O CRISTÃO E A CULTURA - Por Franklin Ferreira

 

Uma definição de cultura

Antes de falarmos da relação do cristão com a cultura, é necessário definirmos o que é cultura:
  • Em sentido amplo, refere-se ao cultivo de hábitos, interesses, língua e vida artística de uma nação: histórias, símbolos, estruturas de poder, estruturas organizacionais, sistemas de controle, rituais e rotinas.
  • Tudo o que caracteriza uma realidade social de um povo ou nação, ou então de grupos no interior de uma sociedade: valores, atitudes, crenças e costumes.
Não raro o cristão se torna uma subcultura dentro de uma nação. Ele tem seus valores, atitudes, crenças e costumes. Mas daí, surgem as perguntas: O cristão pode participar das festas nacionais? O cristão pode beber? Como o cristão lida com arte, cinema, etc.? O cristão pode ser um diretor, ator, etc.? O cristão pode ouvir música do mundo? Como o cristão lida com economia, política, filosofia? O cristão deve impor sua cultura quando sai em missões? O que pode ser tolerado? O que deve mudar?

Modelos de como os cristãos lidaram com a cultura ao longo da história

Para falar sobre o cristão e a cultura, precisamos lembrar que a igreja não nasceu em nossa geração. Temos que ser humildes e olharmos para a história da igreja para ver como os cristãos do passado lidaram com a cultura.
H. Richard Niebuhr (1894-1962), apresentou em seu livro Cristo e cultura (download gratuito) cinco categorias de classificação do relacionamento entre o cristão e a cultura, fornecendo, assim, ferramentas para descrever a forma que os cristãos encaram questões sociais, éticas, políticas e econômicas.

1. O cristão contra a cultura

Os que seguem esta corrente enfatizam que, diante da natureza decaída da criação, é necessário que se criem estruturas alternativas, e que estas sigam mais de perto o chamado radical do evangelho. Esta posição foi afirmada no Didaquê, na Primeira Epístola de Clemente, e nos escritos de Tertuliano (c.160–c.225) e dos anabatistas do século xvi, como Michael Sattler (c.1490–1527).
Resumidamente, a cultura é caída, má e demoníaca; rejeite tudo. Exemplos:
“A filosofia é a matéria básica da sabedoria mundana, intérprete temerária da natureza e da ordem de Deus. De fato, é a filosofia que equipa as heresias… Ó miserável Aristóteles! Que lhes proporcionaste a dialética, esse artífice hábil para construir e destruir, esse versátil camaleão que se disfarça nas sentenças, se faz violento nas conjecturas, duro nos argumentos, que fomenta contendas, molesta a si mesmo, sempre recolocando problemas antes mesmo de nada resolver. Por ela, proliferam essas intermináveis fábulas e genealogias, essas questões estéreis, esses discursos que se alastram, qual caranguejos, e contra os quais o Apóstolo nos adverte na sua carta aos Colossenses: ‘Cuidado que ninguém vos venha a enredar com suas sutilezas vazias, acordadas às tradições humanas, mas contrárias à providência do Espírito Santo’. Este foi o mal de Atenas… Ora que há de comum entre Atenas e Jerusalém, entre a Academia e a Igreja, entre os hereges e os cristãos? Nossa formação nos vem do pórtico de Salomão, ali nos ensinou que o Senhor deve ser buscado na simplicidade do coração. Reflitam, pois, os que andam propalando seu cristianismo estóico ou platônico. Que novidade mais precisamos depois de Cristo? […] Que pesquisa necessitamos mais depois do Evangelho? Possuidores da fé, nada mais esperamos de credos ulteriores. Pois a primeira coisa que cremos é que para a fé, não existe  objeto ulterior.”  (Tertuliano, De praescr. haeret., VII)
 “Quarto, unimos nossas forças no que diz respeito à separação do mal. Devemos nos afastar do mal e da perversidade que o diabo semeou no mundo, para não termos comunhão com isso e não nos perdermos na confusão dessas abominações. Aliás, todos que não aceitaram a fé e não se uniram a Deus para fazer a sua vontade são uma grande abominação aos olhos de Deus. Deles não poderão acrescentar ou surgir nada mais do que coisas abomináveis. Não existe nada mais no mundo e em toda a criação do que o bem e o mal, crentes e incrédulos, trevas e luz, os que estão no mundo e fora do mundo, os templos de Deus e dos ídolos, Cristo e Belial, e nenhum deles poderá ter comunhão um com o outro. Para nós, pois, é obvio o imperativo do Senhor, pelo qual nos ordena que nos afastemos e nos mantenhamos longe dos maus. Assim, ele será nosso Deus e nós seremos seus filhos e filhas. Além disso, ele nos exorta a abandonar a Babilônia e o paraíso terreno egípcio, para não passar pelos sofrimentos e dores que o Senhor enviará sobre eles. (…) Devemos nos afastar de tudo isso e não participar com eles. Porque tudo isso não passa de abominações, que nos tornam odiosos diante do nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos libertou da escravidão da nossa natureza pecaminosa e nos tornou aptos para o serviço de Deus, por meio do Espírito que nos ortogou.” (Confissão de Schleitheim, IV)

2. O cristão da cultura

Os ensinos do evangelho têm íntima relação com as estruturas culturais, num processo de acomodação a esta. Ou seja, toda e qualquer cultura é incorporada no cristianismo.
Apesar das objeções que são lançadas a esta posição, ela tem sido influente na história da igreja. Os ensinos de gnósticos do século III, Abelardo de Paris (1079–1142) e dos teólogos liberais do século XIX refletem esta posição.. A igreja evangélica na Alemanha, por influência deste entendimento, trocou seu nome para Igreja do Reich e seus pregadores juraram obediência a Hitler.
O fundamentalismo americano acabou espelhando esta posição, afirmando os valores básicos da cultura dos Estados Unidos. Aqui no Brasil, se por um lado rejeitamos toda cultura local (o cristão contra a cultura), por outro acabamos abraçando a cultura americana (o cristão da cultura), como se ela fosse uma cultura cristã e achamos que uma cultura é intrinsicamente superior a outra.

3. O cristão acima da cultura

Este é o conceito católico, influenciado por Clemente de Alexandria (c.150–c.215) e Tomás de Aquino (1225–1274), que busca uma unidade entre o cristão e a cultura, onde toda a sociedade aparece hierarquizada. Na Idade Média o ensino eclesiástico alcançou quase todos os aspectos da sociedade: suas práticas religiosas formaram o calendário; seus rituais marcaram momentos importantes (batismo, confirmação, casamento, ordenação) e seus ensinamentos sustentavam crenças sobre moralidade, significado da vida e a vida após a morte. A igreja e sua mensagem são institucionalizadas e o que deveria ser condicionado culturalmente é absolutizado. Neste terceiro modelo, o que é levado não é o evangelho, mas uma cultura.

4. O cristão e a cultura em paradoxo

Posição comumente associada a Martinho Lutero (1483-1546) e Søren Kierkegaard (1813-1855). Esta posição mantém o entendimento bíblico da queda e da miséria do pecado, e o chamado para se lidar com a cultura. A relação do cristão com a cultura é marcada por uma tensão dinâmica entre a ira e a misericórdia.
Lutero enfatizou este tema com sua doutrina dos “dois reinos”: a mão esquerda, mundana, segura a espada do poder no mundo, enquanto a mão direita, celeste, segura a espada do Espírito, a Palavra de Deus. Não se pode tentar coagir a fé, nem se pode tentar acomodar a fé aos modos seculares de pensamento.
Um exemplo: espancamento feminino. A mulher deve processar o marido? Nesta visão paradoxal, como cristã, ela não deveria (pois o crente não leva outro ao tribunal secular), mas como cidadã, sim. Então, a mulher vive um conflito paradoxal.

5. O cristão como agente transformador da cultura

A cultura deve ser levada cativa ao senhorio de Cristo. Sem desconsiderar a queda e o pecado, mas enfatizando que, no princípio, a criação era boa, os que estão nesse grupo enfatizam que um dos objetivos da redenção é transformar a cultura. Sendo assim, por mais iníquas que sejam certas instituições, elas não estão fora do alcance da soberania de Deus. Ou seja, mesmo sabendo da queda, o cristão não abandona a cultura (o cristão contra a cultura), mas busca redimi-la, levá-la aos pés de Cristo.
Agostinho (354-430), João Calvino (1509-1564), John Wesley (1703-1791) e Abraham Kuyper (1837-1920) são alguns dos que entenderam que os cristãos são agentes de transformação da cultura, posição que é exposta nesta obra de Niebuhr. Em Apocalipse, vemos que Deus redime tanto a pessoa, como a diversidade cultural.
Nesta posição, não há divisão entre o sagrado e o profano – essa é uma dicotomia católica (a divisão sagrado/profano afirma que na igreja fazemos atividades sagradas e, no mundo, atividades profanas; ou seja, rezar, ser padre é algo sagrado, mas construir um prédio e ser um engenheiro são coisas profanas). A divisão bíblica é entre o que é santo e está em pecado; e que está em pecado deve ser santificado.

Relatório de Willowbank

A afirmação de que o cristão é um agente transformador da cultura pode ser resumida na compreensão de que “uma vez que o homem é criado por Deus, parte de sua cultura será rica em beleza e bondade. Por causa da queda e do pecado do homem, toda a sua cultura [usos e costumes] está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca” (Pacto de Lausanne §10) — o evangelho nunca é hóspede da cultura, mas sempre seu juiz e redentor.
O Grupo de Teologia e Educação de Lausanne propôs um modelo hierárquico de ação sobre a entrada do evangelho na cultura (Relatório de Willowbank, 1978) que pode ser de auxílio em nosso trato com a cultura ao nosso redor.
Categoria de costumes
Como um missionário deve proceder em uma cultura diferente? O Relatório de Willowbank propõe uma relação quádrupla do cristão com a cultura:
  1. Alguns costumes não podem ser tolerados, como a idolatria, infanticídio, canibalismo, vingança, mutilação física, prostituição ritual, entre outros.
  2. Alguns costumes podem ser temporariamente tolerados [por uma geração], como a escravidão, o sistema de castas, o sistema tribal, a poligamia, entre outros.
  3. Há alguns costumes cujas objeções não são relevantes para o evangelho, como o costume de o homem e a mulher sentarem separados nos cultos, os costumes alimentares, vestimentas, hábitos de higiene pessoal, entre outros.
  4. Assuntos secundários (adiáforos) sobre os quais há controvérsias mas que pode-se ter liberdade de análise, como escatologia, governo da igreja, ceia e batismo
Exemplo do ponto 2: quando chefes tribais polígamos se convertiam, eles eram obrigados pelos missionários a abandonar todas suas esposas, que ou morriam de fome ou se prostituiam, podendo morrer apedrejadas. Vendo isso, os missionários acharam uma medida sábia não exigir desse chefe tribal o abandono da poligamia, mas exigir tal atitude da próxima geração de cristãos.
Aplicação do ponto 3: Se você é um novo pastor, não tente mudar a cultura da igreja, se ela se encaixa neste nível. Pregue o evangelho!
 “Não se distinguem os cristãos dos demais, nem pela região, nem pela língua, nem pelos costumes. (…) Seguem os costumes locais relativamente ao vestuário, à alimentação e ao restante estilo de viver, apresentando um estado de vida admirável (…). Enquanto cidadãos, de tudo participam, porém tudo suportam como estrangeiros. (…) Se a vida deles decorre na terra, a cidadania, contudo está nos céus. Obedecem as leis estabelecidas, todavia superam-nas pela vida. Amam a todos, e por todos são perseguidos (…) Para simplificar, o que é a alma no corpo são no mundo os cristãos”. (5-6) (Epístola a Diogneto) 
 




EBD - ANÁLISE E OPINIÃO

A EBD(Escola Bíblica Dominical) é o maior e mais importante centro de formação cristã/bíblica da igreja, nela aprendemos os rudimentos básicos e fundamentais da nossa fé, como também desenvolvemos nossa cosmovisão cristã (visão de mundo). A EBD tem um papel fundamental na edificação da igreja, pois a educação cristã é um dos pilares que sustenta o bom funcionamento do corpo de Cristo, um crescimento sem educação nunca será capaz de produzir bons frutos, pois se caracteriza pela desordem e atrofiamento das potencialidades do corpo. Se acreditamos que a educação tem capacidade de mudar o mundo, a educação cristã tem o poder não somente de mudar a igreja, mas de coloca-la como uma referência relevante nesse processo de transformação mundial. Na história podemos ver vários casos aonde a educação cristã salvou países, sociedades que viviam a mercê de suas limitações, mas a partir do momento que tiveram contato com a instrução bíblica, tiveram suas vidas transformadas e hoje são referência no tocante a um desenvolvimento que lhes trouxe prosperidade nacional, temos como exemplo a Suécia, que foi salva não somente do pecado, mas da ignorância pelo legado educacional deixado pelo reformador João Calvino. Nos Estados Unidos e na Europa, as grandes universidades de hoje, tiveram seu início como seminários cristãos, isso são alguns exemplos que mostram a considerável influência da educação cristã na história, influências que em alguns casos começou com trabalhos semelhantes a nossa EBD, encontros que tinham como principal objetivo ensinar a palavra de Deus, formando cristãos convictos do seu propósito e da sua missão.
Vivemos em uma época de muita informação e essa dinâmica tecnológica, rápida e vasta tem feito com que este conhecimento distribuído na rede chegue em uma demanda que vai muito além de nossa capacidade de raciocínio, e isso tem criado uma grande confusão em muitas mentes, principalmente nas mentes cristãs. O trabalho da educação cristã, em especial da EBD, deve ser ajudar os alunos a filtrar essa demanda de informação dentro de uma perspectiva bíblica bem fundamentada. O Pr. Ariovaldo Ramos vai dizer que o papel do educador cristão é chamar seus alunos a pensar com liberdade a partir das Escrituras Sagradas, isso só é possível através da formação de uma consciência cristã bem resolvida, algo que tem se tornado cada dia mais difícil atualmente em nossas igrejas. O Pr. Paulo Júnior vai dizer que uma das principais falhas da igreja hoje é viver um dualismo perigoso, aonde temos uma orientação divina, mas uma conclusão humana, Jesus quando ensinava a seus discípulos, seu objetivo era que eles aprendessem e não que concluíssem, hoje vivemos em uma época aonde aprender tornou-se perda de tempo, vivemos uma fé medíocre porque nos baseamos em nossas conclusões humanas e isso, na maioria da vezes, não tem nada a ver com a realidade revelada.
Esse desinteresse em aprender tem a ver com essa nova concepção de evangelho pós-moderno, uma crença cheia de fenômenos sobrenaturais com muita coisa mística, mítica, mágica, discursos triunfalista de prosperidade material e reconhecimento popular, uma crença voltada aos anseios e ambições humanas, que troca a Bíblia pela caixinha de promessa e por livros de "auto ajuda" gospel. O apóstolo Paulo vai chamar isso de "evangelho de mercado" e em tempos de crise e do politicamente correto é o que está em alta no momento. Em um cenário como este, aonde muitos se valem da malandragem para se beneficiar, onde a corrupção tornou-se uma virtude corajosa, aonde o mundo é dos espertos, muitos cristão estão se valendo dos mesmos princípios em relação a seu conhecimento de deus e passam este maligno ensino a diante. A maledicência travestida de conhecimento e espiritualidade tem ganhado notório espaço, não somente em nossos púlpitos, como também em nossas classes de EBD e este é um problema que deve ser denunciado e combatido. Nossa missão é formar discípulos de Cristo e só seremos capazes de tal feito se não abrirmos mão de nossas convicções bíblicas e resistirmos até o fim em prol de uma igreja que seja de fato sal da terra e luz do mundo, e uma das coisas que tornará isso possível é o trabalho da EBD.
Como já dito anteriormente, a EBD é um centro de formação cristã, um trabalho voltado ao ensino bíblico e como tal deve contar com uma estrutura digna de sua importância. Nem todas as denominações no Brasil tem um trabalho de EBD e muitas das que tem funcionam de forma defasada, mantendo este trabalho por uma questão de tradição ou até mesmo por querer fazer das aulas uma oportunidade de oprimir o rebanho através de uma imposição de discurso em defesa de seus dogmas e preceitos humanos. Motivações como essas só mostram o total desconhecimento e desinteresse de tais lideranças com a causa da educação cristã em sua igreja, mesmo porque, para alguns a ignorância e com isso a falta de reação do rebanho em questionar, lhes é conveniente para reinarem absolutos e usufruírem dos benefícios da função.
A EBD deve ser planejada visando a necessidade do rebanho que ela atende, a qualificação e o aperfeiçoamento do trabalho deve ser pensado em todos os sentidos, desde a estrutura física, equipe de professores, gestão pedagógica e etc. A EBD deve está sobre a responsabilidade de alguém que possua um conhecimento, pelo menos básico, na área de educação cristã, caso não haja, a igreja deve investir na formação de pessoas que possam atender este requisito fundamental para uma direção consciênte e querente, esta pessoa terá como objetivo não somente manter a EBD funcionando, como coordenar as atividades e observar novos talentos que possam ajudar direta e indiretamente neste processo.
muito do que falei neste artigo, você que está lendo, já sabe, mas minha intenção em escrever sobre este assunto não é apenas ser repetitivo, mas reforçar a importância de desenvolvermos um trabalho serio em um departamento tão sucateado pelo desinteresse declarado daqueles que querem a bênção, mas não tem tempo para ouvir, nem tão pouco aprender, com o abençoador. Também reforço a responsabilidade da liderança eclesiástica em não dar o apoio devido a tal trabalho o tratando como uma oportunidade de formar massa de manobra para fins espúrios. Devemos rogar ao Senhor por sua graça misericordiosa em favor principalmente daqueles que buscam mais da sua presença através do aprendizado da sua Santa Palavra.
DEUS VOS ABENÇOE!

Vicente Leão