NOÇÕES DE LÓGICA ARGUMENTATIVA


   Considerações preliminares
 
   A importância da Lógica visando o vestibular UFMG se dá por dois motivos:

 'Noções de lógica' é um conteúdo propriamente dito, podendo cair uma questão específica sobre ele.
 A forma pela qual é feita a avaliação das provas pressupõe respostas coerentes, pertinentes e que tenham concordâncias corretas. É privilégio de Língua Portuguesa e de Produção de Textos trabalhar estes itens. A Filosofia aparece para complementar este estudo trazendo as noções básicas 
sobre o modo como as justificativas eram feitas, como as causas eram fundamentadas e como perdura até hoje o formato dos nossos discursos e argumentos tendo como referência a linguagem filosófica em sua origem.

   O conteúdo a seguir tem como objetivo atender os dois motivos supracitados.
   O item 2 do programa "Que é inferência. Verdade e validade. Raciocínio indutivo e dedutivo" não se resume a uma definição de dicionário, há que se estudar mais detalhadamente cada conceito: o que são e como são utilizados.

1. Que é inferência

  Inferência é a operação mental pela qual se extrai uma conclusão (nova proposição) de uma ou mais proposições já conhecidas. A inferência pode ser extraída também de alguma sensação.

1º exemplo: Alguém sente um cheiro de queimado e diz: 'Estou sentindo um cheiro de queimado.', 'Está pegando fogo em algo.' Estas duas frases são denominadas de "proposições". Através de uma sensação olfativa foi possível uma constatação e uma inferência. A frase constatativa pode ou não ser um engano, pode ou não ser verdadeira, mas iremos discutir isso no próximo item. Já a segunda frase é uma inferência a partir da primeira frase. O raciocínio fica assim: Se estou sentindo um cheiro de queimado, logo algo está queimando, ou logo algo está pegando fogo. A conclusão 'algo está pegando fogo' foi inferida de 'estou sentindo cheiro de queimado', portanto para inferir a conclusão foi necessária a premissa constatada pelo sentido do olfato. Claro é também que a conclusão poderia ser dita sem ter sido dita a proposição 'estou sentindo um cheiro de queimado.'. Esta é uma inferência imediata (não mediada por outra proposição).
Mas, se alguém ouve uma outra pessoa dizendo 'Estou sentindo um cheiro de queimado.' e a partir disso conclui: 'Algo está pegando fogo.', a inferência foi mediata (mediada por uma outra proposição)

2º exemplo: Alguém diz uma frase que não faz nenhuma referência às sensações: "Caso o Brasil ganhe a copa do mundo de futebol de 2006 eu irei começar a fazer um regime alimentar radical. O Brasil ganhou a copa de 2006. Logo, irei fazer um regime radical." Este tipo de inferência, onde aparecem dois tipos de premissas é, também, denominada de inferência mediata (mediada).

   Quando estudarmos os raciocínios indutivos e dedutivos, veremos que uma inferência pode ser válida ou não válida assim como pode ser verdadeira ou falsa.

Antes de entendermos o que é a Lógica, vamos ver algumas proposições e inferências que ouvimos diariamente e imputamos erradamente os conceitos 'lógico' e 'não lógico':

   Lemos e escutamos frases que não fazem sentido ou que apresentam certas incoerências que nos fazem tomar atitudes discriminatórias em relação às pessoas que as escreveram ou as pronunciaram. Na maioria das vezes não contextualizamos as frases ou às vezes é conveniente não contextualizar para reafirmar nossa discriminação. Fazemos juízos de valor dizendo frases como: “Esta frase não tem lógica!” ou “Que cara burro, só podia ser jogador de futebol!” 

   
Observar que a partir de proposições lógicas ou não-lógicas e que, portanto, estão relacionadas com a razão ou com o raciocínio ou com o intelecto, são proferidas outras proposições de estatuto ético.
   Vejamos algumas frases:

Primeiro tipo de frases sobre as quais usamos erradamente o recurso à lógica ou a falta de lógica como justificativa ou como crítica:

1- “No México que é bom. Lá a gente recebe semanalmente, de quinze em quinze dias.”
2- “Tenho o maior orgulho de jogar na terra onde Cristo nasceu...” (O jogador se encontrava em Belém do Pará).
3- “Quando o jogo está a mil, minha naftalina sobe.”
4- “Não sei, chutei a bola foi indo, indo...e iu!”
5- “Fiz que fui, não fui e acabei fondo!”
6- “Eu disconcordo do o que você disse.”
7- “Nem que eu tivesse dois pulmões eu alcançava essa bola”.
8- “Realmente minha cidade é muito facultativa.”
9- “A partir de agora meu coração tem uma cor só: rubro negro.”
10- Eu, o Paulo Nunes e o Dinho vamos fazer uma dupla sertaneja.”

   Estas frases têm erros de falta de conhecimento geográfico, biológico, de língua portuguesa e de número. Não existem erros lógicos nestas frases. O máximo que podemos afirmar das pessoas que as pronunciaram é que ignoram, não têm conhecimentos nas disciplinas citadas. Elas portanto não cometeram erros de raciocínio e que pudessem induzir alguém a chamá-las de "burras". Inclusive invocando o "Princípio de tolerância" do filósofo Carnap: "Não nos cabe impor proibições, mas só chegar a convenções, em lógica não há moral e que cada um está livre para construir sua própria lógica, isto é, sua forma de linguagem, como desejar. Tudo o que deve fazer, se quiser discutir o assunto, é declarar claramente seus métodos e , em vez de argumentos filosóficos, dar as regras sintáticas do seu discurso".

Um exemplo do que afirma Carnap
Num cantinho da floresta


   Júlio e Patrícia, os dois muito tímidos, caminham pela floresta ......, diz Júlio:
_ Se chamássemos de t o que é a, de b o que é m e de f o que é o, eu te diria, “eu te tbf”. E para que nossa misteriosa conversa melhorasse, todo o alfabeto teria de ser trans-codificado. E se a gente resolvesse de outro modo e chamássemos t de 2 , b de 3 e f de 4 , eu te diria, “eu te 234” que soletrando seria “eu te 2+3+4” . E como 2+3+4=9, e se eu te dissesse “eu te 9”, o que você responderia? E quando via internet nos comunicássemos seria mais fácil na língua do computador, e 2 seria 013 seria100 e 4101, aí, eu te diria “eu te 01 100 101”. Será que nessa relação tão íntima entre nós dois as regras da matemática dariam conta de nos traduzirmos, um ao outro ? O que perdemos e o que ganhamos quando ao invés de te dizer “eu te amo”, eu te dissesse “eu te tbf” ou “eu te 234” ou “eu te 9” ou “eu te 01 100 101” ou romanticamente“eu te 2+3+4” ?
   Este exemplo mostra a construção de um mundo particular através de algumas regras, mas, este mundo é possível publicamente. Sobre este exemplo pode-se fazer a seguinte pergunta:
   Será que a nossa língua é feita de símbolos que significam algo que queremos dizer, ou há algo mais ?
Segundo tipo de frases sobre as quais usamos erradamente o recurso à lógica ou a falta de lógica como justificativa ou como crítica:
11- “Não foi nada de especial, chutei com o pé que estava mais à mão!”
12- “O meu clube estava à beira do precipício, mas tomou a decisão correta: deu um passo à frente.”
13- “O difícil, vocês sabem, não é fácil!”
14- “Clássico é clássico e vice-versa.”
15- “Jogador é o Didi, que joga como quem chupa laranja.”
16- “Chegarei de surpresa dia 15, as duas da tarde, vôo 619 da VARIG.”

Há erros lógicos nestas frases, ou afirmações e analogias pobres e ingênuas, que nos arrancam sorrisos?

Terceiro tipo: frases lógicas e frases não lógicas:
17 - “Todos os cães são bons corredores. Alguns gatos são bons corredores. Portanto, alguns gatos são cães.”
18 - “Nenhum navio de passeio viaja debaixo d’água. Todos os navios que viajam debaixo d’água são submarinos. Portanto, nenhum submarino é navio de passeio.”
19 - “Ora, se todos os gatos são mamíferos e se todos os ratos também são mamíferos, logo todos os gatos são ratos!”

2. Verdadeiro e falso

Veremos duas maneiras de se estabelecer o que é verdadeiro ou falso.

2.1 Verdade por correspondência com os fatos
   A verdade está relacionada ao mundo dos fatos e eventos, ou seja, está relacionado àquilo que chamamos de realidade.

1º A proposição 'Chove lá fora!' (com aspas) é verdadeira se chove lá fora (sem aspas). 'Chove lá fora!' é uma proposição falsa se lá fora não chove.
2º 'A grama é sintética.' é uma proposição verdadeira se é fato que a grama é sintética. 'A grama é sintética.' é ma proposição falsa se a grama é natural.

Portanto, a verdade da proposição corresponde ao fato que ela afirma.

2.2 Verdade por referência a um conjunto dado


   A verdade de uma proposição está relacionada ou referida a um conjunto dado a priori.

1º Dado o conjunto N = {1, 2, 3, 4}. '2 pertence ao conjunto N' é uma proposição verdadeira. '7 pertence ao conjunto N é uma proposição falsa.

2º Dado o conjunto dos estados brasileiros E = {Ceará, Espírito Santo, Acre, São Paulo, etc.}. 'Texas é um estado brasileiro.' é uma proposição falsa.

Observações:
. Estabelecer a verdade por correspondência é problemático pois, é necessário averiguar de algum modo os fatos da realidade. Normalmente os sentidos são o caminho para isso; constata-se com a visão, com a audição e com o tato que chove lá fora, por exemplo. Mas, e se a pessoa que faz esta constatação está delirando ou sonhando? E se a pessoa que fez a proposição se baseou na proposição de outra pessoa e se esta outra pessoa estiver mentindo?
. No segundo caso, verdade por referência a um conjunto dado, é necessário que se aceite a priori o conjunto dado.

2. Argumento   Um argumento não é uma proposição. Ele é uma composição de proposições. Por exemplo: 'Faz sol.', 'Hoje choveu pela manhã.', 'Fui ao shopping ontem.', 'Estou com dor de cabeça.', 'A grama é sintética.', 'Tenho muita saudade dele.', são apenas proposições, não são argumentos.
   Mas, a composição: 'Se fizer sol, irei ao shopping. Faz sol, logo, irei ao shopping.'. Este exemplo é um argumento.

2.1. Argumento lógico (ou silogismo lógico)

   Um argumento é lógico se ele conclui uma proposição particular a partir de uma proposição geral e se ele concluir o conseqüente afirmando-se o antecedente.

Exemplos do primeiro tipo:

Todo homem é mortal. (premissa geral)
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal. (conclusão particular)

Este argumento é denominado de argumento lógico válido.

Observação
: Para que ocorra a inferência neste exemplo, ou seja, para que ocorra o raciocínio mental que leva das premissas à conclusão, foi necessário o termo médio - homem, ele possibilita a mediação das premissas para a conclusão. Sem o termo médio a inferência não é possível.
Uma característica importante do termo médio é que ele nunca aparece na conclusão.

Veja o mesmo exemplo sem o termo médio:

Todo homem é mortal.
Sócrates é gordo.
Logo, Sócrates é mortal.

Observação: Por não existir o termo médio não foi possível a inferência válida. Neste exemplo, a única conclusão possível é 'Logo, Sócrates é gordo.'

Este argumento é chamado de argumento lógico não válido.

Exemplos do segundo tipo:Se chover irei ao cinema.
Choveu.
Logo, irei ao cinema.
'Se chover' - antecedente'irei ao cinema' - conseqüenteVerbo 'chover' - termo médio

Este argumento é argumento lógico e válido.

Observação: 
Foi afirmado o antecedente 'choveu' e conclui-se pelo conseqüente 'irei ao cinema'.

Veja o mesmo exemplo, porém não válido
Se chover irei ao cinema.
Fui ao cinema.
Logo, choveu.
Ele é um argumento lógico não válido porque, foi afirmado o conseqüente 'Fui ao cinema' e concluído o antecedente 'choveu'.

Vamos tomar o exemplo sobre Sócrates para este caso:

Argumento lógico válido:
Todo homem é mortal.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.

Argumento lógico não válido:

Todo homem é mortal.
Sócrates é mortal.
Logo, Sócrates é homem.

Conclusão: A lógica de um argumento está vinculada a forma com que é construída. Ela não se refere ao conteúdo nem das premissas e nem da conclusão. O último exemplo pode ser escrito deste modo:

Todo A é B. (premissa geral)
C é A.
Logo, C é B (conclusão particular)

A é o termo médio.
Desta forma o argumento é lógico e válido.

Em função disso, pode-se escrever:

Todo zebetrix é zibilex.
Zapalix é zebetrix.
Logo, zapalix é zibilex.

   Não sabemos o que sejam zebetrix, zibilex e zapalix, mas mesmo assim podemos afirmar que o argumento é lógico e válido.
   Quando Aristóteles formulou pela primeira vez o silogismo lógico utilizou um exemplo razoável (o exemplo sobre Sócrates mostrado acima), pois sua pretensão foi a de que fosse útil para os debates filosóficos e para os debates na pólis.

Mais alguns exemplos do uso que fazemos do silogismo criado pro Aristóteles:

Quanto mais células anômalas em um organismo mais ele adoece. As células anômalas de um alcoólatra se proliferam na medida em que bebe cada vez mais. Logo, o seu organismo adoece mais.Seres humanos, quando sofrem bastante, tendem a amadurecer mais rápido. O povo, iraquiano tem sofrido bastante. A tendência é o seu amadurecimento rápido.

Todos os adolescentes foram ao pop rock. Juliana é adolescente. Logo, Juliana foi ao pop rock.

Vamos analisar este último exemplo:
1º Termo geral: 'Todos os adolescentes foram ao pop rock.'
2º Term médio: 'adolescente'
3º Conclusão particular: 'Juliana foi ao pop rock.'

   Se antes de ir ao pop rock, Juliana argumentasse com seus pais que ela deveria ir porque já tem 17 anos, já é responsável, não é mais uma criança, a chance dela ir seria menor; se argumentasse que sua colega Patrícia também vai, não seria um bom argumento pois, seria um particular tentando fundamentar outro particular. Mas, se ela argumentasse que ela deve ir pois, todos os adolescentes da sua idade irão, as chances dela ir aumentam. Nossa cultura tem levado em conta o que é geral fundamentando o particular.
   Observe mais este exemplo: Se o professor Armando é ótimo professor de Filosofia, não implica que todos os professores de Filosofia sejam bons. Mas, se se afirma que todos os professores de Filosofia são bons professores, necessariamente Armando é um bom professor de Filosofia.

3. Raciocínio indutivo e raciocínio dedutivo

3.1. Raciocínio indutivo

    O raciocínio indutivo parte de premissas para inferir uma conclusão. As premissas são observações da natureza e de fatos do mundo. Há uma pretensão neste tipo de raciocínio: a conclusão de um particular fundamentado numa proposição geral, mas, como a proposição geral é fruto da observação, ela não é geral.
Por exemplo:
1º Após uma extensa pesquisa sobre gansos, um cientista constatou numa população de 10 milhões de gansos, que todos eles eram brancos. Desta constatação, ele fez a seguinte proposição: 'Todos os gansos são brancos.' Um colega deste cientista telefonou-lhe dizendo que enviou para ele um ganso. O cientista que propôs a teoria acima tem certeza de que o ganso que irá receber é branco? A resposta é não. Sua teoria está fundamentada em 10 milhões de gansos e não em todos os gansos. Portanto, um caso particular - 10 milhões de gansos, não pode fundamentar outro caso particular - um ganso.

 
Olhando bem sua para sua pele, uma mulher de 70 anos percebeu muitas rugas e concluiu, para seu, conforto, que todo homem e toda mulher nesta faixa etária têm muitas rugas.

Conclusão: Um argumento que tem como forma um raciocínio indutivo não é lógico.

3.2. Raciocínio dedutivo
    O raciocínio dedutivo conclui um particular de um geral. O geral é sempre uma hipótese. Quando se diz que 'Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal.', está se dizendo: 'Se todo homem é mortal. Se Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal.'
Agora podemos entender melhor o argumento dedutivo e lógico sobre os gansos: 'Se todos os gansos são brancos. E se irei receber um ganso enviado por um colega. Logo, este ganso é branco.'
Pelo visto até agora, podemos chegar a seguinte conclusão: o raciocínio dedutivo partindo de uma hipótese geral não tem referência com o mundo real, mas tem referência com o que o cientista, filósofo ou pensador imagina sobre o mundo. Já o raciocínio indutivo parte de uma observação feita do mundo, de uma realidade, de um evento, de um fato.
   Para concluir, a fonte de verdade para um dedutivista é a lógica, para um indutivista é a experiência.