AGOSTINHO E O PROBLEMA DO MAL - PARTE 1


Por Matheus Negri
Essas perguntas já passaram pela sua cabeça: se Deus é o criador de todas as coisas e o Sumo bem, como o mundo pode estar cheio de mal? O que é o mal, qual a sua natureza? Como o mal pode fazer parte da criação? Como este mal afeta a personalidade humana? Se o ser humano sabe o que é bom porque busca o mal? Como o mal afeta a capacidade de amar o que é bom e odiar o que é ruim? A proposta deste breve ensaio é demonstrar a resposta dada por Agostinho de Hipona a estas perguntas.
Tenho muito interesse na pesquisa sobre este assunto, pois como pastor de jovens e capelão escolar percebo como a questão da liberdade moral compõe grande parte da dificuldade na caminhada cristã da juventude. A simples pergunta: “se o ser humano sabe o que é o certo porque escolhe o errado?”, por si só já é uma grande fomentadora de interesse, pois está é a realidade que todo conselheiro, capelão ou pastor passa em seu ministério.
Outro interesse se dá pelo próprio estudo de Agostinho, um pensador ímpar na história do ocidente que influenciou e inaugurou muitas áreas do saber. E incentivado pelas aulas e conversas com o prof. Dr. Rogério Miranda de Almeida a questão do agir humano e da liberdade passou a tomar frente em meus estudos, não só em Agostinho como também em Nietzsche e Freud.
A proposta deste ensaio é demonstrar brevemente a importância da doutrina agostiniana da liberdade cristã. Tendo em vista que a partir dela, Agostinho, procura explicar racionalmente a origem do pecado e se papel na obra de Deus, visto que a vontade é um bem, e que o pecado está no abuso da liberdade, isto é o mal moral.
Para uma compreensão completa da questão da liberdade cristã em Agostinho faz se necessário compreender a sua resposta ao problema do mal, a relação entre o pecado e a graça, e a ação da graça sobre a liberdade. De modo que seria abrangente de mais para este breve ensaio. Desta maneira esta pesquisa se limitará a apresentar a concepção agostiniana de liberdade a partir de sua obra O Livre Arbítrio. Nesta obra Agostinho busca encontrar uma resposta ao problema do mal junto com seu interlocutor, Evódio, amigo e conterrâneo. Vincula o mal a vontade humana com o objetivo de isentar Deus da criação do mal, mesmo sabendo que a vontade é um bem dado por Deus para o homem.
Agostinho escreve O Livre Arbítrio entre os anos de 388, após a morte de sua mãe em Roma, e 395, já ordenado presbítero na cidade de Hipona. Não é considerada uma obra polêmica, mas mesmo assim é escrita contra os erros dos maniqueus, seita a qual o bispo africano fez parte antes de sua conversão ao cristianismo. De forma que a obra é anterior à controvérsia pelagiana que tanto lhe causou infortúnios. Outros escritos também serão abordados, como é o caso de suas Confissões, a qual em forma de oração interpreta sua história e demonstra como o problema do mal esteve presente por toda a sua vida.
Como o trabalho teológico-filosófico de um bispo africano do século V poderia ser relevante para pastores do século XXI? A julgar pela grande quantidade de artigos e livros escritos sobre Agostinho nas mais diversas áreas como teologia, filosofia, história e até mesmo mentoria de pastore, Edward Smithers “Agostinho como mentor”, julgo ser de grande importância. Além do mais o estudo da doutrina cristã é de suma importância ao ministério pastoral tendo em vista que em certa medida cada pastor em sua comunidade eclesiástica deve estar preparado para responder as questões doutrinárias impostas por seu tempo. Franklin Ferreira em palestra afirma que a época em que vivemos pode ser caracterizada como era neopagã, assim nossa era possui muito mais pontos de contato com os teólogos que se confrontaram com o gnosticismo e paganismo do império romano, do que os puritanos ou reformadores.
Devido à profundidade e abrangência das respostas dadas por Agostinho sobre as diversas questões debatidas em seu tempo, ele se tornou o maior teólogo cristão depois do apóstolo Paulo, e seu pensamento influenciou a igreja no decorrer de sua história. Sua influência não está somente na filosofia e teologia, seja dogmática ou moral, mas também na vida social e prática da igreja cristã ocidental.
O interesse em trabalhar este tema se deve ao fato de ser uma questão que de maneira nenhuma é ultrapassada e é de decisiva importância: o paradoxal problema do mal e da liberdade humana e a responsabilidade pelos seus atos, tratados em O Livre Arbítrio, são questões que desafiam o pensamento humano. Questões levantadas não somente por pensadores, mas por todos os seres humanos: se Deus é o criador de todas as coisas e o Sumo bem, como o mundo pode estar cheio de mal? Vamos então a resposta dada por Agostinho de Hipona.
Deus é o autor de todas as coisas, o grande sustentador e provedor do universo, nada existe sem ele e tudo existe para ele, sustenta o universo com leis certas e imutáveis, e dentre estas leis se encontra a liberdade humana, dada por Deus, que também o julgará por seus procedimentos. Este julgamento se dará somente ao ser humano, pois somente ele, de todas as criaturas, recebeu este dom de Deus: a liberdade.
É uma questão categórica para Agostinho o fato do ser humano ser criado, por Deus, com o livre arbítrio e, sendo ele o possibilitador da faculdade de pecar. Mas em que se fundamenta a certeza do bispo de Hipona sobre a existência da liberdade? A certeza da existência da liberdade se dá pela certeza da existência do pecado. Visto que o pecado é um mal voluntário e, para Agostinho, ninguém pode negar que peca voluntariamente, e que não se pode negar a existência dele. Caso contrário ninguém poderia ser repreendido pelos pecados que comete, já que não seria uma atitude deliberada por parte do pecador. Assim tens-se a certeza de que se o pecado existe e é cometido voluntariamente, o ser humano está dotado do livre arbítrio da vontade.
Desta maneira não há dúvida alguma de o ser humano possuir o livre arbítrio da sua vontade, mas uma verdade quanto a isso é o fato de desconhecer a realidade de seus desejos. Para demonstrar Agostinho traz a tona o apóstolo Pedro, que jurou morrer por Jesus, mas o negou. Desconhecendo, então, a realidade de seus desejos como o ser humano pode por meio de seu livre arbítrio chegar até Deus, o Sumo bem? Agostinho assevera que a vontade humana necessita da graça divina, concedida por meio do Espírito Santo para chegar às coisas mais elevadas, como unir-se ao seu Criador.