritas ou traduzidas as maiores e melhores obras do conhecimento humano e na área teológica as principais obras estão em inglês.

Por que a realidade é essa? São várias as respostas. Primeiro, teólogos americanos, ingleses e alemães são muito melhor preparados nas escolas teológicas de alta qualidade e nível universitário elevados. Segundo, é possível ser teólogo nos Estados Unidos e na Alemanha e sobreviver com a renda da profissão, enquanto que no Brasil poucos são os teólogos que têm o privilégio de poderem se dedicar em tempo integral à produzir material acadêmico, muitas vezes temos que ser professores, escritores, pastores e juntando todos os salários conseguimos só pagar as contas rotineiras.32

A compreensão das línguas originais, entra aqui como um subsídio eficaz na produção de material teológico de qualidade, com profundidade reflexiva. Caso não formemos conhecedores das línguas originais, seremos cada vez mais dependentes de material estrangeiro e termos uma reflexão teológicas de segunda ou terceira mão.

Poucas editoras brasileiras produzem material nacional de qualidade acadêmica e com uso correto das línguas originais da Bíblia. Fazendo um ranking básico temos: Cultura Cristã (Presbiteriana, em geral ortodoxa), com material nacional de alta qualidade nas línguas originais, quase isento de erros; Vida Nova (Batista de linha tradicional, em geral ortodoxa) no mesmo nível; Editora Vida (Interdenominacional, geralmente ortodoxa, mas com alguns materiais de linha liberal); IBR (Batista, também de linha tradicional ortodoxa) material de alto nível e Sociedade Bíblica do Brasil (Interdenominacional, em geral liberal).

As outras editoras, em geral, fazem má tradução de obras estrangeiras e “assassinam” as línguas originais, há dicionários de línguas bíblicas que saíram com o alfabeto hebraico completamente errado, palavras escritas de forma errada, etc, etc.

Só poderemos produzir material teológico de alto nível quando essas questões forem resolvidas ou pelo menos minimizadas, caso contrário continuaremos conhecidos como a terra do samba, do futebol e de lindas mulheres, mas sem nenhum conteúdo importante para as futuras gerações.


  1. Mais nobres que os demais – o caso bereano e o filtro teológico

Ora, estes de Bereia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim. (At 17.11)

Há uma última questão importante, que tipo de crentes queremos ser, os de Tessalônica, que se converteram e viviam sua vida cristã com dificuldades por causa de sua dificuldade de entender a mensagem do Evangelho33 ou seremos bereanos, mais nobres34 que os demais.

A mediocridade faz parte da mentalidade pós-moderna, em todas as áreas, o amor ao dinheiro tornou o homem contemporâneo refém do pragmatismo mercadológico, produtor de resultados instantâneos e lucrativos. Queremos clicar e ver as coisas acontecer, aliás, não queremos nem mais clicar, a moda agora é o touch screen, ou seja, tocar na tela, pois o mouse demora muito. Os novos videogames percebem nosso movimento e repetem nos jogos. A tecnologia de comandos de voz já é presente e será cada vez mais. Não precisaremos mais digitar, programas já entendem o que falamos e transportam para o editor de textos. Não pesquisamos mais em livros, existe o google para pesquisar para nós, e nos limitamos aos 10 primeiros links.

Há quantidade assombrosas de informação, só no meu computador tenho informação que não conseguirei absorver nos próximos 10 anos. Mas quantidade de informação não é igual a conhecimento, e conhecimento não é igual a aplicação de conhecimento e vida cristã autêntica.

Precisamos ser e formar os formadores de opinião que sejam espécies de filtros teológicos para uma igreja cheia de informação mas vazia de conteúdo moral e espiritual. A compreensão das línguas bíblicas permitem que compreendamos o texto bíblico e sejamos os bereanos da era pós-moderna.


Conclusão

Fique claro que não esperamos que todos os líderes, pastores, obreiros e professores de nossas igrejas sejam profundos conhecedores da línguas originais da Bíblia (embora seja evidente que precisaremos que alguns com vocação possam ser). Esperamos sim que eles tenham conhecimento suficiente para:

  1. Compreenderem corretamente a mensagem divina;
  2. Serem ensinadores profundos da mensagem divina;
  3. Serem pregadores produtores de alimento saudável para a Igreja de Cristo;
  4. Serem apologistas eficazes contra os argumentos das seitas;
  5. Produzir reflexão teológica de qualidade;
  6. Serem mais nobre que os demais.